Corte decide que presidente continua no cargo sem posse e por tempo indeterminado
Oposição que queria decretação de ausência temporária, denuncia insconstitucionalidade da medida;
Vice Maduro diz ter falado com Dilma e recebido respaldo, confirmado por fontes do governo brasileiro
Governo sem fim
Corte endossa tese de que posse é formalismo e decide que Chávez continua no cargo
Mariana Timóteo da Costa
VENEZUELA EM VIGÍLIA
CARACAS - No que opositores e especialistas classificaram como uma grave ruptura que mergulhou a Venezuela numa crise institucional, o órgão máximo do Judiciário, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), decidiu ontem ignorar a data da posse do novo mandato do presidente Hugo Chávez, marcada para hoje segundo a Constituição do país. A corte, dominada por magistrados alinhados ao chavismo, encampou o argumento do governo, já avalizado na véspera pela Assembleia Nacional, de que, como Chávez é um presidente reeleito, a posse para o novo mandato é um mero "formalismo". Com isso, autorizou a permanência no comando do país, por período indeterminado, do vice-presidente Nicolás Maduro - que não foi eleito, mas nomeado por Chávez e apontado pelo líder como sucessor antes de sua viagem para Cuba para a quarta cirurgia contra o câncer.
Enquanto opositores se revoltavam e afirmavam que vão apelar à Organização dos Estados Americanos (OEA) e ao Mercosul, o governo marcou para hoje uma festa simbólica nas ruas em apoio a Chávez, que contará com a presença dos presidentes do Uruguai (José Mujica), da Bolívia (Evo Morales) e da Nicarágua (Daniel Ortega). O Brasil não enviará representante, mas, segundo Maduro, a presidente Dilma Rousseff manifestou ontem apoio à decisão da Justiça venezuelana.
- Há duas horas tivemos uma conversa com Dilma Rousseff, do Brasil. Ela ratificou toda sua confiança, depois de conhecer a decisão do TSJ, no desenvolvimento da democracia venezuelana. Agradecemos as palavras generosas desta grande companheira do presidente Chávez, como ela mesma se refere. Há verdadeiros sentimentos de amor e solidariedade profunda.
Milhares de pessoas são esperadas para apoiar o chavismo em frente ao Palácio de Miraflores, sede do governo. O presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, a quem caberia governar interinamente o país - por um período máximo de 180 dias - caso o TSJ entendesse que era necessário decretar a ausência temporária de Chávez, adotou um tom de confrontação ao convocar os venezuelanos para a marcha de hoje.
- A oposição não nos mete medo. Façamos o que faria Chávez, joelho em terra, fuzil no ombro e baioneta em punho para defender a revolução dos traidores. Se eles querem ver um povo excitado nas ruas, vão vê-lo defendendo a revolução - disse Cabello, que ainda pediu que a Comissão Nacional de Telecomunicações inicie uma investigação contra o canal privado Globovisión por suposta manipulação na cobertura.
Analistas criticam a decisão
A presidente do TSJ disse não ver necessidade da convocação de uma junta médica para avaliar a saúde de Chávez nem da decretação de ausência temporária, já que a Assembleia Nacional autorizou que o presidente viajasse para Cuba para o tratamento. O governo venezuelano diz que o presidente sofre de uma infecção pulmonar decorrente da operação, realizada em 11 de dezembro, o que o impossibilita de viajar a Caracas para tomar a posse. Desde a cirurgia, não foram divulgadas imagens de Chávez.
Para constitucionalistas e cientistas políticos, o que ocorreu ontem deixou a Venezuela "sem um governo legítimo a partir de hoje", como definiu a ex-presidente do TSJ Cecilia Sousa. Ela explicou que, ao definir o dia 10 de janeiro como data do início de um novo governo, a Constituição determina que um novo vice-presidente deve ser nomeado, assim como os ministros.
- Se esta situação de desgoverno persistir, os países deveriam dificultar para Maduro ser reconhecido internacionalmente como chefe de Estado da Venezuela - disse a ex-magistrada.
O governador de Miranda e candidato da oposição derrotado por Chávez na última eleição, Henrique Capriles, reagiu com indignação ao fato de a Corte "ter resolvido decidir os problemas do governo". Criticando a paralisia do chavismo, disse que acabaram as desculpas para a inação e que, Maduro, mesmo sem ter sido eleito, precisa dar respostas a problemas que afetam os venezuelanos, como a insegurança. Ele reiterou que não incentivará o embate entre aliados e opositores do chavismo nas ruas hoje.
- Não vamos colocar o povo para se confrontar com o povo, não creiam que é um sinal de fraqueza, mas de responsabilidade -disse.
A analista política Elza Cardoso diz que a oposição enfrenta uma situação muito difícil, "já que o chavismo foi sequestrando todos os poderes do país ao longo dos anos, o que faz com que toda decisão tenha um manto de legalidade".
- O que a oposição precisa é se unir e não aceitar as provocações, não entrar em confronto físico e sim de ideias. Uma nova eleição pode demorar, mas vai acontecer se Chávez continuar tão doente assim. Um país precisa de um presidente - diz Elza.
Fonte: O Globo