Dois artigos importantíssimos e um pitaco meu sobre as manifestações, agora assumidamente fascistas e golpistas

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  • sexta-feira, 21 de junho de 2013
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  • Os dois artigos do título foram escritos, um, pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos; outro, pelo codiretor do Centro de Pesquisas Econômicas e Políticas, em Washington, e presidente da Just Foreign Policy, Mark Weisbrot.

    Meu pitaco os une e acrescenta às informações contidas neles a catástrofe das Comunicações do governo Dilma, tanto por parte do Ministério das Comunicações, comandado por Paulo Bernardo, como da Secom, sob comando de Helena Chagas.

    O artigo de Boaventura denuncia opções equivocadas do governo Dilma. O de Weisbrot, a mão estadunidense sobre os países que se "atreveram" (é a visão deles) a praticar uma política de parceria, mas independente dos EUA. O meu pitaco é que a condução equivocada (para usar um eufemismo) dois dois ministros, ajudou a criar o campo para as manifestações que incendeiam o país.

    Mas, o que dizem os tais artigos?

    Weisbrot:

    Acontecimentos recentes indicam que a administração Obama intensificou sua estratégia de "mudança de regime" contra os governos latino-americanos à esquerda do centro, promovendo conflito de maneiras que não eram vistas desde o golpe militar apoiado pelos EUA na Venezuela em 2002.

    (...) Está claro agora que o afastamento do presidente paraguaio Fernando Lugo, no ano passado, também teve a aprovação e o apoio do governo dos Estados Unidos.

    Num trabalho investigativo brilhante para a agência Pública, a jornalista Natalia Viana mostrou que a administração Obama financiou os principais atores do chamado "golpe parlamentar" contra Lugo. Em seguida, Washington ajudou a organizar apoio internacional ao golpe.

    O papel exercido pelos EUA no Paraguai é semelhante a seu papel na derrubada militar, em 2009, do presidente democraticamente eleito de Honduras, Manuel Zelaya, caso no qual Washington dominou a Organização de Estados Americanos e a utilizou para combater os esforços de governos sul-americanos que visavam restaurar a democracia.

    (...) Está claro que os EUA não viram o levemente reformista Fernando Lugo como um elemento ameaçador ou radical. O problema era apenas sua proximidade excessiva com os outros governos de esquerda.

    Como a administração Bush, a administração Obama não aceita que a região mudou. Seu objetivo é afastar os governos de esquerda, em parte porque tendem a ser mais independentes de Washington. Também o Brasil precisa se manter vigilante diante dessa ameaça à região.[Leia o texto na íntegra aqui]


    O de Boaventura de Sousa Campos vou postar na íntregra, pois é muito rico e aberto a debates, e está publicado originalmente em espanhol, que me atrevi a passar para o português:

    Com a eleição da presidente Dilma Rousseff, o Brasil queria acelerar os esforços para se tornar uma potência global. Muitas das iniciativas nessa direção vieram de trás, mas receberam um novo impulso: Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, a Rio +20 de 2012, Copa do Mundo em 2014, Jogos Olímpicos de 2016, a luta por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, papel ativo no crescente protagonismo das "economias emergentes", os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a nomeação de José Graziano da Silva como presidente da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em 2012, e Roberto Azevedo como diretor geral da Organização Mundial do Comércio em 2013, uma política agressiva de exploração de recursos naturais, tanto no Brasil como na África, especialmente em Moçambique, a construção da grande agricultura industrial, especialmente para produção de soja, biocombustíveis e pecuária.

    Beneficiado por uma boa imagem pública internacionalmente granjeada pelo presidente Lula e por suas políticas de inclusão social, este Brasil desenvolvimentista se impõe ao mundo como uma potência de novo tipo, benevolente e inclusivo.  

    Não poderia, portanto, ser maior a surpresa internacional ante as manifestações que na última semana levaram às ruas centenas de milhares de pessoas nas principais cidades do país. 

    Se, antes, nas recentes manifestações na Turquia a leitura de "duas Turquias" foi imediata, no caso do Brasil era mais difícil reconhecer a existência de "dois Brasis". Mas ele está aí, aos olhos de todos.  

    A dificuldade para reconhecê-lo reside na própria natureza do "outro Brasil", furtiva a análises simplistas. Esse Brasil é feito de três narrativas e temporalidades. 

    A primeira é a narrativa da exclusão social (um dos países mais desiguais do mundo), das oligarquias latifundiárias, do caciquismo violento, das elites políticas restritas e racistas, uma narrativa que se remonta à colônia e que se reproduziu de formas mutantes até os dias de hoje. 

