LANÇAMENTOS DA BASE DE ALCÂNTARA EM XEQUE

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  • terça-feira, 8 de janeiro de 2013
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  • PROJETO DE MEIO BILHÃO DE REAIS PARA LANÇAMENTO COMERCIAL DE SATÉLITES ESTÁ EM XEQUE

    COM SUCESSIVOS ADIAMENTOS, MERCADO SE FECHA AO PROGRAMA DE PARCERIA COM A UCRÂNIA

    Por Roberto Maltchik, do “O Globo”

    “Depois de irrigar com R$ 391,5 milhões, ao longo dos últimos seis anos, o mais audacioso projeto de lançamento comercial de satélites em solo brasileiro, o governo federal concluiu que é elevado o risco de o negócio simplesmente não se viabilizar e, agora, busca uma saída “estratégica” para justificar o investimento. Além do descompasso orçamentário, a ausência de um acordo tecnológico com os Estados Unidos, a inexistência de data de lançamento e a administração errática da Alcântara Cyclone Space (ACS) no governo Lula levaram o empreendimento — cujo investimento mínimo, para cada país, alcançará R$ 500 milhões — a um ponto crítico, que obrigou o Palácio do Planalto a revisar silenciosamente seu objetivo.

    Tratado assinado entre Brasil e Ucrânia, em 2006, previa objetivamente que a ACS seria criada para que o Brasil entrasse no restrito e altamente qualificado mercado internacional de lançamento de satélites, que renderia aos dois países US$ 50 milhões, por lançamento. Seis anos depois, o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) informa que a “transferência de tecnologia”, integrada à construção do Centro Espacial de Alcântara (MA), em área cedida pela Aeronáutica, “por si só, justifica o investimento”. Ocorre que o tratado que criou a binacional, aprovado pelos Parlamentos ucraniano e brasileiro, não prevê transferência tecnológica.

    A Alcântara Cyclone Space tem por missão o desenvolvimento do Sítio de Lançamento do veículo lançador Cyclone-4 no Centro de Lançamento de Alcântara e a execução, a partir do mesmo sítio, de lançamentos comerciais, bem como aqueles de interesse da República Federativa do Brasil ou da Ucrânia”, diz, textualmente, o enunciado da “missão” da Alcântara Cyclone Space, disponível no site da empresa. Funcionários da empresa e técnicos do MCTI asseguram: não há transferência de tecnologia na fabricação do equipamento.

    TRUNFO DO BRASIL

    O trunfo do Brasil para desenvolver o programa de lançadores é a localização geográfica de Alcântara, encravada na Linha do Equador. Isso significa não só economia de propelente (combustível) como também mais capacidade para transportar cargas úteis. Porém, lançar comercialmente o foguete Cyclone-4, em construção na cidade ucraniana de Dnipropetrovsk, envolve muito mais que ter um sítio pronto e um foguete construído, o que ainda não existe. Se antes a meta era fazer o primeiro lançamento em 2010, agora passou para 2014.

    Entre analistas do mercado espacial consultados pelo “GLOBO” ao longo de dezembro, o uso comercial do Cyclone-4 não passa de um “projeto”, repleto de incertezas nos campos técnico e geopolítico. E — em tais condições — os grandes clientes deste multibilionário nicho não apostam um centavo.

    No campo geopolítico, a ACS não está autorizada a lançar sequer um artefato ao espaço com componente fabricado nos Estados Unidos, pela ausência de um acordo de salvaguarda tecnológica entre Brasil e EUA, barrado no Congresso em 2002 [por conta das draconianas condições impostas pelos EUA], principalmente por força do PT, à época o principal partido de oposição ao [generoso com os EUA] governo Fernando Henrique. E cerca de 90% de todos os satélites em operação, hoje, têm componentes americanos.

    Até o fim do governo George W. Bush (2001-2009), a doutrina da Casa Branca era não permitir o acordo. Historicamente, os EUA apresentam profundas restrições ao programa de lançadores do Brasil, uma vez que seus componentes têm uso duplo: civil e militar [assim como têm todos os veículos terrestre, aéreo ou espacial], ou seja, servem a foguetes e mísseis. Paradoxalmente, os EUA reconhecem Alcântara como excelente local para lançamentos, inclusive, de seus próprios foguetes.

