“Os BRICS têm altos e baixos, momentos de maior proximidade e de maior distância, mas uma coisa é certa: essa tem sido para o Brasil a principal aliança desde 2008, pelo menos no que se refere a G-20 e FMI. A afinidade de pontos de vista é particularmente nítida entre as cadeiras brasileira, russa e indiana. Como mecanismo de articulação, os BRICS se tornaram muito mais relevantes do que o G-11, o tradicional agrupamento das 11 cadeiras da Diretoria Executiva comandadas por países em desenvolvimento.
Por Paulo Nogueira Batista²
Há controvérsias sobre o real significado e a importância prática dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Os críticos e céticos sustentam que o agrupamento é artificial, mais emblema ou marca do que realidade política. Apontam para as enormes diferenças – históricas, culturais, políticas e econômicas – entre os integrantes. Duvidam de que os cinco países possam, de fato, atuar de forma coordenada.
É inegável que as dificuldades de coordenação dos BRICS são consideráveis. Mas também é inegável que os BRICS vêm marcando presença no campo internacional.
Tenho vivenciado esse processo de coordenação com seus avanços e suas dificuldades, desde 2008, no âmbito da diretoria do FMI e das reuniões do G-20. Quando cheguei a Washington, em abril de 2007, os BRICS não existiam como aliança e realidade política. Na época, tratava-se, realmente, de uma mera sigla – inventada, como se sabe, por um economista do banco de investimentos “Goldman Sachs”, Jim O’Neill.
Na diretoria do FMI e no G-20, a atuação conjunta dos quatro países (a África do Sul só se juntou ao grupo em 2011) começou em 2008, por iniciativa da Rússia. A primeira cúpula dos líderes dos BRICS realizou-se em Yekaterinburgo, na Rússia, em 2009.
Os BRICS têm altos e baixos, momentos de maior proximidade e de maior distância, mas uma coisa é certa: essa tem sido para o Brasil a principal aliança desde 2008, pelo menos no que se refere a G-20 e FMI. Ressalto: os BRICS, muito mais do que outros países latino-americanos, mesmo os de maior porte. Por motivos que variam de país para país, os latino-americanos não têm tido papel tão relevante como aliados do Brasil no terreno financeiro internacional.
O diretor-executivo da Rússia no FMI, Aleksei Mozhin, que está na instituição há 20 anos, disse em seminário recente na “Brookings Institution”, em Washington, que o surgimento dos BRICS foi a maior mudança na governança do Fundo desde a sua chegada à diretoria do FMI. Posso confirmar que, nos últimos cinco anos, a nossa atuação conjunta tem sido uma alavanca importante em vários temas estratégicos. A afinidade de pontos de vista é particularmente nítida entre as cadeiras brasileira, russa e indiana.
Os cinco diretores executivos dos BRICS no FMI se reúnem com muita frequência para coordenar posições sobre temas na pauta da diretoria ou iniciativas nossas. Cada passo do grupo demanda muita preparação e articulação. No caso de alguns países, notadamente a China, o processo de tomada de decisão é lento e complexo e inclui consultas a várias instâncias em Pequim. O esforço de articulação é trabalhoso, às vezes penoso, mas produz seus frutos. Em matéria de reformas de quotas e da governança do FMI, por exemplo, os BRICS atuam, frequentemente, de forma coordenada, inclusive preparando “statements” conjuntos para reuniões da Diretoria.
A principal dificuldade de coordenação interna dos BRICS é o peso desproporcional da China quando comparado ao dos demais países. Os chineses têm porte e recursos para, em alguns casos, enxergarem vantagens em negociar separadamente com os EUA e os europeus. Por esse motivo, entendimentos entre Brasil, Rússia e Índia funcionam às vezes como contrapeso à inclinação da China de atuar em faixa própria.
