O pior e imperdoável crime

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  • quinta-feira, 28 de novembro de 2013
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  • Por Fabiano Santos, no sítio Carta Maior:

    A principal emissora televisiva do país veio a público se desculpar junto a seu público por ter, 50 anos atrás, apoiado a conspiração civil militar que derrubou fora dos preceitos da legalidade o governo brasileiro legitimamente capacitado para exercer o poder no país. O gesto, até certo ponto, surpreendeu, mas não convenceu aos menos ingênuos que redundaria em guinada significativa nos valores e interesses defendidos pela empresa, de resto bastante similares aos apoiados pelas demais grandes corporações de mídia. Sobretudo, não convenceu de que algo mudaria no modo equivocado de se cobrir a política no Brasil e isto por um aspecto sempre presente no noticiário: a criminalização da atividade política, do Legislativo, dos partidos e entre estes, principalmente, o PT.


    Por que a cobertura é essencialmente equivocada? Ora, os brasileiros que agora adentram a meia idade começaram sua vida adulta durante o período militar. Iniciam, portanto, sua socialização política em meio a uma ditadura, regime que resultou de um golpe civil e militar desferido em 1964 contra o governo de João Goulart e as instituições representativas criadas em 1946.

    A crise que antecedeu o evento se explica em boa medida pelo processo de radicalização política a envolver os principais atores da cena brasileira à época. À esquerda, facções no interior de alguns partidos de orientação socialista e trabalhista, sindicatos, estudantes e segmentos minoritários das Forças Armadas confrontavam, à direita, facções no interior de partidos conservadores, empresários, o grosso das Forças Armadas, classes médias e principais órgãos de imprensa.

    Embora afastados quanto a valores, interesses e visões de mundo, algo unia tais contendores: o desprezo pelas instituições da democracia representativa e seu mecanismo principal, o voto popular. À esquerda e à direita, uma visão negativa, profundamente negativa, prevalecia sobre o modo pelo qual operava o sistema político, sobretudo, o Congresso Nacional e os partidos. Instituições, para uns, controladas por elites atrasadas e pontos de veto às reformas necessárias para tornar o país mais justo, para outros, corruptas, clientelistas, responsáveis pela irracionalidade no gasto e nas contas públicas. O golpe, como é sabido, veio e com ampla vantagem para as forças da direita política.

    E, pois bem, qual foi o legado do período ditatorial? No início dos anos 80 do século passado, do ponto de vista político, direitos básicos ainda sofriam severas restrições, como os de livre associação, manifestação, discordância, além da permanência de várias limitações ao exercício do voto. No âmbito macro, Judiciário e Legislativo, estados e municípios, partidos e candidatos se viam praticamente indefesos perante um Executivo federal hipertrofiado e sempre disposto e intervir nas instituições de forma a impedir dinâmicas políticas eventualmente contrárias aos seus desígnios.

    Do ponto de vista econômico, o quadro se compunha de inflação galopante, sempre acima de dois dígitos, extrema vulnerabilidade externa, crises cambiais recorrentes, além de recessão, redução do PIB e aumento do desemprego. Finalmente, do ponto de vista social, exclusão, analfabetismo, desigualdade e pobreza crescentes e um cenário de mobilidade estagnado. Com alguma variação em algum dos diversos indicadores, em um ano ou outro, além de algum ensaio de descompressão aqui e ali, a visão geral de quem acordava para a vida adulta, de fato, nada tinha de alentadora.

    A democracia e o clamor pela restauração das liberdades civis e políticas, pela volta da competição partidária plena e aberta, pelas eleições diretas para todos os cargos de representação e de chefia dos Poderes Executivos em todos os níveis tornaram-se o grande desiderato da geração que hoje inicia sua maturidade. Não apenas a democracia, mas também os resultados esperados do exercício do voto em larga escala, do exercício da crítica, da tolerância, da livre manifestação do pensamento, da resolução pacífica e institucionalizada dos conflitos. A duras penas a transição foi alcançada e realizada.

    Com muito esforço e engenho político se elegeu uma Assembleia Constituinte, se desenhou e promulgou uma nova Constituição. Vitórias e testes importantes foram experimentados pelas instituições recém-criadas, quando, por exemplo, logo após exercer o voto direto para a escolha de seu presidente e a nação se vê compelida a destituir, dentro do marco legal, seu primeiro mandatário escolhido 29 anos após a eleição de Jânio Quadros.

    Algo em torno de 30 anos mais tarde, é possível promover balanço do que se alcançou a partir da transição para a democracia. Qual seria então o legado, também de uma perspectiva ampla, do livre funcionamento das instituições do governo representativo? Por definição, os obstáculos políticos existentes durante a ditadura foram removidos, pois do contrário não estaríamos a falar de legado democrático.

    Do ponto de vista econômico, temos a retomada do crescimento (tendo sido raros os anos de recessão ou declínio), inflação de um dígito faz quase 20 anos, redução drástica da vulnerabilidade externa, aumento consistente do emprego e da renda, sobretudo das camadas mais pobres. Do ponto de vista social, embora ainda longe de se alcançar patamares razoáveis de qualidade, educação e saúde públicas massificadas, redução significativa nos indicadores de pobreza e desigualdade, além de um quadro de crescente mobilidade.

    Vários foram os atores políticos e movimentos sociais que contribuíram para a transposição do regime ditatorial para a democracia. Um, em especial, deve ser mencionado na atual conjuntura política brasileira: o Partido dos Trabalhadores. O papel desempenhado pelo PT, com relativo êxito até o momento, tem sido o de incorporar à vida pública camadas social e economicamente desfavorecidas da população brasileira. Aos olhos da grande mídia brasileira e da elite por ela representada este certamente foi o pior e imperdoável crime cometido pelos que, como José Dirceu e José Genoino, presidiram e ajudaram a criar este poderoso e eficiente instrumento político e eleitoral de inclusão social.
     
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