    A segunda narrativa é a da reivindicação da democracia participativa, que se remonta aos últimos 25 anos e teve seu ponto culminante no processo Constituinte que levou à Constituição de 1988, nos pressupostos participativos sobre políticas urbanas em centenas de municípios e no impeachment do presidente Collor de Mello em 1992, na criação dos conselhos de cidadãos nas principais áreas de políticas públicas, especialmente na saúde e na educação, a diferentes níveis de ação estatal (municipal, estadual, federal).

    A terceira narrativa tem apenas 10 anos de idade e trata das vastas políticas de inclusão social adotadas pelo presidente Lula da Silva, a partir de 2003, que conduziram a uma significativa redução da pobreza, à criação de uma classe média com elevada vocação consumista, ao reconhecimento da descriminação racial contra a população afrodescendente e indígena e às políticas de ação afirmativa, e ao reconhecimento de territórios e quilombolas (descendentes de escravos) e indígenas.


    O que aconteceu desde que a presidenta Dilma assumiu o cargo foi a desaceleração, até mesmo a estagnação das duas últimas narrativas. E como em política não existe vazio, esse terreno baldio que deixaram foi aproveitado pela primeira e mais antiga narrativa, fortalecida sob as novas roupagens do desenvolvimento capitalista e as novas (e velhas) formas de corrupção.

    As formas de democracia participativa foram cooptadas, neutralizadas no domínio das grandes infraestruturas e megaprojetos, e deixam de motivar às gerações mais jovens, órfãs de vida familiar e comunitária integradora, deslumbradas por um novo consumismo ou obcecadas por esse desejo.

    As políticas de inclusão social se esgotaram e deixaram de responder às expectativas de quem se sentia merecedor de mais e melhor. A qualidade de vida urbana piorou, em nome dos eventos de prestígio internacional, que absorveram os investimentos que deviam melhorar os transportes, a educação e os serviços públicos em geral. O racismo mostrou sua persistência no tecido social e nas forças policiais. Aumentou o assassinato de líderes indígenas e camponeses, demonizados pelo poder político como "obstáculos ao crescimento", simplesmente por lutar por suas terras e formas de vida, contra o agronegócio e os megaprojetos de mineração e hidrelétricos (como Belo Monte, destinada a abastecer de energia barata a indústria extrativa).

    A presidenta Dilma foi o termômetro dessa mudança insidiosa. Assumiu uma atitude de hostilidade indissimulável ante os movimentos sociais e os povos indígenas, uma mudança drástica em relação a seu antecessor. Lutou contra a corrupção, mas deixou para os aliados políticos mais conservadores as agendas que considerou menos importantes. Assim, a Comissão de Direitos Humanos, historicamente comprometida com os direitos das minorias, foi entregue a um pastor evangélico homofóbico. [Observação do Mello: essas são posições equivocadas do grande sociólogo. Em minha opinião, a comunicação errada do governo [ou a falta de comunicação, aliada à injeção de dinheiro e de incentivos à mídia corporativa que pôs o governo Dilma sob ataque, com o dinheiro do governo] não levou à população os feitos positivos e deixou correr sem resposta os ataques, nem sempre verdadeiros, que lhe foram feitos. E quanto à escolha de Marco Feliciano, foi uma decisão da Câmara dos Deputados, não da presidenta].

    As atuais manifestações revelam que, longe de ter sido o país que despertou, foi a presidenta que o fez. Com os olhos postos na experiência internacional e também nas eleições presidenciais de 2014, a presidenta Dilma deixou claro que as respostas repressivas só agudizam os conflitos e isolam os governos. Nesse sentido, os prefeitos de nove capitais já decidiram baixar os preços dos transportes. É apenas um começo.

    Para que seja consistente, é necessário que as duas narrativas (democracia participativa e inclusão social intercultural) retomem o dinamismo que já tiveram.

    Se for assim, o Brasil mostrará ao mundo que só vale a pena pagar o preço do progresso aprofundando a democracia, redistribuindo a riqueza gerada e reconhecendo a diferença cultural e política daqueles que consideram que o progresso sem dignidade é retrocesso.

    Os dois artigos são belos pontos de partida para debates sobre o momento atual do país. Mas, continuo a bater na tecla de que a maior guerra existente no mundo hoje é a da Comunicação. Nesse quesito, o governo da presidenta Dilma é um desastre. Ela já está pagando agora o preço disso. Espero que nós, a Nação, não venhamos a pagá-lo com um golpe há tanto tempo anunciado.

     
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