As dificuldades de coordenação entre os BRICS são naturais e inevitáveis. Refletem as diferenças de interesse, de dimensão econômica e de caráter político ou cultural. Apesar dessa diversidade, permanece o fato de que os cinco países têm demonstrado interesse consistente em atuar de maneira coordenada em muitos temas da agenda internacional.
Não se deve, tampouco, exagerar o significado dessas dificuldades de coordenação. Afinal, mesmo agrupamentos mais homogêneos e mais antigos, como o bloco europeu, se debatem com agudas divergências.
No FMI, a aliança entre os BRICS já é reconhecida como parte da paisagem.
Como mecanismo de articulação, os BRICS se tornaram muito mais relevantes do que o G-11, o tradicional agrupamento das 11 cadeiras da Diretoria Executiva comandadas por países em desenvolvimento³. Apenas as cadeiras europeias têm coordenação mais estreita. A administração da instituição e os diretores executivos dos países avançados fazem o que podem para detectar e explorar diferenças de posições entre os BRICS.
Entre as capitais, a coordenação é dificultada pela distância geográfica. Mesmo assim, os ministros de Finanças e presidentes de Banco Central dos BRICS se reúnem com certa periodicidade – duas ou três vezes por ano, em média, nos anos recentes. E se falam com frequência, apesar das diferenças de fuso horário.
Os chefes de Estado e governo se encontram nas cúpulas anuais – foram quatro desde 2009, a última delas na Índia, em março de 2012. A próxima será na África do Sul, em março de 2013. A de 2014 será no Brasil. Os líderes dos BRICS também se reúnem por ocasião das cúpulas do G-20. Por exemplo, em Cannes, em novembro de 2011, e em Los Cabos, em junho de 2012. No espaço de oito meses, os líderes dos BRICS se reuniram nada menos do que três vezes.
O que os BRICS têm em comum? Para além de todas as diferenças, fundamentalmente o seguinte: são países de grande dimensão econômica, geográfica e populacional. Brasil, Rússia, Índia e China fazem parte dos dez maiores países do mundo em termos de PIB, área e população. Por isso mesmo, todos eles têm capacidade de atuar com autonomia em relação às potências ocidentais – os Estados Unidos e a Europa. Isso vale, sobretudo, para os quatro integrantes originais do grupo, mas, creio, que crescentemente também para a África do Sul.
Esse é o aspecto crucial: a capacidade de decidir de forma independente. A grande maioria dos demais países emergentes e em desenvolvimento – mesmo os que têm certo porte – não possui essa capacidade, pelo menos não na mesma medida. Em muitos casos, o que ainda se vê é relação de estreita dependência e alinhamento mais ou menos automático aos Estados Unidos ou aos principais países da Europa.
Essa atuação independente reflete, evidentemente, a posição econômico-financeira dos BRICS. Nenhum deles depende de capitais externos europeus ou norte-americanos ou da assistência financeira do FMI ou de outros organismos ainda controlados pelas potências tradicionais. Isso reflete inter alia a sua solidez fiscal, de balanço de pagamentos e de reservas internacionais. Nos anos recentes, os BRICS tornaram-se, inclusive, credores líquidos do FMI, participando com grandes somas dos empréstimos levantados pela instituição para fazer face à crise iniciada nos países avançados em 2008.
Um dos acontecimentos mais significativos da cúpula do G20 em Los Cabos, no México, em junho, foi a reunião prévia dos líderes dos BRICS. A reunião foi antecedida de muita discussão entre os cinco países e tratou, principalmente, de dois temas – um deles totalmente novo.
O primeiro tema foi a decisão de confirmar o anúncio de novas contribuições ao financiamento do FMI. A China anunciou a intenção de contribuir com US$ 43 bilhões adicionais; o Brasil, a Rússia e a Índia anunciaram US$ 10 bilhões cada; África do Sul entrará com US$ 2 bilhões.
Na rodada anterior de levantamento de empréstimos para o FMI em 2009, os BRIC entraram com o equivalente a US$ 92 bilhões – a China com US$ 50 bilhões, Brasil, Rússia e Índia com US$ 14 bilhões cada.