    Mas Alcântara convive com um impasse que envolve comunidades quilombolas remanescentes que vivem na região, e que, ao longo da década passada, literalmente expulsaram a ACS da área previamente reservada à instalação de inúmeros sítios de lançamento: ou seja, falta área disponível para transformar Alcântara num centro internacional de lançamento comercial de satélites.

    Neste momento, o Itamaraty negocia o acordo, em caráter sigiloso, com o governo Obama. O MCTI classifica o assunto como “de grande relevância”. O Ministério de Relações Exteriores (MRE), a ACS e a embaixada dos EUA não comentam o assunto especificamente. Até agora, não há solução à vista.

    — “Precisamos muito disso (o acordo com os EUA) para tornar comercial o sítio de lançamento de Alcântara. O acordo é superimportante. Esse assunto é objeto de discussão no Itamaraty, que o analisa com muito cuidado” — afirmou ao GLOBO o presidente da Agência Espacial Brasileira, José Raimundo Braga Coelho, que nega a mudança de rumo no projeto Cyclone-4, apesar de inúmeras confirmações no sentido contrário:

    — “O objetivo não mudou. O objetivo é comercial e estratégico”.

    Em abril do ano passado, de acordo com a embaixada americana, Brasil e Estados Unidos realizaram um debate “positivo” sobre segurança espacial. Em dezembro, o Ministério da Defesa e o Departamento de Defesa dos Estados Unidos fizeram nova rodada de negociações, um mês depois de uma delegação dos Estados Unidos visitar Alcântara.

    Oficialmente, a ACS não quis se pronunciar. Porém, funcionários da empresa pública binacional reconheceram ao “GLOBO” que, sem acordo de salvaguardas ou data de lançamento estabelecida e apresentada aos operadores do mercado, não há condições de atrair clientela, que atualmente contrata lançadores nos EUA, na Europa e na Ásia. Ou seja, a cada dia que passa, as opções de mercado do sistema ucraniano-brasileiro ficam mais restritas. Restrições que se ampliam considerando a desconfiança do mercado quanto às limitações ucranianas - país descapitalizado depois da crise financeira de 2008 - para o desenvolvimento de novas tecnologias de segurança de voo.

    ENTRAVES ADMINISTRATIVOS

    Um analista do mercado, sob a condição do anonimato, afirma que os grandes fornecedores de Europa e Estados Unidos, eventuais concorrentes da ACS, recebem suporte de suas nações para vender lançamentos para clientes desses países, os principais do mercado mundial. A essas nações, portanto, não interessa a presença de um novo concorrente, em condições geográficas vantajosas.

    O governo brasileiro também convive com entraves administrativos para “adaptar os projetos inéditos e complexos em desenvolvimento na Ucrânia às normas construtivas brasileiras”, informa o Ministério da Ciência e Tecnologia.

    O que há hoje é um empreendimento em franca expansão no município de Alcântara, com maquinário pesado ucraniano desembarcando no porto da cidade. Também, há cooperação técnica Brasil-Ucrânia na implementação de itens no centro de lançamento, comprados na Ucrânia com dinheiro brasileiro. Há, sim, chance de o Cyclone-4 só mandar ao espaço satélites brasileiros e ucranianos. Mas nem o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que opera o programa de satélites do Brasil, tem planos para contratar o foguete, que oferece mais capacidade do que a exigida pelos projetos de satélites desenvolvidos no país.”

    FONTE: reportagem de Roberto Maltchik, do “O Globo”

    COMPLEMENTAÇÃO: por oportuno, repito observação deste blog ‘democracia&política’ feita em 13 de junho de 2012:


    PROJETO PARA LANÇAR SATÉLITE DE BASE NO MARANHÃO TRAVA

     Foguete ucraniano Cyclone-4, a ser lançado pela ACS binacional

    COMPLEMENTAÇÃO DESTE BLOG ‘democracia&politica’:

    "Este blog ‘democracia&política’ vê muitos inconvenientes e necessidade de radicais modificações no projeto binacional Cyclone-4 da ACS.

    A Ucrânia tem forte interesse em viabilizar seus lançamentos em Alcântara [no CLA] com o seu foguete Cyclone-4, dentro do projeto da empresa binacional (Brasil-Ucrânia) Alcântara Cyclone Space (ACS). A razão: ela [Ucrânia] ficou sem bases de lançamento quando se separou, nos anos 90, da ex-URSS.

    Além disso, a Ucrânia é muitíssimo mais beneficiada nesse projeto ACS, em grave detrimento da parte brasileira da binacional.

