O inimputável – Editorial / O Estado de S. Paulo

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  • quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
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  • Eis a palavra de ordem: Luiz Inácio Lula da Silva paira acima da Justiça, e o seu detrator, o publicitário Marcos Valério, é um desqualificado. Desde que, na semana passada, este jornal revelou que o operador do mensalão, em depoimento à Procuradoria-Geral da República, em setembro último, acusou o ex-presidente de ter aprovado o esquema de compra de votos de deputados e de tirar uma casquinha da dinheirama que correu solta à época do escândalo, o apparat petista e os políticos governistas apressaram-se a fazer expressão corporal de santa ira: "Onde já se viu?!".

    Apanhado em Paris pela notícia da denúncia, Lula limitou-se a dizer que era tudo mentira, alegou indisposição para não comparecer a um jantar de gala oferecido pelo presidente François Hollande à colega brasileira Dilma Rousseff e, no dia seguinte, fugiu da imprensa, entrando e saindo dos recintos pela porta dos fundos - algo não propriamente honroso para um ex-chefe de Estado que se tem em altíssima conta. Em seguida, usando como porta-voz o secretário geral da Presidência, Gilberto Carvalho, declarou-se "indignado". Outros ministros também se manifestaram. Como nem por isso as acusações de Valério se desmancharam no ar, nem o PT ocupou as praças para fulminá-las, os políticos tomaram para si a defesa do acusado.

    Na terça-feira, um dia depois do término do julgamento do mensalão, oito governadores se abalaram a São Paulo em romaria de "solidariedade" a Lula, na sede do instituto que leva o seu nome. De seu lado, a bancada petista na Câmara dos Deputados promoveu na sala do café da Casa um ato pró-Lula. Foi um fracasso de bilheteria: poucos parlamentares da base aliada (e nenhum senador) atenderam ao chamado do líder do PT, Jilmar Tatto, para ouvir do líder do governo Dilma, Arlindo Chinaglia, que Lula "é (sic) o maior presidente do Brasil", além de "patrimônio do País", na emenda do peemedebista Henrique Eduardo Alves, que deve assumir o comando da Câmara em fevereiro. Não faltaram, naturalmente, os gritos de "Lula, guerreiro do povo brasileiro".

    Já a reverência dos governadores - aparentemente, uma iniciativa do cearense Cid Gomes - transcorreu a portas fechadas. Havia três petistas, dois pessebistas (mas não Eduardo Campos, que se prepara para ser "o cara" em 2014 ou 2018), dois peemedebistas e um tucano, Teotônio Vilela Filho, de Alagoas, autodeclarado amigo de Lula. Seja lá o que tenham dito e ouvido no encontro, os seus comentários públicos seguiram estritamente a cartilha da intocabilidade de Lula, com as devidas variações pessoais. Agnelo Queiroz, do PT do Distrito Federal, beirou a apoplexia ao proclamar que Valério fez um "ataque vil, covarde, irresponsável e criminoso" a Lula. "Só quem confia em vigarista dessa ordem quer dar voz a isso."

    Não se trata, obviamente, de confiar em vigaristas, mas de respeitar os fatos. Valério procurou o Ministério Público - não vem ao caso por que - para fazer acusações graves a um ex-presidente e ainda figura central da política brasileira. Não divulgá-las seria compactuar com uma das partes, em detrimento do direito da sociedade à informação. Tudo mais é com a instituição que tomou o depoimento do gestor do mensalão, condenado a 40 anos. Ainda ontem, por sinal, o procurador-geral Roberto Gurgel, embora tenha mencionado o contraste entre as frequentes declarações "bombásticas" de Valério e os fatos apurados, prometeu examinar "em profundidade" e "rapidamente" as alegações envolvendo Lula.

    Não poderia ser de outra forma. "Preservar" o ex-presidente, como prega o alagoano Teotônio Vilela Filho, porque ele tem "um grande serviço prestado ao Brasil", é incompatível com o Estado Democrático de Direito. O que Lula fez pelo País pode ser aplaudido, criticado ou as duas coisas, nas proporções que se queiram. O que não pode é torná-lo literalmente inimputável. Dizer, por outro lado, como fez o cearense Cid Gomes, que Valério não foi "respeitoso com a figura do ex-presidente e com a memória do Brasil" põe a nu a renitente mentalidade que evoca a máxima atribuída ao ditador Getúlio Vargas: "Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei".
     
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