O                melhor Natal do RealCom                a recuperação da economia, juros em               queda e crédito em alta, o Brasil resiste à crise               externa e prepara-se para as festas de fim de               ano com o melhor cenário econômico desde 1994              
                
 Consuelo                Dieguez                                                                Fotos Ricardo Benichio
   |                                  | A                    família vai às compras: recuperação                    da economia criou quase 1 milhão de novos postos de trabalho                    e deu novo fôlego às vendas, que até setembro                    já tinham crescido 11% |                 Tinha                tudo para dar errado. A vizinha Argentina está à beira                do colapso. Os preços do petróleo dispararam no mercado                internacional. E, para completar, os Estados Unidos deixam o mundo                em suspenso pela prosaica razão de que não conseguem                definir quem governará o país nos próximos                quatro anos. As bolsas de valores de todo o mundo, como sempre acontece                nessas situações, andaram tendo tremeliques assustadores.                Com um cenário tão negativo, seria de esperar que                no Brasil os empresários já estivessem esbravejando                contra a queda nas vendas, os economistas fazendo projeções                apocalípticas e os trabalhadores calculando quanto teriam                de economizar para não sucumbir à crise. Nada disso                está ocorrendo. Em meio a toda essa turbulência, a                economia brasileira vive, desde junho, um confortável período                de estabilidade, o qual permite prever que o país terá                o melhor Natal dos últimos cinco anos. 
 
 
                                    |                                  | De                    olho nos preços: consumidor consciente e menos endividado                    é uma das diferenças entre o Natal de 2000 e o                    de 1994, quando a festa das compras provocou ressaca no ano                    seguinte |                 No                comércio, termômetro mais sensível do ânimo                de empresas e consumidores, os sinais são visíveis                a olho nu. A popularíssima região da Rua 25 de Março,                no centro de São Paulo, registrou movimento recorde na semana                passada: 1 milhão de pessoas sedentas por ofertas passaram                pelas 3.000 lojas da área. Na                outra ponta do consumo, os fabricantes de DVD não estão                dando conta dos pedidos. A expectativa dos lojistas é vender,                neste ano, 200.000 desses aparelhos.                No ano passado, foram 30.000. É                uma realidade bem diferente da que se viu nos últimos anos,                que foram sacudidos por notícias ruins em cima de notícias                ruins. Em dezembro de 1995, o Brasil estava acuado pela crise que                tinha arrastado o México para a bancarrota. Em 1996, levou                as sobras da desconfiança dos investidores estrangeiros com                os países emergentes. Um ano depois, quase afundou com a                crise da Ásia, que fez estragos nos quatro cantos do mundo.                Em 1998, os efeitos do desmantelamento da Rússia foram tão                dramáticos que o Brasil sucumbiu. Em janeiro do ano passado,                o real foi desvalorizado, e os brasileiros chegaram ao fim do ano                mais pobres e mais desesperançados.              O que                está fazendo a diferença agora é que a economia                brasileira caminha para uma sólida recuperação.                Mesmo sem explodir como rolha de champanhe, os sinais de melhora                são evidentes. Alguns exemplos:                                 O desemprego, neste ano, não só parou de aumentar                como foi criado, de janeiro a setembro, quase 1 milhão de                vagas.                                  As taxas de juros cobradas aos compradores pelas operações                de crédito direto ao consumidor estão em 5% ao mês.                O número ainda é altíssimo. Mas, quando se                imagina que era de 30% no Natal de 1994, tem-se uma ideia                de como está mais em conta comprar a prazo no Brasil.                                  Com os juros do Banco Central também mais baixos (16,5% ao                ano), os recursos disponíveis para empréstimo quase                dobraram e os prazos de financiamento de veículos, por exemplo,                pularam de dezoito para 28 meses, em média.                                  As vendas da indústria cresceram 10,4% de janeiro a setembro,                e as do comércio, 11,4% em relação ao mesmo                período do ano passado. Em 1999, na mesma época, as                vendas da indústria tinham crescido apenas 1,1%, enquanto                as do comércio registraram queda de 0,6%.                                  Uma pesquisa feita pela Confederação Nacional da Indústria                revela que o grau de confiança dos empresários na                recuperação econômica está aumentando,                o que ajuda a estimular os investimentos. Hoje, numa escala de zero                a 100, o grau de confiança na melhora da economia é                de 64. No mesmo período do ano passado era de 56.                 
 
