Quão maior estaria o Brasil se cada um fizesse sua parte, o prefeito prefeitasse, o governador governasse, o bombeiro bombeirasse, o investigador investigasse, o promotor denunciasse, o jornalista reportasse, o médico cuidasse; se cada um de nós nos uníssemos com o simples, objetivo e claro propósito de fazermos pelo menos a parte que nos cabe nesse latifúndio e investíssemos parte de nosso tempo em auxiliar os que têm menos que nós (dinheiro, capacidade, inteligência, saúde).
Meu lado crítico (ou cínico) me diz que isso é impossível, estamos enredados na rede de maya do capitalismo, com suas necessidades artificiais de consumo, com seu irresistível apelo ao egoísmo, ao individualismo.
Mesmo assim algo em mim diz que devo escrever o que estou escrevendo, defender que façamos ao menos nossa parte, ajudemos ao menos os mais próximos.
Sei lá, mas acho que tudo isso me veio da releitura do Poema das Sete Faces de Carlos Drummond de Andrade:
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche
na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de
mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos
desejos.
O bonde passa cheio de
pernas:
pernas brancas pretas
amarelas.
Para que tanta perna, meu
Deus, pergunta meu
coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e
do bigode.
Meu Deus, por que me
abandonaste
se sabias que eu não era
Deus,
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse
Raimundo
seria uma rima, não seria
uma solução.
Mundo mundo vasto
mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido
como o diabo.