MÍDIA - Como é a vida dentro de uma redação.

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  • segunda-feira, 18 de novembro de 2013
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    Como é a vida, a censura e a autocensura dentro de uma redação

    by Paulo Nogueira
    Ela não está segurando um rottweiler
    Ela não está segurando um rottweiler
    Leitores gostam de saber como são as entranhas das redações. Muitas vezes, eles têm uma ideia distante da realidade.
    Então vou escrever mais um texto sobre isso, baseado numa troca de tuítes que tive hoje com Barbara Gancia, colunista da Folha e integrante do grupo do programa Saia Justa.
    Barbara disse algo mais ou menos assim: “A pergunta não é por que Dirceu está preso, mas por que Palocci não está.”
    Eu retruquei: “A pergunta é por que a Folha não cobre a sonegação da Globo.”
    Falei isso, mas poderia ter dito centenas de coisas.
    Para lembrar, fiz a mesma pergunta para o editor executivo da Folha, Sérgio Dávila, pelo Facebook. A Globo acabara de admitir, em nota, um problema extraordinário com a Receita Federal, depois que o site Cafezinho publicou documentos vazados que mostravam que a empresa fora flagrada ao trapacear na compra dos direitos de transmissão da Copa de 2002.
    Repito: trapaça. Golpe. A Receita viu que a Globo tentara passar por investimentos no exterior – num paraíso fiscal, aliás – a compra para sonegar o imposto devido.
    A multa da Receita, em dinheiro de 2006, era de 615 milhões de reais. São, apenas para efeitos de comparações, seis Mensalões. Em dinheiro de hoje, seria mais ou menos 1 billhão, ou 10 M, se adotarmos a moeda do mensalão como equivalente a 100 milhões.
    Vi que o UOL fora atrás da Globo e extraíra uma admissão do caso. E perguntei a Dávila se aquilo não era assunto para Folha, “um jornal a serviço do Brasil”.
    Não me lembro o teor de sua resposta precisamente, mas, como bom jornalista, ele reconheceu que sim. Um ou dois dias depois, saiu uma nota na Folha, motivada pela minha pergunta, provavelmente.
    E depois não saiu mais nada. Nem mesmo quando se soube que uma funcionária da Receita fora presa – e liberada por Gilmar Mendes, por coincidência – por tentar destruir fisicamente as evidências da dívida.
    Veja: só a Globo lucrava com a destruição. (Fora, é verdade, a destruidora, que dificilmente estaria agindo por amor irrestrito à família Marinho.)
    Tudo isso não bastou para convencer a Folha – ou a Veja, ou outras mídias amigas – a investigar um caso de enorme interesse nacional.
    Na internet, depois que a Globo alegou ter pagado a dívida, algo que a fonte da Receita negou perempetoriamente, surgiu uma campanha: “Mostra a Darf”. Mostre o recibo, em linguagem corrente.
    A Globo jamais mostrou.
    O que aconteceu? Dávila – que por alguns anos foi colega meu de Abril – provavelmente recebeu um aviso de seu chefe, Frias. Que, muito provavelmente, recebeu um aviso de seus sócios, os Marinhos. (Eles dividem a propriedade do jornal Valor Econômico.)
    É assim que as coisas funcionam, e é por isso que a sociedade tem que abençoar a aparição da internet, como forma de ter acesso a informações que os amigos proprietários das empresas de jornalismo não querem que se tornem públicas.
    Na troca de tuítes de hoje, perguntei a Barbara Gancia por que ela, sendo uma colunista tão destemida, jamais falara no caso.
    E então ela se saiu com essa: “Em 30 anos de coluna JAMAIS fui censurada.”
    Pausa para rir.
    Jamais é censurado quem jamais escreve alguma coisa que incomode o patrão. No próprio Twitter, alguém fez a analogia: “Reinaldo Azevedo diz que jamais foi censurado na Veja. É porque ele jamais escreveu algo que os Civitas não queriam que fosse escrito.”
    Disse a Barbara que sabia como eram as coisas, uma vez que trabalhara anos na Abril e na Globo. “Deve ter sido no almoxarifado”, disse ela.
    Bem, no almoxarifado que me coube como diretor de redação da Exame, nos anos 1990, encomendei a um excelente repórter, José Fucs, uma capa sobre os Safras.
    Era uma capa estritamente jornalística. Falava dos bastidores de um dos bancos mais falados – para o bem ou para o mal – do mundo.
    Fucs realizou um trabalho brilhante. Entrevistou, ao longo de meses, dezenas de executivos e ex-executivos do Safra.
    A matéria já estava pronta para ir para a gráfica quando Roberto Civita pediu para lê-la. Era algo que ele nunca fazia, na Exame.
    O texto jamais retornou. Os Safras eram credores da Abril, e um deles ligou para Roberto Civita pedindo que a matéria não saísse.
    Não saiu.
    Na Globo, onde trabalhei no almoxarifado da diretoria editorial das revistas, encomendei certa vez uma matéria sobre Jorge Paulo Lemann para a revista Época Negócios.
    O repórter estava fazendo as entrevistas quando João Roberto Marinho, que cuida da parte editorial das Organizações Globo, me procurou. Ele recebera um telefonema de Lemann, que queria garantias de que a reportagem seria positiva.
    É assim que funcionam as coisas nas empresas de mídia. Você só não é censurado quando não escreve nada que incomode.
    Barbara Gancia terminou a conversa avisando que iria fazer massagem. Me acusou, antes, de ser “esquerdista radical”.
    Fora Olavo de Carvalho e Reinaldo Azevedo, e agora Barbara Gancia, ninguém me chamou de “esquerdista radical” em minha carreira.
    Sou radical na defesa de um Brasil Escandinavo, sabem os que me conhecem. Mas vinda a acusação de onde vem, tomo-a com alegria: estou combatendo o bom combate.
     
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