 
 
                                   |                                  | Consumo                    de luxo: as vendas de produtos sofisticados estarão em                    alta neste fim de ano. Lojistas de São Paulo acreditam                    que venderão 200 000 DVDs, contra os 30 000 vendidos                    em 1999 |                 O desempenho                é extraordinário, principalmente quando comparado                ao ritmo da economia nos últimos cinco anos. Este vai ser                o melhor Natal do real por ser o mais saudável. O de 1994                – o primeiro pós-plano – foi o maior em termos                de vendas e de recuperação, mas em condições                menos favoráveis que o de agora. Na época, o país                acabava de entrar num cenário econômico pouco familiar.                Era uma festa. O Brasil tinha crescido quase 6%, o crédito                estava muito folgado, a renda havia aumentado com o fim da inflação.                O consumo explodiu. Resultado: no ano seguinte muitos bancos tiveram                enorme dor de cabeça para recuperar os empréstimos.                O número de inadimplentes dobrou em 1995 em relação                ao ano anterior. "A diferença agora é que a economia                tem menos distorções", diz o economista Salomão                Quadros, da Fundação Getúlio Vargas, do Rio                de Janeiro.                 Uma                economia mais saudável não se faz apenas com bons                pagadores. Mas sem eles tal objetivo é inatingível.                O país tem hoje taxa de inadimplência de 5,8%, a menor                desde o começo do Plano Real. Um Natal igualmente memorável                para consumidores, lojistas, indústria e até para                o governo exige que uma série de fatores estejam em harmonia.                É o que parece estar ocorrendo agora na economia brasileira,                especialmente quando se examina o custo do dinheiro, os juros. Eles                estão domados e isso injetou uma confiança maior em                toda a cadeia produtiva e consumidora do país.                 Some-se                a esse cenário uma safra de produtos de boa qualidade e preços                razoáveis e pode-se prever sem muito erro que o Natal de                2000 vai ser estrondoso. Como ensinava o lendário Akio Morita,                fundador da Sony e pai da eletrônica de consumo, um produto                fenomenal tem de ser desejado ao mesmo tempo por pobres e ricos.                Mas deve igualmente ser acessível a todo tipo de orçamento.                Havendo um produto assim nas prateleiras, dizia Morita, ele venderá                bem tanto em tempos de recessão quanto em épocas de                euforia consumista. As lojas brasileiras estão recheadas                de produtos que atendem à lei Morita.                 Não                por acaso, a estrela deste Natal é o DVD, que reproduz som                e imagens com nitidez e riqueza cinematográficas. O aparelho                custava 1.800 reais em 1998. Hoje, é                vendido por um preço 60% mais baixo. O principal motivo dessa                queda foi que as máquinas começaram a ser feitas no                país, o que reduziu os custos de importação.                O fenômeno do DVD foi se armando, como uma tempestade de verão,                no decorrer do ano. O preço caiu. Foi o primeiro ponto. O                número de títulos disponíveis cresceu furiosamente,                cerca de 1.000 vezes. Foi o segundo ponto.                A Gradiente, principal fabricante nacional de DVD, lançou                em maio seu modelo mais barato, que custa cerca de 700 reais. Vendeu                10.000 peças em três dias.                Até setembro, 45.000 aparelhos                tinham saído das lojas. Para o Natal, a empresa pretende                vender outros 45.000 DVDs. "Se tivéssemos                o dobro, venderíamos", diz Eduardo Toni, gerente de marketing.                                Outra                mola a impulsionar as vendas de DVDs é o fato de que menos                de 1% dos lares brasileiros possui o aparelho. Ou seja, o mercado                potencial é gigantesco. O desafio no caso de vender televisores                está sendo enfrentado com sucesso pelos fabricantes com base                no corolário do fenômeno: 80% das casas já têm                aparelho de TV no Brasil. A aposta então é colocar                nas lojas um modelo tão espetacular que faça a velha                TV parecer um equipamento pré-histórico. Por essa                razão, a indústria espera fechar o ano com 5 milhões                de aparelhos vendidos, com destaque para as TVs mais caras. "Até                o ano passado os aparelhos de 20 polegadas lideravam as vendas.                Neste ano apostamos no sucesso dos televisores de 29 polegadas para                cima", diz Paulo Saab, presidente da Associação Nacional                dos Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros). Saab                traz na ponta da língua uma equação que prova                que este será um Natal fenomenal. "Se pegarmos o DVD como                exemplo, as vendas cresceram 710% numa comparação                entre os dez primeiros meses de 2000 e os dez primeiros de 1999.                Na comparação do mês de outubro de um ano para                o outro, o crescimento foi de 580%. Este Natal será o melhor                em muitos anos", comemora Saab.  
 