O total de US$ 75 bilhões anunciado em Los Cabos ficou condicionado ao entendimento de que o FMI só lançará mão desses novos recursos depois que os fundos existentes na instituição tenham sido substancialmente utilizados. Esse ponto é importante para promover adequada distribuição do ônus entre os diferentes credores do FMI, como mencionou o comunicado emitido após a reunião dos BRICS.
O comunicado dos BRICS observou, também, que as contribuições foram anunciadas com base no entendimento de que as reformas do FMI serão plenamente implementadas, conforme acordo a que se chegou no G20 em 2010. Isso inclui, como se sabe, uma revisão abrangente do poder de voto e das quotas.
Essa observação reflete a insatisfação dos BRICS com o ritmo de implementação das reformas do FMI, que expressaram em mais de uma ocasião. Há muita inércia institucional e apego ao status quo no Fundo. Em razão disso, aumentou a disposição dos BRICS de considerar iniciativas na área monetária internacional fora do âmbito do FMI.
A grande novidade em Los Cabos foi, exatamente, o lançamento de um fundo ou pool de reservas dos BRICS. A iniciativa foi pacientemente costurada em entendimentos ao longo de maio e junho. Na cúpula dos BRICS, formalizou-se a decisão de iniciar a discussão de um fundo de reservas comum dos BRICS. Os líderes dos BRICS pediram a seus ministros de Finanças e presidentes de Banco Central que trabalhem conjuntamente nesse tema e tragam os resultados para a próxima Cúpula dos Líderes dos BRICS, na África do Sul, em março de 2013. Posteriormente, foi criado um grupo de trabalho com representantes dos cinco países, sob coordenação brasileira.
Um fundo de reservas dos BRICS teria natureza preventiva e representaria a criação de um mecanismo de solidariedade financeira entre os cinco países, a ser acionado em momentos de dificuldade. As reservas somadas dos cinco países alcançam aproximadamente US$ 4,3 trilhões – uma base mais do que suficiente para respaldar a iniciativa.
O fundo comum de reservas poderia ser acionado por qualquer país que, eventualmente, precisasse de apoio, de acordo com regras e procedimentos que estão sendo negociados. O fundo pode ser “virtual”, isto é, as reservas continuariam nos bancos centrais de cada um dos BRICS só sendo desembolsadas se algum dos cinco países necessitar de acesso aos recursos do fundo.
Ainda que não venha a ser utilizado com frequência, dado que a posição dos BRICS é sólida, a existência do fundo proporciona importante reforço adicional de confiança. A disposição de formalizar o início de uma discussão conjunta revela o estreitamento dos laços entre os BRICS e a sua disposição de enfrentar em conjunto os desafios do quadro internacional.
O ministro Antonio Patriota acertou, no meu entender, quando comparou a coordenação entre os BRICS à nossa aproximação com os EUA no início do século XX, época do Barão de Rio Branco [4]. Um grande legado do Barão, disse Patriota, é a capacidade de apreensão das mudanças. Na época em que o dinamismo econômico e o eixo de poder mudavam da Europa para os Estados Unidos, ele teve a capacidade de estabelecer boa relação com os EUA. Transferindo para hoje, o movimento equivalente é a coordenação com os BRICS.
NOTAS
[1] Versão ampliada e revista de texto que serviu de base a apresentação em mesa-redonda organizada pela “Fundação Alexandre Gusmão” e pelo “Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais”, em 31 de julho de 2012.
[2] Diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países (Cabo Verde, Equador, Guiana, Haiti, Nicarágua, Panamá, República Dominicana, Suriname, Timor Leste e Trinidad e Tobago). As opiniões expressas neste texto não devem ser atribuídas ao FMI nem aos governos que o autor representa na diretoria da instituição.
[3] O G-11 inclui as cadeiras comandadas por Arábia Saudita, Argentina, Brasil, China, Egito, México, Venezuela, Índia, Irã, as duas cadeiras da África Sul-Saariana e a do Sudeste Asiático.
