Aqui estou, Sr. Inverno!

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  • terça-feira, 23 de julho de 2013
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  • Aqui estou, Sr. Inverno!

    "sou veterano de cem vigílias,
    sou tapejara de mil insônias"

               Aureliano de Figueiredo Pinto*

    Já sei que chegas, Inverno velho!
    Já sei que trazes - bárbaro! O frio
    e as longas chuvas sobre os beirais.
    Começo a olhar-me, como em espelho,
    nos meus recuerdos... Olho e sorrio
    como sorriram meus ancestrais.

    Sei que vens vindo... Não me amedrontas!
    Fiz provisões de sábias quietudes
    e de silêncios - que prevenido!
    Vão-se-me os olhos nas folhas tontas
    como simbólicos ataúdes
    rolando ao nada do teu olvido.

    Aqui me encontras... Nunca deserto
    do uivo dos ventos e das matilhas
    de angústias vindo sem parcimônias.
    Chega ao meu rancho que estou desperto:
    - sou veterano de cem vigílias,
    sou tapejara de mil insônias.

    Aqui estarei... Na erma hora morta,
    junto da lâmpada, com que sonho,
    não temo estilhas de funda ou arco.
    Tuas maretas de porta em porta,
    os teus furores de trom medonho
    não trazem pânico ao bravo barco.

    Na caravela ou sobre a alvadia
    terra do pampa - cerros e ondas
    meu tino e rumo não mudarão.
    No alto da torre que o mar vigia,
    ou, sem querência, por longas rondas,
    não me estrangulas de solidão.

    Tua estratégia de assalto e espera
    conheço-a muito, fina e feroz:
    de neve matas; matas de mágoa;
    derramas nalma um frio de tapera;
    nanas ausências a meia voz
    e os olhos turvos de rasos d'água.

    Comigo, nunca... Se estou blindado!
    Resisto assédios, que bem conduzes,
    no legendário fortim roqueiro.
    Brama as tuas fúrias de alucinado!
    - Fico mais calmo que as velhas cruzes
    braços abertos para o pampeiro.

    Os meus fantasmas bem sei que animas
    para, num pranto de vãs memórias,
    virem num coro de procissão
    trazer-me o embalo de velhas rimas.
    - À intimidade dessas histórias
    tenho aço e bronze no coração.

    Então soluças pelas janelas,
    gemes e imprecas pelos oitões,
    galopas louco sobre as rajadas,
    possesso, ululas entre procelas.
    E ébrio, nas noites destes rincões
    lampejas brilhos de punhaladas.

    Inútil tudo! Vê que estou firme.
    Nenhum receio me turba o aspeto,
    nenhuma sombra me nubla o olhar.
    Contigo sempre conto medir-me
    frio, impassível, bravo e correto
    como um guerreiro que ia a ultramar.

    Reconciliemo-nos, velho Inverno!
    Nem és tão rude! Tão frio não sou...
    Venha um abraço muito fraterno.

    Olha...
    Esta lágrima que rolou
    não a repares...
    É de homenagem
    a alguém que aos céus se fez de viagem,
    e nunca... nunca! Nunca mais voltou...
    ...

    *Aureliano de Figueiredo Pinto foi, sem sobra de dúvida,  o expoente maior da poesia regionalista gaúcha. Médico, poeta e romancista nascido em Tupanciretã/RS, era santiaguense por adoção - e 'de coração'. 

    **Poema postado originalmente neste Blog em 31/05/2008.
     
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