    Já no início, para participar dele, o Brasil, estranhamente, assinou com a UcrâniaAcordo de Salvaguardasque é, praticamente, cópia do mesmo humilhante, inaceitável e draconiano acordo que os EUA exigem do Brasil para aqui lançar seus satélites. Esse acordo com a Ucrânia tem força de lei acima da legislação nacional e nos veda, explicitamente, acesso físico e de conhecimento ao foguete e aos outros equipamentos. Proíbe, enfaticamente, qualquer transferência de tecnologia. Tudo de modo até ofensivo aos brasileiros e à soberania nacional.

    Exemplifico: conforme publicado no Diário Oficial, oAcordo de Salvaguardas”, no seu art. VI, estabelece: “As Partes assegurarão que somente Participantes Ucranianos, cujos procedimentos de segurança tenham sido aprovados pelo Governo da Ucrânia, controlarão o acesso a Veículos de Lançamento, Equipamentos da Plataforma de Lançamentos, Espaçonaves, Equipamentos Afins e Dados Técnicos ucranianos.”

    [Denominá-los “ucranianos” já é errado. Não se trata de simples compra de itens prontos em prateleira ucraniana. Eles foram concebidos, projetados, desenvolvidos, produzidos e comprados pela binacional ACS, tudo na Ucrânia, mas com dinheiro 50% brasileiro (na prática, bem mais que 50%), o que deveria assegurar iguais direitos de propriedade e de acesso em relação à parte ucraniana].

    Ainda como exemplo de o Acordo de Salvaguardas somente permitir ínfima, humilhante e constrangedora participação brasileira em atividades de muito baixo valor agregado, reproduz-se o art. VII do Acordo, que expressa a única concessão de aproximação dos brasileiros aos foguetes e equipamentos:Aos Representantes Brasileiros será permitido descarregar veículos transportando Veículos de Lançamento, Equipamentos da Plataforma de Lançamentos, Espaçonaves, Equipamentos Afins e/ou Dados Técnicos abrangidos por este Acordo e entregar containeres lacrados nas áreas de preparação de Veículos de Lançamento ou Espaçonaves”.

    O
    Acordo, no mesmo art VII, ainda enfatiza a humilhante discriminação ao estabelecer que, mesmo restritos a essas simples e árduas atividades de carregador de embalagens lacradas, os brasileiros as poderão executar somente se estiverem sob a supervisão de Participantes Ucranianos” [!!!...].

    Essas únicas atividades 'técnicas' [de carregador] permitidas aos brasileiros no projeto binacional não condizem com despendermos no projeto o total previsto da ordem de mais de US$ 500 milhões (um bilhão de reais). Esse gigantesco dispêndio orçamentário brasileiro impede ou inibe, na prática, todos os outros investimentos com desenvolvimento tecnológico espacial e encomendas na indústria nacional com projetos realmente nacionais, como o VLS e seus satélites.

    Hoje, na prática, o Brasil é o grande pagante de tudo na ACS. Já despendeu e despenderá, via ACS, AEB e CLA, bem mais recursos do que o montante que os ucranianos deveriam também contribuir (a participação correta pelos acordos firmados seria de 50% cada país, mas a Ucrânia não tem cumprido a sua parte). E pior: a maioria dos recursos brasileiros foi gasta em aquisições na Ucrânia, beneficiando a economia daquele país. Além disso, na fase operacional de lançamentos comerciais, o eventual e distante 'retorno' [?] dos investimentos da ACS será ainda muito maior para a Ucrânia, pois tudo lá continuará sendo produzido e comprado pela ACS.

    Essa enorme e absurda gastança de recursos orçamentários brasileiros em benefício da Ucrânia contrasta com o seguinte quadro, que nos faz compreender porque, segundo a “Folha’ já publicou, a “Aeronáutica nunca engoliu a ACS [e julga que] o Cyclone compete com o programa VLS, da Aeronáutica, para produzir um lançador de satélites nacional”.

    Relembremos alguns fatos:

     Foguete brasileiro VLS
    O CTA (órgão da Aeronáutica que recebeu do governo, no final dos anos 80, a incumbência de desenvolver o VLS) foi desmantelado nos anos 90 pelo governo FHC/PSDB/DEM, por razões e compromissos “desconhecidos”. A melhor explicação divulgada pelo governo era a de que o Estado Brasileiro deveria se tornar “mínimo”, compreensivo em face dos desejos norte-americanos e “o ‘mercado’ assumiria os poderes e encargos governamentais alienados”. Nessa linha, os recursos financeiros para projetos do CTA foram, gradativa e fortemente, reduzidos naquela década, e chegaram praticamente a zero em 1999, ano estabelecido para lançar um protótipo do VLS.

