Três Poemas de César Vallejo

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  • domingo, 29 de setembro de 2013
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  • UM HOMEM PASSA COM UM PÃO AO OMBRO

    Um homem passa com um pão ao ombro
    - Vou escrever, depois, sobre o meu duplo?

    Outro senta-se, coça-se, tira um piolho do sovaco, mata-o
    - Com que desplante falar da Psicanálise?

    Outro entrou em meu peito com um pau na mão
    - Falar, em seguida, de Sócrates ao médico?

    Um coxo passa dando o braço a um menino
    - Vou, depois, ler André Breton?

    Outro treme de frio, tosse, cospe sangue
    - Convirá não aludir jamais ao Eu profundo?

    Outro busca no lodo ossos e cascas
    - Como escrever, depois, sobre o infinito?

    Um pedreiro cai de um telhado, morre, já não almoça
    - Inovar, em seguida, a metáfora, o tropo?

    Um comerciante rouba um grama no peso a um freguês
    - Falar, depois, da quarta dimensão?

    Um banqueiro falsifica o seu balanço
    - Com que cara chorar no teatro?

    Um pária dorme com um pé às costas
    - Falar, depois, a ninguém de Picasso?

    Alguém vai num enterro a soluçar
    - Como em seguida ingressar na Academia?

    Alguém limpa uma espingarda na cozinha
    - Com que desplante falar do mais além?

    Alguém passa a contar pelos dedos
    - Como falar do não-eu sem dar um grito?

    ***

    XIII (Trilce)

    Penso em teu sexo.
    Reduzido o coração, penso em teu sexo
    diante do raiar maduro do dia.
    Digito o botão da felicidade, está preparado.
    E desaparece o sentimento antigo
    degenerando com prudência.

    Penso em teu sexo, o sulco mais fecundo
    e harmonioso que o ventre da Sombra,
    embora a Morte possa conceber e gerar
    o próprio Deus.

    Oh Consciência
    penso, sim, no animal livre
    que copula onde quer, onde pode.

    Oh , escândalo de mel dos crepúsculos
    oh estrondo mudo

    odumodnortse!

    ***

    PEDRA NEGRA SOBRE PEDRA BRANCA

    Morrerei em Paris com aguaceiros
    num dia de que já tenho a lembrança.
    Morrerei em Paris - daqui não saio -
    numa quinta-feira, como hoje, de outono.

    Quinta-feira será, pois hoje, quinta-feira,
    em que estes versos proso, dei os úmeros
    à pouca sorte, e nunca como hoje
    voltei,com todo o meu caminho, a ver-me só.

    Morreu César Vallejo, espancavam-no
    todos sem que lhes fizesse nada;
    davam-lhe forte com um pau e forte

    com uma corda também; são testemunhos
    as quintas-feiras e os ossos úmeros,
    a solidão, os caminhos, a chuva...

    ***

    *César Vallejo (Caesar Abraham Vallejo)  nasceu em 16 de Março de 1892, em Santiago de Chuco, Perú. Morreu em 15 de Abril de 1938 em Paris, França.

    **Tradução: Jorge Henrique Bastos
     
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