 
 
                                   |                                  | O                    brilho do Iguatemi, em São Paulo: comércio aposta                    em prazo mais longo e juros mais baixos para atrair os consumidores |                 Fenômeno                semelhante está pendurado em 22 milhões de brasileiros.                São os celulares, cujas linhas no mercado negro chegaram                a custar até 5.000 reais em 1996.                Hoje, um aparelho completo pode ser comprado por 150 reais. A popularização                foi tão intensa que incorporou até crianças                e adolescentes – e ainda não acabou. Esses aparelhos                continuam a figurar nas listas de bons presentes, principalmente                depois de terem agregado novas facilidades, como o acesso à                internet. Hoje se compra celular a preço de banana e com                prazos longos para pagar. Com os juros sob controle, espichar o                prazo deixou de ser um pesadelo. Uma geladeira de 800 reais vendida                em doze parcelas custaria 90 reais por mês. Quando o prazo                aumenta, o negócio fica ainda mais atraente. Essa mesma geladeira                pode ser comprada em 24 parcelas de 66 reais. "Quando não                há medo de perder o emprego, o que o consumidor quer saber                é se a prestação cabe no seu bolso", explica                o vice-presidente da Anefac, Miguel de Oliveira.                 Com                a criação de empregos e uma leve melhora no ritmo                das dispensas, o trabalhador brasileiro está mais seguro.                "Essa sensação de estabilidade faz com que o comprador                fique menos temeroso de gastar seu dinheiro", explica Luiz Roberto                Cunha, economista da PUC do Rio de Janeiro e consultor da Federação                do Comércio do Rio de Janeiro. A melhoria não é                apenas na sensação de estabilidade política                e econômica. Há realmente maior volume de renda total                em circulação. Não que tenha havido aumento                nos salários dos trabalhadores. Eles continuam estáveis                quando comparados aos do ano passado. O que injetou mais dinheiro                na praça foi a abertura de quase 1 milhão de vagas                no mercado de trabalho. Isso significa que mais pessoas terão                dinheiro para gastar neste fim de ano. "O aumento da oferta de emprego                tem um grande impacto sobre a renda global", diz Lauro Ramos, do                Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), especialista                em mercado de trabalho.                 Os                planos da indústria de brinquedos confirmam que o ano é                dos bons. Nesse ramo, o indicador mais confiável de solidez                é a venda de brinquedos tradicionais. Quando a maré                está em baixa, só se vendem mesmo novidades cintilantes                – e baratas. Pois bem, um dos sucessos anunciados do Natal                são os tradicionais patinetes. Os do ano 2000 são                de alumínio com rodas de borracha, guidom almofadado e freio.                Assemelham-se pouco aos da infância dos adultos de hoje, que                se lembram de seus patinetes de madeira, girando sobre rolimãs                comprados no ferro-velho. As vendas devem chegar a 400.000                unidades. Outros produtos consagrados, como as bonecas Susi e Barbie,                chancelam o fenômeno. As bonecas Barbie Jóia, Conto                de Fadas, Bela Adormecida e Hawaii são clones daquelas que                povoaram os sonhos das mães no passado.                 O                lojista e o fabricante ganham na quantidade com os produtos tradicionais.                As margens de lucro são maiores com as vendas de brinquedos                eletrônicos. Um dos mimos que prometem brilhar no Natal é                o cachorrinho Poo-Chi, uma febre no Japão e nos Estados Unidos,                onde foram vendidas mais de 600.000 unidades                em três meses. O bicho, lançado no Brasil pela Estrela,                late, senta, abana o rabo, lambe osso, dorme e ronca, tudo isso                por 99 reais. Por 20 reais a mais, é possível comprar                o Furby Baby, também da Estrela. É um bichinho de                pelúcia que, como os tamagotchis, que fizeram furor há                dois anos, precisa de horas de sono, come, identifica pai e mãe,                brinca, canta, chora e até fala português. Só                as Lojas Americanas, que têm 94 lojas espalhadas pelo Brasil,                compraram dezenas de milhares de unidades de cada brinquedo com                coração de chip de computador.  
 