[4] Em entrevista à “Folha de S.Paulo”, publicada em 10 de fevereiro de 2012.”
FONTE: escrito por Paulo Nogueira Batista e publicado no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21427). [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].
Por Paulo Nogueira Batista²
Há controvérsias sobre o real significado e a importância prática dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Os críticos e céticos sustentam que o agrupamento é artificial, mais emblema ou marca do que realidade política. Apontam para as enormes diferenças – históricas, culturais, políticas e econômicas – entre os integrantes. Duvidam de que os cinco países possam, de fato, atuar de forma coordenada.
É inegável que as dificuldades de coordenação dos BRICS são consideráveis. Mas também é inegável que os BRICS vêm marcando presença no campo internacional.
Tenho vivenciado esse processo de coordenação com seus avanços e suas dificuldades, desde 2008, no âmbito da diretoria do FMI e das reuniões do G-20. Quando cheguei a Washington, em abril de 2007, os BRICS não existiam como aliança e realidade política. Na época, tratava-se, realmente, de uma mera sigla – inventada, como se sabe, por um economista do banco de investimentos “Goldman Sachs”, Jim O’Neill.
Na diretoria do FMI e no G-20, a atuação conjunta dos quatro países (a África do Sul só se juntou ao grupo em 2011) começou em 2008, por iniciativa da Rússia. A primeira cúpula dos líderes dos BRICS realizou-se em Yekaterinburgo, na Rússia, em 2009.
Os BRICS têm altos e baixos, momentos de maior proximidade e de maior distância, mas uma coisa é certa: essa tem sido para o Brasil a principal aliança desde 2008, pelo menos no que se refere a G-20 e FMI. Ressalto: os BRICS, muito mais do que outros países latino-americanos, mesmo os de maior porte. Por motivos que variam de país para país, os latino-americanos não têm tido papel tão relevante como aliados do Brasil no terreno financeiro internacional.
O diretor-executivo da Rússia no FMI, Aleksei Mozhin, que está na instituição há 20 anos, disse em seminário recente na “Brookings Institution”, em Washington, que o surgimento dos BRICS foi a maior mudança na governança do Fundo desde a sua chegada à diretoria do FMI. Posso confirmar que, nos últimos cinco anos, a nossa atuação conjunta tem sido uma alavanca importante em vários temas estratégicos. A afinidade de pontos de vista é particularmente nítida entre as cadeiras brasileira, russa e indiana.
Os cinco diretores executivos dos BRICS no FMI se reúnem com muita frequência para coordenar posições sobre temas na pauta da diretoria ou iniciativas nossas. Cada passo do grupo demanda muita preparação e articulação. No caso de alguns países, notadamente a China, o processo de tomada de decisão é lento e complexo e inclui consultas a várias instâncias em Pequim. O esforço de articulação é trabalhoso, às vezes penoso, mas produz seus frutos. Em matéria de reformas de quotas e da governança do FMI, por exemplo, os BRICS atuam, frequentemente, de forma coordenada, inclusive preparando “statements” conjuntos para reuniões da Diretoria.
A principal dificuldade de coordenação interna dos BRICS é o peso desproporcional da China quando comparado ao dos demais países. Os chineses têm porte e recursos para, em alguns casos, enxergarem vantagens em negociar separadamente com os EUA e os europeus. Por esse motivo, entendimentos entre Brasil, Rússia e Índia funcionam às vezes como contrapeso à inclinação da China de atuar em faixa própria.
As dificuldades de coordenação entre os BRICS são naturais e inevitáveis. Refletem as diferenças de interesse, de dimensão econômica e de caráter político ou cultural. Apesar dessa diversidade, permanece o fato de que os cinco países têm demonstrado interesse consistente em atuar de maneira coordenada em muitos temas da agenda internacional.