    Simultaneamente, nos anos FHC/PSDB, houve outras medidas governamentais restritivas análogas, como a extinção da equipe especializada na área espacial. O CTA, encarregado oficialmente de desenvolver o foguete lançador VLS e adaptar o CLA (Alcântara) ao lançador, simultaneamente ao drástico corte governamental de recursos financeiros para seus projetos, sofria forte e crescente redução de recursos humanos, totalizando a perda de cerca de 2.500 servidores naquela década, e sem autorização governamental para concursos públicos para reposições. O esforço sobre-humano dos cientistas e técnicos do CTA/FAB que remanesciam, tinham que assumir também os encargos dos que sairam para cumprir a incumbência do CTA nesse quadro de asfixia. Isso certamente contribuiu para o acidente que matou dezenas deles nas vésperas de se lançar um VLS em 2003.

    Em 22 de agosto de 2003, o terceiro protótipo, surpreendentemente e por estranhas razões ainda não bem esclarecidas, explodiu na antevéspera do seu lançamento, matando vinte e um técnicos do CTA.

    Acidente inesperado e intrigante, pois o CTA já acumulava vasta experiência, já tendo projetado, construído e lançado com êxito, no Brasil e no Exterior, centenas de foguetes suborbitais, muitos deles também complexos e de grande porte.

    (OBS:O Relatório Final da Comissão Externa da Câmara dos Deputados, criada para investigar o acidente que matou vinte e um integrantes do CTA, apresentado pelo seu Relator, o Deputado C. Sobrinho [PFL(DEM)-SP], da própria base governista da época dos asfixiantes cortes (feitos pelo governo FHC/PSDB/PFL), concluiu (conforme o “O Estado de São Paulo” de 26/08/2004 e a “Agência Câmara”, de 01/09/2004): “A redução gradativa dos investimentos públicos para a manutenção do Programa Espacial Brasileiro foi a principal causa do acidente com o veículo lançador de satélites em agosto do ano passado, na Base de Alcântara, no Maranhão”).

    Isso tudo contrasta, incongruentemente, com o gordo dispêndio da parte brasileira no projeto ACS; total previsto de mais de US$ 500 milhões parra começar a operar (equivalente ao necessário para construir uma centena de VLS!...), sendo que, diferentemente do projeto nacional VLS, no projeto do ucraniano Cyclone-4 da ACS, os únicos beneficiados com esses recursos brasileiros para o desenvolvimento tecnológico e produção são os institutos de pesquisa e a indústria ucranianos.

    Qual a solução para tornar o projeto Cyclone-4 da ACS satisfatório para o Brasil?

    1) Novo Acordo de Salvaguardas que dê condições igualitárias para as partes brasileira e ucraniana no acesso e no conhecimento tecnológico do foguete e equipamentos e de tudo o mais que tenha sido desenvolvido e comprado pela binacional ACS com recursos dos dois países;
    2) Equilibrar entre os dois países a carga de trabalho, especialmente a de maior valor agregado;
    3) exigir que a Ucrânia cumpra realmente suas obrigações financeiras na capitalização da ACS;
    4) Não sufocar, por conta dos grandes dispêndios no projeto Cyclone-4, o desenvolvimento espacial brasileiro. Incrementar, no mínimo com a mesma ordem de recursos financeiros e humanos, o desenvolvimento da família de lançadores nacionais de satélites [o desenvolvimento de foguetes e o lançamento de satélites é a parte realmente mais difícil e dispendiosa, mas é a mais lucrativa da área espacial. O Brasil já despendeu no exterior, em benefício das potências estrangeiras, o equivalente a muitos bilhões de dólares para lançar satélites de seu interesse. Os países que detêm essa capacidade tudo fazem para impedir a entrada no mercado do Brasil e de outros competidores].

     Programa nacional: o atual VLS (20 m de altura - equivalente a cerca de 7 andares ) é o 1º à esquerda
    FONTE da COMPLEMENTAÇÃO: este blog, em http://democraciapolitica.blogspot.com.br/2012/06/projeto-para-lancar-satelite-de-base-no.html. Imagens obtidas no Google. 
     
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