Por Rodolpho Motta Lima
“Pela sua própria natureza, a política é um convite à radicalização das ideias. Afinal, é pelas veredas políticas que se conduzem os destinos das pessoas. E há políticas e políticas. Há as que se comprometem com as massas, há as que se voltam para menores interesses individuais, há as que se preocupam com projetos sociais, há as que se subordinam às nada naturais “leis” do mercado. Dependendo do ponto de vista em que nos situemos, o entusiasmo que nos leva à defesa de uma ou outra causa ou à crítica desta ou daquela postura pode, realmente, produzir exageros. É humano.
Essa causa ou motivação que nos leva a externar com veemência exacerbada – mas honesta - os nossos pontos de vista, fruto de uma ideologia, de uma visão do mundo, não pode, porém, ser confundida com a intenção ou ação que, conscientemente, deturpa os fatos em nome dos interesses de um grupo político ou econômico. Porque aí estaremos diante de posicionamento intelectualmente desonesto, um estelionato ideológico. Ninguém que queira ver preservada uma autêntica ética, não a hipócrita ética de fachada, aceita ou justifica manifestações sectárias, absolutistas, sutilmente destinadas a deixar escondida, com a cortina de fumaça de uma falsa indignação, uma verdade indesejada, ou um pedaço dela.
Mesmo entre os exageros, há que se saber distinguir. Como professor de literatura, vivo ensinando aos meus alunos que a hipérbole, embora muitas vezes ferramenta de um mal intencionado pensamento maniqueísta, pode ser, em muitas ocorrências, um recurso expressivo para se pôr em evidência um fato, uma pessoa, uma ideia, supervalorizando esses elementos. Qualquer apaixonado de plantão exemplifica isso...
Esses comentários, uma vez mais (nunca é demais) vêm a propósito dos posicionamentos assumidos em face da discussão sobre o controle social da mídia, essa mídia que, em nome de uma pretensa liberdade de informar, muitas vezes desinforma, quando não deforma, mas não admite que se discutam os seus propósitos, os seus métodos de “persuasão”, a sua covardia intelectual.
Seria desejável que, em nosso país, houvesse um conjunto de órgãos midiáticos – jornal, rádio e tevê – tão espalhados pelo país como os das organizações que monopolizam a opinião publicada, com seus veículos próprios, afiliados e retransmissores. Uma mídia que pudesse fazer um contraponto às existentes, não para reproduzir no sentido contrário os seus defeitos, mas para apresentar o mundo e as coisas de uma forma não comprometida, diferente dessa monocórdia visão elitista que nós é imposta. Uma mídia que trabalhasse o fato, analisasse as ações, trouxesse verdadeiramente à luz o contraditório, sem intenções deletérias ou pautados interesses de grupos, e fornecesse instrumentos confiáveis para a formação de opinião.
Pode ser um pensamento utópico, um desejo irrealizável. Afinal, alguém já disse que o jornalismo existe para ser oposição, ou seja, para só apresentar um lado das questões. De qualquer forma, se essa mídia alternativa existisse, não nas doses homeopáticas de hoje, mas com a mesma abrangência que verificamos nesse conglomerado que domina a informação no país, isso talvez diminuísse e tornasse menos candentes as pessoas indignadas com esse panorama. Afinal, haveria igualdade de forças, com a mesma penetração, capaz de mostrar outras visões, outras perspectivas, onde pudessem coexistir o preto e o branco e, mais que isso, essa grande área cinzenta na qual virtudes e defeitos se combinam, apenas uns predominando sobre os outros, conforme o caso.
Se essa mídia existisse, não se sentiria tanta indignação diante da manipulação das notícias, diante da hipocrisia reinante nesse comportamento típico dos “bons moços de boa família”, dos “defensores da moral ocidental e cristã”, dos “guardiães do templo das virtudes”, que escamoteia a verdade em formatação contemporânea da fábula do “(g)lobo com pele de cordeiro”... E talvez nem se falasse em controle... Certas reações, às vezes assumidamente radicais, têm a ver com a revolta diante da falta de decoro que é o desfrute quase monopolista de concessões do povo (ou não são isso as concessões públicas?) para o enriquecimento de uns poucos através de atitudes que, em última análise, são dissimuladas, enganosas e contra os interesses do próprio povo.
Há quem acredite na ausência de um propósito ideológico desse grupo seleto que fala sozinho, mas defende a “liberdade de expressão”. Um dia, porém, os brasileiros perceberão os males desse império da informação comprometida que vende ideias e quer comprar corações, com suas celebridades impostas ou cooptadas, seus fatos destorcidos ao bel prazer, seu circo (sem pão, porque esse o Governo dá) que pretende amortecer as massas, mascarando as desigualdades com fantasias de lixões idílicos, domésticas de sucesso e outras que tais. Enquanto esse dia não chegar, sempre existirão (espera-se) canais como os que a internet proporciona para que os indignados ao menos expressem, às vezes hiperbolicamente, sua particular inconformidade diante desse cenário contrário à democracia, no seu sentido mais profundo. E, gostem ou não, nunca será demais falar sobre esse tema...”
FONTE: escrito por Rodolpho Motta Lima, advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ, com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil. Artigo publicado no site “Direto da Redação” (http://www.diretodaredacao.com/noticia/o-valor-do-contraditorio).