Não se deve, tampouco, exagerar o significado dessas dificuldades de coordenação. Afinal, mesmo agrupamentos mais homogêneos e mais antigos, como o bloco europeu, se debatem com agudas divergências.
No FMI, a aliança entre os BRICS já é reconhecida como parte da paisagem.
Como mecanismo de articulação, os BRICS se tornaram muito mais relevantes do que o G-11, o tradicional agrupamento das 11 cadeiras da Diretoria Executiva comandadas por países em desenvolvimento³. Apenas as cadeiras europeias têm coordenação mais estreita. A administração da instituição e os diretores executivos dos países avançados fazem o que podem para detectar e explorar diferenças de posições entre os BRICS.
Entre as capitais, a coordenação é dificultada pela distância geográfica. Mesmo assim, os ministros de Finanças e presidentes de Banco Central dos BRICS se reúnem com certa periodicidade – duas ou três vezes por ano, em média, nos anos recentes. E se falam com frequência, apesar das diferenças de fuso horário.
Os chefes de Estado e governo se encontram nas cúpulas anuais – foram quatro desde 2009, a última delas na Índia, em março de 2012. A próxima será na África do Sul, em março de 2013. A de 2014 será no Brasil. Os líderes dos BRICS também se reúnem por ocasião das cúpulas do G-20. Por exemplo, em Cannes, em novembro de 2011, e em Los Cabos, em junho de 2012. No espaço de oito meses, os líderes dos BRICS se reuniram nada menos do que três vezes.
O que os BRICS têm em comum? Para além de todas as diferenças, fundamentalmente o seguinte: são países de grande dimensão econômica, geográfica e populacional. Brasil, Rússia, Índia e China fazem parte dos dez maiores países do mundo em termos de PIB, área e população. Por isso mesmo, todos eles têm capacidade de atuar com autonomia em relação às potências ocidentais – os Estados Unidos e a Europa. Isso vale, sobretudo, para os quatro integrantes originais do grupo, mas, creio, que crescentemente também para a África do Sul.
Esse é o aspecto crucial: a capacidade de decidir de forma independente. A grande maioria dos demais países emergentes e em desenvolvimento – mesmo os que têm certo porte – não possui essa capacidade, pelo menos não na mesma medida. Em muitos casos, o que ainda se vê é relação de estreita dependência e alinhamento mais ou menos automático aos Estados Unidos ou aos principais países da Europa.
Essa atuação independente reflete, evidentemente, a posição econômico-financeira dos BRICS. Nenhum deles depende de capitais externos europeus ou norte-americanos ou da assistência financeira do FMI ou de outros organismos ainda controlados pelas potências tradicionais. Isso reflete inter alia a sua solidez fiscal, de balanço de pagamentos e de reservas internacionais. Nos anos recentes, os BRICS tornaram-se, inclusive, credores líquidos do FMI, participando com grandes somas dos empréstimos levantados pela instituição para fazer face à crise iniciada nos países avançados em 2008.
Um dos acontecimentos mais significativos da cúpula do G20 em Los Cabos, no México, em junho, foi a reunião prévia dos líderes dos BRICS. A reunião foi antecedida de muita discussão entre os cinco países e tratou, principalmente, de dois temas – um deles totalmente novo.
O primeiro tema foi a decisão de confirmar o anúncio de novas contribuições ao financiamento do FMI. A China anunciou a intenção de contribuir com US$ 43 bilhões adicionais; o Brasil, a Rússia e a Índia anunciaram US$ 10 bilhões cada; África do Sul entrará com US$ 2 bilhões.
Na rodada anterior de levantamento de empréstimos para o FMI em 2009, os BRIC entraram com o equivalente a US$ 92 bilhões – a China com US$ 50 bilhões, Brasil, Rússia e Índia com US$ 14 bilhões cada.
O total de US$ 75 bilhões anunciado em Los Cabos ficou condicionado ao entendimento de que o FMI só lançará mão desses novos recursos depois que os fundos existentes na instituição tenham sido substancialmente utilizados. Esse ponto é importante para promover adequada distribuição do ônus entre os diferentes credores do FMI, como mencionou o comunicado emitido após a reunião dos BRICS.
