O ministro da Fazenda, Guido Mantega, passou meses desfilando o argumento de que a desvalorização cambial (alta do dólar) induzida pelo governo, de cerca de 20% desde março deste ano, revitalizou a indústria.
As lideranças do setor não escondem a insatisfação. O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, por exemplo, quer um dólar que flutue entre R$ 2,30 e R$ 2,40, ou seja, quer uma desvalorização adicional do real de cerca de 15%. De todo modo, havia ficado a impressão de que o governo Dilma estava engajado na tarefa de dar mais competitividade à indústria.
Mas o Banco Central do Brasil, que vem fazendo o jogo ativista do governo tanto nos juros como no câmbio, foi obrigado a inverter prioridades. Ao longo de dezembro (até dia 21) vendeu US$ 1,7 bilhão em moeda estrangeira no câmbio futuro, disposto a impedir que a cotação do dólar saltasse para acima dos R$ 2,10. Sexta-feira, também sob efeito da atuação do Banco Central, presidido por Alexandre Tombini, a cotação do dólar fechou o ano a R$ R$ 2,045.
Estas não são intervenções meramente episódicas. Em novembro, o Banco Central também agira com firmeza redobrada para impedir que o câmbio produzisse mais inflação.
Essas mexidas no câmbio há muito mudaram de qualidade. Antes, limitavam-se a dar liquidez ao mercado e a evitar excessiva volatilidade. A partir de abril, deixaram de fazer parte de uma política estratégica do governo. O câmbio passou a ser usado como ferramenta de ocasião para apagar incêndios.
Hoje, está claro que o Banco Central está interessado em manter o câmbio relativamente fixo. Suas cotações não devem resvalar para abaixo dos R$ 2,00 por dólar. Também não devem saltar para acima de R$ 2,10.
Assim, a economia brasileira atua agora com os dois principais preços do real relativamente fixos. Os juros básicos (o preço interno) permanecerão nos 7,25% ao ano por "tempo suficientemente prolongado", como já avisou o Banco Central, e o câmbio (preço externo da moeda nacional) está amarrado aos tais R$ 2 por dólar, porque passou a a ter a função de conter a inflação.
Um governo pode manter fixos esses dois preços somente por um período curto. Com o tempo, as distorções serão inevitáveis. Não foi só o comportamento insatisfatório do PIB que atropelou o governo Dilma. O estouro da inflação para mais perto dos 6,0% do que dos 5,5% em 12 meses também contrariou suas expectativas. Mas, em vez de aceitar esses desvios como indicações de desequilíbrios da economia; e em vez de apertar mais as despesas públicas para controlar a inflação; o governo optou por borboletear sobre os sintomas. Trabalha com a hipótese de que essa e outras anomalias foram geradas pelas conturbações da economia global e serão superadas naturalmente.
O risco que corre o governo Dilma - e aí vai sendo apontada uma das distorções acima mencionadas - é que a contenção da alta do dólar não seja suficiente para segurar a inflação. E à medida que a inflação mantiver sua força, entre 5% e 6% ao ano, o câmbio contido à altura dos R$ 2,00 por dólar estará corroendo a competitividade que o governo pretendeu dar à indústria quando promoveu a desvalorização cambial. E, aí, o que fará o governo para evitar as pressões por novas desvalorizações do real?
Fonte: O Estado de S. Paulo