 
 
                                 Antonio Milena
   |                                  | O                    sucesso da pechincha: movimento de 1 milhão de pessoas                    foi recorde na região do comércio popular da Rua                    25 de Março, em São Paulo |                                "Este será o Natal em que cada brasileiro vai comemorar com                orgulho que estamos vencendo a batalha de todos nós por um                país melhor", disse a VEJA o presidente Fernando Henrique                Cardoso. Imagina-se que FHC saiba que o país ainda está                longe de uma situação de euforia. Mas o cenário                atual é, talvez, o melhor da década. O economista                José Júlio Senna, ex-diretor do BC e sócio-diretor                da MCM Consultores, acredita que uma das características                mais positivas desta nova fase da economia brasileira é que                o país não está vivendo apenas mais uma bolha                de crescimento que tende a murchar em pouco tempo. Senna considera                essa recuperação tão expressiva que se arrisca                a dizer que o quadro é hoje muito melhor do que era em 1994,                ano em que o país viveu o auge da euforia do Plano Real.                Não se trata apenas de uma estabilidade com dia marcado para                acabar. O Brasil não está em meio a um surto não                sustentado de prosperidade relativa. Os economistas acham que há                indícios fortes o bastante para acreditar que a rota hoje                é mais segura.                 Previsões                para o Natal feitas com algumas semanas de antecedência dificilmente                se frustram. O mesmo não se pode dizer das projeções                de prazo mais longo. Há consenso entre os economistas de                que o Natal de 2000, ao mesmo tempo que culmina um ano bom, mostra                que, pela quantidade de compras a prazo prevista, há confiança                no futuro imediato da economia brasileira. Isso é o que se                pode prever. O imprevisível, no entanto, costuma ser sempre                o fator que estraga a brincadeira. Atualmente, a imprevisibilidade                vem de fora, do cenário econômico externo. Há                incerteza quanto à desaceleração da economia                americana. Quando o gigante anda mais devagar, obrigatoriamente                provoca uma retração na economia mundial. Se a perda                de força da economia dos Estados Unidos for branda, todos                se saem bem, como os passageiros de um Boeing que aterrissa suavemente.                Se for brusca, pode provocar vítimas. A alta do petróleo                também será sempre um fator de intranqüilidade                pelos próximos anos. Mas o pânico e a sensação                de incerteza que rondaram permanentemente a economia brasileira                nos últimos anos estão sob controle. Uma evidência                disso é que, mesmo com a crise argentina e o sobressalto                no mercado americano, no Brasil não se registraram grandes                abalos. Caso a economia mundial não traga nenhum imprevisto                catastrófico, o Natal de 2000 será lembrado como o                começo de um período de recuperação                para o Brasil. Ou, como diz o economista José Júlio                de Senna: "As projeções positivas não estão                amarradas a uma única data. Não será apenas                o melhor Natal dos últimos cinco anos. Será o melhor                Carnaval, a melhor Páscoa...".                             |