O GOVERNO PRECISA DAR À CRISE O SEU [VERDADEIRO] NOME

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  • sábado, 5 de janeiro de 2013
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  • Por Saul Leblon

     “A mídia tanto insiste em confundir que, às vezes, até setores progressistas parecem acreditar.

    Mas é preciso ficar claro: o nome da crise é capitalismo e não esquerda; não PT - ou governo Dilma, como quer o jogral embarcado nas virtudes dos livres mercados, os mesmos que jogaram o planeta no pântano atual.

    A esquerda tem sua penitência a pagar nesse banco de areia movediça. Mas uma coisa é diferente da outra.

    O conservadorismo não tem agenda propositiva a oferecer, exceto regressão à matriz do desmazelo atual.

    A esquerda ainda lambe feridas, espana a rendição neoliberal que acometeu -ainda acomete - segmentos e lideranças importantes de suas fileiras, aqui e alhures.

    Mal ou bem, no entanto, ensaia um debate sobre a alternativa à desordem capitalista.

    Deve acelerar o passo porque a história apertou o seu: a restauração conservadora avança no vácuo progressista.

    A preparação do V Congresso do PT, que acontecerá em 2014, é a oportunidade para que isso ocorra no Brasil de forma organizada. Com convidados de dentro e de fora do partido. De dentro e de fora do país. E cobertura maciça da mídia alternativa, a contrastar o bombardeio de veículos sempre alinhados “às boas causas democráticas”.

    O conservadorismo aposta no imobilismo progressista.

    Seu futuro nutre-se da expectativa de erros, omissões e hesitações que a esquerda e o governo possam cometer na travessia do passo seguinte da história.

    É esse o combustível da histeria udenista encampada pelas togas.

    Não é outro o motor do terrorismo econômico midiático.

    A pauta deste ano ano pré-eleitoral é a tese de que vai dar tudo errado na macroeconomia do governo Dilma.

    O tambor ecoa sem parar.

    "O Brasil é um fracasso. Bom é o México", com presidentes saídos diretamente de uma engarrafadora de Coca-Cola, a prometer mais e mais reformas amigáveis.

    A mídia “isenta” ergue palanques feitos de semi-informação.

    Na desastrada década do PT, o Brasil elevou sua participação no PIB da América Latina de 26,8% , em 2001, para 46,6% em 2010. Recorde em 20 anos.

    A participação mexicana no PIB regional regrediu o equivalente a 13 pontos no período. Ficou em 21,5% no ano passado.

    Governos coca-cola aniquilaram direitos trabalhistas dos mexicanos, enquanto, no Brasil de Lula, o valor real do salário mínimo saltou 70% na década.

    "Bom é o México". O malabarismo às vezes desconcerta.

    Na 5ª feira, na “Folha”, Clóvis Rossi lamentou, justamente quando Chávez está à beira da morte, seu legado econômico e social faz da Venezuela o país menos desigual de sua história.

    Assim: "Para azar da Venezuela, o agravamento do estado de saúde do presidente coincide com o melhor momento da economia em todo o reinado de Chávez: a redução da pobreza, marca indiscutível do período, se acentuou no ano passado. São pobres, agora, 21,2%, queda de cinco pontos sobre os 26,5% de 2011; a inflação, um dos fracassos do chavismo, caiu de 27,6% em 2011 para 19,9%; o rendimento real dos assalariados, já descontada a obscena inflação, subiu 3,1% no ano passado; 4 milhões de empregos foram criados nos anos Chávez, reduzindo o desemprego a 6% em 2012".

    É constrangedor.

    No Brasil, o governo do PT -- sua 'ingerência estatal, a gastança populista'-- recebe o mesmo carimbo de estorvo.

    Ele, não a desordem neoliberal; o PT, não o legado de um capitalismo indigente. Não o miserê estrutural que precisou do Bolsa Família para levar comida a 50 milhões de pessoas.

    Quando o governo acerta, o veredito midiático é peremptório: é só um hiato entre dois fracassos.

    Segue-se a lógica adversativa do meteorologista charlatão: o tempo está firme, mas só porque ainda não choveu. E vice-versa.

    O Brasil precisa decidir se quer ser o México ou a Venezuela, diz o bordão do jornalismo de economia, que está para as redações assim como a coleira para o cachorro.

    Tradicionalmente, ele pauta os latidos da turma que tange o debate nacional no diapasão da eficiência plutocrática.

    A mesma endogamia levou o país três vezes ao FMI nos anos 90; quebrou a espinha da indústria com uma abertura selvagem; rifou o contrapeso estatal vendendo empresas públicas estratégicas; criou um Estado mínimo a machadada, poupando a raspa do tacho disfuncional. Colosso devidamente elogiado e festejado pelos que hoje festejam o México e abjuram a macroeconomia de Dilma.