O comunicado dos BRICS observou, também, que as contribuições foram anunciadas com base no entendimento de que as reformas do FMI serão plenamente implementadas, conforme acordo a que se chegou no G20 em 2010. Isso inclui, como se sabe, uma revisão abrangente do poder de voto e das quotas.
Essa observação reflete a insatisfação dos BRICS com o ritmo de implementação das reformas do FMI, que expressaram em mais de uma ocasião. Há muita inércia institucional e apego ao status quo no Fundo. Em razão disso, aumentou a disposição dos BRICS de considerar iniciativas na área monetária internacional fora do âmbito do FMI.
A grande novidade em Los Cabos foi, exatamente, o lançamento de um fundo ou pool de reservas dos BRICS. A iniciativa foi pacientemente costurada em entendimentos ao longo de maio e junho. Na cúpula dos BRICS, formalizou-se a decisão de iniciar a discussão de um fundo de reservas comum dos BRICS. Os líderes dos BRICS pediram a seus ministros de Finanças e presidentes de Banco Central que trabalhem conjuntamente nesse tema e tragam os resultados para a próxima Cúpula dos Líderes dos BRICS, na África do Sul, em março de 2013. Posteriormente, foi criado um grupo de trabalho com representantes dos cinco países, sob coordenação brasileira.
Um fundo de reservas dos BRICS teria natureza preventiva e representaria a criação de um mecanismo de solidariedade financeira entre os cinco países, a ser acionado em momentos de dificuldade. As reservas somadas dos cinco países alcançam aproximadamente US$ 4,3 trilhões – uma base mais do que suficiente para respaldar a iniciativa.
O fundo comum de reservas poderia ser acionado por qualquer país que, eventualmente, precisasse de apoio, de acordo com regras e procedimentos que estão sendo negociados. O fundo pode ser “virtual”, isto é, as reservas continuariam nos bancos centrais de cada um dos BRICS só sendo desembolsadas se algum dos cinco países necessitar de acesso aos recursos do fundo.
Ainda que não venha a ser utilizado com frequência, dado que a posição dos BRICS é sólida, a existência do fundo proporciona importante reforço adicional de confiança. A disposição de formalizar o início de uma discussão conjunta revela o estreitamento dos laços entre os BRICS e a sua disposição de enfrentar em conjunto os desafios do quadro internacional.
O ministro Antonio Patriota acertou, no meu entender, quando comparou a coordenação entre os BRICS à nossa aproximação com os EUA no início do século XX, época do Barão de Rio Branco [4]. Um grande legado do Barão, disse Patriota, é a capacidade de apreensão das mudanças. Na época em que o dinamismo econômico e o eixo de poder mudavam da Europa para os Estados Unidos, ele teve a capacidade de estabelecer boa relação com os EUA. Transferindo para hoje, o movimento equivalente é a coordenação com os BRICS.
NOTAS
[1] Versão ampliada e revista de texto que serviu de base a apresentação em mesa-redonda organizada pela “Fundação Alexandre Gusmão” e pelo “Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais”, em 31 de julho de 2012.
[2] Diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países (Cabo Verde, Equador, Guiana, Haiti, Nicarágua, Panamá, República Dominicana, Suriname, Timor Leste e Trinidad e Tobago). As opiniões expressas neste texto não devem ser atribuídas ao FMI nem aos governos que o autor representa na diretoria da instituição.
[3] O G-11 inclui as cadeiras comandadas por Arábia Saudita, Argentina, Brasil, China, Egito, México, Venezuela, Índia, Irã, as duas cadeiras da África Sul-Saariana e a do Sudeste Asiático.
[4] Em entrevista à “Folha de S.Paulo”, publicada em 10 de fevereiro de 2012.”
FONTE: escrito por Paulo Nogueira Batista e publicado no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21427). [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].