“Pela sua própria natureza, a política é um convite à radicalização das ideias. Afinal, é pelas veredas políticas que se conduzem os destinos das pessoas. E há políticas e políticas. Há as que se comprometem com as massas, há as que se voltam para menores interesses individuais, há as que se preocupam com projetos sociais, há as que se subordinam às nada naturais “leis” do mercado. Dependendo do ponto de vista em que nos situemos, o entusiasmo que nos leva à defesa de uma ou outra causa ou à crítica desta ou daquela postura pode, realmente, produzir exageros. É humano.
Essa causa ou motivação que nos leva a externar com veemência exacerbada – mas honesta - os nossos pontos de vista, fruto de uma ideologia, de uma visão do mundo, não pode, porém, ser confundida com a intenção ou ação que, conscientemente, deturpa os fatos em nome dos interesses de um grupo político ou econômico. Porque aí estaremos diante de posicionamento intelectualmente desonesto, um estelionato ideológico. Ninguém que queira ver preservada uma autêntica ética, não a hipócrita ética de fachada, aceita ou justifica manifestações sectárias, absolutistas, sutilmente destinadas a deixar escondida, com a cortina de fumaça de uma falsa indignação, uma verdade indesejada, ou um pedaço dela.
Mesmo entre os exageros, há que se saber distinguir. Como professor de literatura, vivo ensinando aos meus alunos que a hipérbole, embora muitas vezes ferramenta de um mal intencionado pensamento maniqueísta, pode ser, em muitas ocorrências, um recurso expressivo para se pôr em evidência um fato, uma pessoa, uma ideia, supervalorizando esses elementos. Qualquer apaixonado de plantão exemplifica isso...
Esses comentários, uma vez mais (nunca é demais) vêm a propósito dos posicionamentos assumidos em face da discussão sobre o controle social da mídia, essa mídia que, em nome de uma pretensa liberdade de informar, muitas vezes desinforma, quando não deforma, mas não admite que se discutam os seus propósitos, os seus métodos de “persuasão”, a sua covardia intelectual.
Seria desejável que, em nosso país, houvesse um conjunto de órgãos midiáticos – jornal, rádio e tevê – tão espalhados pelo país como os das organizações que monopolizam a opinião publicada, com seus veículos próprios, afiliados e retransmissores. Uma mídia que pudesse fazer um contraponto às existentes, não para reproduzir no sentido contrário os seus defeitos, mas para apresentar o mundo e as coisas de uma forma não comprometida, diferente dessa monocórdia visão elitista que nós é imposta. Uma mídia que trabalhasse o fato, analisasse as ações, trouxesse verdadeiramente à luz o contraditório, sem intenções deletérias ou pautados interesses de grupos, e fornecesse instrumentos confiáveis para a formação de opinião.
Pode ser um pensamento utópico, um desejo irrealizável. Afinal, alguém já disse que o jornalismo existe para ser oposição, ou seja, para só apresentar um lado das questões. De qualquer forma, se essa mídia alternativa existisse, não nas doses homeopáticas de hoje, mas com a mesma abrangência que verificamos nesse conglomerado que domina a informação no país, isso talvez diminuísse e tornasse menos candentes as pessoas indignadas com esse panorama. Afinal, haveria igualdade de forças, com a mesma penetração, capaz de mostrar outras visões, outras perspectivas, onde pudessem coexistir o preto e o branco e, mais que isso, essa grande área cinzenta na qual virtudes e defeitos se combinam, apenas uns predominando sobre os outros, conforme o caso.
Se essa mídia existisse, não se sentiria tanta indignação diante da manipulação das notícias, diante da hipocrisia reinante nesse comportamento típico dos “bons moços de boa família”, dos “defensores da moral ocidental e cristã”, dos “guardiães do templo das virtudes”, que escamoteia a verdade em formatação contemporânea da fábula do “(g)lobo com pele de cordeiro”... E talvez nem se falasse em controle... Certas reações, às vezes assumidamente radicais, têm a ver com a revolta diante da falta de decoro que é o desfrute quase monopolista de concessões do povo (ou não são isso as concessões públicas?) para o enriquecimento de uns poucos através de atitudes que, em última análise, são dissimuladas, enganosas e contra os interesses do próprio povo.
Há quem acredite na ausência de um propósito ideológico desse grupo seleto que fala sozinho, mas defende a “liberdade de expressão”. Um dia, porém, os brasileiros perceberão os males desse império da informação comprometida que vende ideias e quer comprar corações, com suas celebridades impostas ou cooptadas, seus fatos destorcidos ao bel prazer, seu circo (sem pão, porque esse o Governo dá) que pretende amortecer as massas, mascarando as desigualdades com fantasias de lixões idílicos, domésticas de sucesso e outras que tais. Enquanto esse dia não chegar, sempre existirão (espera-se) canais como os que a internet proporciona para que os indignados ao menos expressem, às vezes hiperbolicamente, sua particular inconformidade diante desse cenário contrário à democracia, no seu sentido mais profundo. E, gostem ou não, nunca será demais falar sobre esse tema...”
FONTE: escrito por Rodolpho Motta Lima, advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ, com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil. Artigo publicado no site “Direto da Redação” (http://www.diretodaredacao.com/noticia/o-valor-do-contraditorio).