    O governo tem muito a ganhar se as forças progressistas afrontarem os uivos dessa matilha.

    Acerta a presidência do PT, por exemplo, quando Rui Falcão identifica no monopólio midiático um torniquete a obstruir o debate emancipador do desenvolvimento.

    Erram os progressistas e o governo ao não nominarem as variáveis políticas em jogo na disputa pela agenda macroeconômica.

    A cizania ideológica tem sido respondida por Brasília de forma frequentemente tecnocrática, gaguejante, quase envergonhada.

    Atrasos enervantes nos cronogramas dos grandes projetos de infraestrutura constituem o principal lubrificante da sirene ortodoxa.

    Por que o governo não encampa e aprofunda a radiografia sobre as causas da 'ineficiência estatal'?

    Nos anos 90, o Estado brasileiro foi redesenhado e calcificado institucionalmente. Um antiLeviatã feito não funcionar.

    Dissolveu-se a iniciativa pública do desenvolvimento num cipoal de interditos, terceirizações, decepações e renúncias.

    Tudo feito para contemplar o preconceito conservador, desconsiderando-se as urgências sociais e as responsabilidades com a infraestrutura.

    A mídia conservadora quer manter as coisas assim, como um argumento pronto contra o comando estatal da economia.

    A presidenta Dilma incorporou a chave da eficiência às prioridades do seu governo. Com razão: é obrigação progressista zelar pela cuidadosa aplicação dos fundos públicos.

    Errou e erra, todavia, ao não afrontar o subtexto do Estado mínimo que, de fato, perpassa a gororoba ideológica construída em torno da lingerie mais reluzente do conservadorismo: o fetiche da 'gestão'.

    Ao não distinguir uma coisa de outra, corre o risco de endossar a tese que pretende equacionar a desordem atual com poções adicionais do veneno que a originou.

    O colapso neoliberal trouxe para o colo do governo uma crise da qual a Nação é vítima e não sócia; as forças progressistas são adversárias, não parceiras.

    Confunde a opinião pública endossar falsas convergências redentoras, a exemplo da gestão, quando o que emperra, de fato, é a luta de sabre para ordenar a fatura da crise e instaurar a nova dinâmica de crescimento.

    Obama patina não porque inexistam alternativas. Mas porque o dinheiro grosso acantonado no Congresso barra a taxação substantiva das grandes fortunas. E compensa a mingua fiscal com arrocho no gasto público -exceto o complexo industrial-militar.

    A Europa esfarela porque os bancos se entupiram de lucros no ciclo de alta do crédito irresponsável.

    Quebraram. Agora, são alimentados pela sonda pública, exaurindo a ação contracíclica do Estado e a engrenagem lubrificada pelo crédito e o financiamento.

    Dar nome aos bois não é principismo ideológico dos 'esquerdistas' do PT.

    Está em jogo dilatar ou não a margem de manobra do Estado brasileiro para contrastar a estagnação mundial do capitalismo.

    O peso material das idéias não deve ser confundido com proselitismo.

    Quando minimiza a importância da mídia progressista, asfixia blogs e sites negando-lhes o direito legítimo à publicidade estatal de utilidade pública --descarregada maciçamente no dispositivo conservador-- o governo dá mostras de não entender essa diferença.

    Para um governo progressista é quase um suicídio.

    Não por acaso, os que apostam no fracasso macroeconômico como palanque contra Dilma, em 2014, querem fazer da 'gestão' o escudo redentor do Brasil contra a crise.

    Desenvolvimento é transformação; é coordenar recursos,expectativas e energias em direção a objetivos prioritários.

    A crise da ordem neoliberal desmentiu a conversa mole da proficiência dos mercados desregulados na alocação dos recursos, ao menor custo e com a máxima eficiência.

    Saldo: o mundo caminha para o sexto ano da crise mais grave do capitalismo desde 1929. O investimento privado patina no Brasil.

    A superação do impasse só virá se e quando o Estado detiver maior poder de comando para enquadrar e destravar o papel indutor do crédito e do investimento capitalista.

    Os bancos detêm essa prerrogativa na economia de mercado. Mas negam fogo na hora do aperto e desviam seus canhões contra quem tenta induzi-los.

    Não se vence um embate dessa natureza com o acesso à opinião pública obstruído pelo monopólio midiático.

    Essa reflexão, suas consequências práticas, continua ausente da agenda da Presidência da República a cada manhã.

    É um contra-senso.

    Se o próprio governo hesita em ocupar o horizonte de longo prazo, que a mídia alardeia como temerário, por que o investimento privado se arriscaria?”

    FONTE: escrito por Saul Leblon no seu “Blog das Frases”, no site “Carta Maior” (http://cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1166).
     
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