Janeiro definirá o destino político de Marina Silva, que vai decidir se anuncia um novo partido e, com ele, a sua segunda postulação à Presidência da República. Dona de um cabedal de 19 milhões de votos, amealhado há dois anos e confirmado pelas últimas pesquisas, a sigla da ex-senadora tentaria ser um centro moderno e ético, no disputado espaço existente entre o PT e o PSDB.
Na dura peleja por esse lugar ao sol, a possível agremiação teria duas vantagens e um poderoso obstáculo. Joga a favor o fato de possuir candidata competitiva ao Planalto. A experiência mostra que a construção partidária no Brasil passa pela eleição do presidente, o que faz duvidar do futuro peemedebista, caso persista a estratégia de omitir-se da mesma.
Além de ter concorrente séria ao cargo mais alto do país, o movimento em torno da antiga ministra carrega, com a defesa ambiental, uma bandeira de apelo crescente. Em graus variados de alarme, tornou-se consenso que é imperioso preservar a natureza.
Note-se, também, que a adesão dos jovens da classe média tradicional ao programa de Marina em 2010 foi a comprovação prática da presença em solo pátrio daquilo que o cientista político Ronald Inglehart chama de propensão "pós-materialista" (outra coisa é saber o alcance de tal postura em sociedade ainda cortada por desigualdades extremas). O pós-materialismo seria a agenda de indivíduos para os quais as necessidades materiais básicas estivessem garantidas, operando-se, nessa superação do conflito distributivo, a ascensão de valores ecológicos, entre outros.
A dificuldade do projeto marinista está no âmbito organizativo. Partidos demoram para serem construídos. Em um território continental como o brasileiro, levam-se décadas para abrir diretórios competitivos no interior e, particularmente, nos pequenos municípios, como bem o revela a experiência petista. Sem falar no tempo de TV, dependente de bancada na Câmara, a qual, por sua vez, precisa de apoios municipais.
Ao perderem um ano e meio após a traumática cisão com o PV, em 2011, Marina e apoiadores relegaram o indispensável trabalho de formiga que envolve a implantação de bases locais. Talvez a decepção com os rumos do PV tenha impactado o grupo, levando a uma paralisia temporária. Em entrevista à época da ruptura, o deputado Alfredo Sirkis, um dos mentores da campanha de 2010, declarou: "A questão é que é muito difícil escapar da cultura política brasileira como ela é. A cultura dominante é a do fisiologismo e do clientelismo".
Eis o dilema. Conforme bonita expressão recente de uma professora da USP, participar das estruturas eleitorais acarreta mazelas capazes de desvirtuar as melhores intenções. Mas ficar fora delas implica abdicar da única via para transformar o Estado.
André Singer, sociólogo e ex-porta voz do governo Lula.
Fonte: Folha de S. Paulo