Ex-presidente defende a descriminalização das drogas. Tratar o uso como caso de polícia é inútil e desastroso"
Carolina Benevides
* O senhor declarou que a política de guerra às drogas está falida.
Os fatos falam por si. Décadas de esforços imensos, liderados pelos Estados Unidos, não levaram nem à erradicação da produção nem à redução do consumo. Enquanto houver demanda por narcóticos haverá oferta. Os únicos que ganham com a proibição são os traficantes. As medidas punitivas, por si só, não são capazes de reduzir o consumo.
• O que e possível implementar no lugar?
Ao invés de insistir em políticas ineficazes, mais vale buscar reduzir o consumo e o dano que as drogas causam. Investir em ações de prevenção, tratamento e reabilitação. Abrir um debate sobre o impacto desastroso da política repressiva tanto sobre a saúde das pessoas quanto sobre a segurança dos cidadãos. E confrontar experiências. Nos últimos anos viajei muito. Destes encontros, uma primeira ideia-força foi emergindo com cia-reza: a proposta de descriminalizar o consumo de drogas.Não faz sentido pôr na prisão pessoas que usam drogas mas não cometem crimes contra terceiros. Podem causar danos a si mesmos e a suas famílias mas trancafiá-los em cadeias superlotadas não os ajuda a se livrarem da dependência.
* No Brasil, a lei não específíca quem é usuário e quem é traficante.
É essencial que a lei estabeleça uma diferença clara. Consumo de droga é um problema de Saúde Pública. Dependentes de drogas não são criminosos a encarcerar e sim pacientes a tratar. O medo do estigma e da prisão só faz tornar mais difícil o acesso ao tratamento. O poder repressivo do Estado e a pressão da sociedade devem se concentrar na luta contra os narcotraficantes, sobretudo os mais violentos e corruptores, não em perseguir jovens ou doentes.
• O senhor defende a descriminalização das drogas?
Vamos ser claros. O que estamos propondo à discussão pela sociedade é a descrimi-nalização de todas as drogas e o debate sobre a regulação da maconha. Descriminalização não é sinônimo de despenalização. Em Portugal, ninguém é preso por consumir drogas, mas o Estado tem todo um arsenal de medidas não criminais para dissuadir os consumidores e promover o acesso ao tratamento.
• Como fazer a regulação da maconha?
Regular não é a mesma coisa que legalizar. Regular é criar as condições para que o Estado possa impor restrições e limites ao comércio e consumo do produto, sem colocá-lo na ilegalidade. O que estamos propondo é abrir um debate sobre modelos de regulação da maconha de maneira similar ao que já se faz com o tabaco e o álcool.
• O senhor acredita que a sociedade brasileira reagirá bem a essa proposta?
Temas controversos que afetam modos de pensar e valores precisam ser debatidos primeiro na sociedade. As pessoas hoje pensam cada vez mais com a própria cabeça. É o que está acontecendo na sociedade brasileira, como em tantas outras, a respeito das drogas. A sociedade infor madae conectada muda mais rápido do que o sistema político, e tem a capacidade de formar opinião sobre qualquer tema.
• Há um projeto de lei para alterar a política de drogas, endurecendo as penas e regulamentando a internação compulsória.
Qual a melhor maneira de enfrentar o problema das drogas? Criminalizando ou tratando os dependentes no sistema de saúde? Tratar o uso de drogas como caso de polícia é inútil e desastroso. A internação compulsória é condenada internacionalmente como ineficiente, estigmatizadora e que viola direitos humanos. A guerra às drogas fracassou. É preciso ousadia e pragmatismo para explorar novas soluções. O que importa é um debate sério e rigoroso que permita a cada país encontrar os caminhos adequados. O Brasil se atrasou neste debate em relação a Colômbia e México. Há que acertar o passo e rápido.
Fonte: O Globo