UM HOMEM PASSA COM UM PÃO AO OMBRO
Um homem passa com um pão ao ombro
- Vou escrever, depois, sobre o meu duplo?
Outro senta-se, coça-se, tira um piolho do sovaco, mata-o
- Com que desplante falar da Psicanálise?
Outro entrou em meu peito com um pau na mão
- Falar, em seguida, de Sócrates ao médico?
Um coxo passa dando o braço a um menino
- Vou, depois, ler André Breton?
Outro treme de frio, tosse, cospe sangue
- Convirá não aludir jamais ao Eu profundo?
Outro busca no lodo ossos e cascas
- Como escrever, depois, sobre o infinito?
Um pedreiro cai de um telhado, morre, já não almoça
- Inovar, em seguida, a metáfora, o tropo?
Um comerciante rouba um grama no peso a um freguês
- Falar, depois, da quarta dimensão?
Um banqueiro falsifica o seu balanço
- Com que cara chorar no teatro?
Um pária dorme com um pé às costas
- Falar, depois, a ninguém de Picasso?
Alguém vai num enterro a soluçar
- Como em seguida ingressar na Academia?
Alguém limpa uma espingarda na cozinha
- Com que desplante falar do mais além?
Alguém passa a contar pelos dedos
- Como falar do não-eu sem dar um grito?
***
XIII (Trilce)
Penso em teu sexo.
Reduzido o coração, penso em teu sexo
diante do raiar maduro do dia.
Digito o botão da felicidade, está preparado.
E desaparece o sentimento antigo
degenerando com prudência.
Penso em teu sexo, o sulco mais fecundo
e harmonioso que o ventre da Sombra,
embora a Morte possa conceber e gerar
o próprio Deus.
Oh Consciência
penso, sim, no animal livre
que copula onde quer, onde pode.
Oh , escândalo de mel dos crepúsculos
oh estrondo mudo
odumodnortse!
***
PEDRA NEGRA SOBRE PEDRA BRANCA
Morrerei em Paris com aguaceiros
num dia de que já tenho a lembrança.
Morrerei em Paris - daqui não saio -
numa quinta-feira, como hoje, de outono.
Quinta-feira será, pois hoje, quinta-feira,
em que estes versos proso, dei os úmeros
à pouca sorte, e nunca como hoje
voltei,com todo o meu caminho, a ver-me só.
Morreu César Vallejo, espancavam-no
todos sem que lhes fizesse nada;
davam-lhe forte com um pau e forte
com uma corda também; são testemunhos
as quintas-feiras e os ossos úmeros,
a solidão, os caminhos, a chuva...
***
*César Vallejo (Caesar Abraham Vallejo) nasceu em 16 de Março de 1892, em Santiago de Chuco, Perú. Morreu em 15 de Abril de 1938 em Paris, França.
**Tradução: Jorge Henrique Bastos
**Tradução: Jorge Henrique Bastos