Fux buscou apoios variados e se submeteu ao “beija-mão”
“É assim que se chega à Corte Suprema? Que outra mão ele beijou e não confessa?
Saiu na revista “Carta Capital” artigo de Walter Maierovitch:
O BEIJA-MÃO DE FUX
“Fora o beijo traidor de Judas relatado nos evangelhos de Mateus e Marcos, entrou para a história, como sinal de reverência e de subserviência, o cerimonial do “beija-mão” introduzido no ano 527 pela imperatriz bizantina Teodora, esposa de Justiniano I. A imperatriz, favorável ao aborto e contra a pena de morte à adúltera, virou santa da Igreja Ortodoxa. No seu rastro, os papas da Igreja Católica Apostólica Romana posicionaram-se como receptores do “beija-mão” e recebem visitantes que se inclinam e lançam um ósculo no anel pontifício.
Em entrevista à “Folha de S.Paulo”, o ministro Luiz Fux, quando na sua terceira tentativa de obter uma cadeira vitalícia no Supremo Tribunal Federal (STF), buscou apoios variados e se submeteu ao “beija-mão”. É grande o elenco dos visitados por Fux. De José Dirceu a João Paulo Cunha. Sem falar em Antonio Palocci, Paulo Skaf, presidente da FIESP, e João Pedro Stedile, do MST. Chegou ao ponto de buscar aproximação com a namorada de Dirceu, Evanise Santos. Segundo o deputado Cândido Vacarezza, Paulo Maluf, que responde a três ações no STF por lavagem de dinheiro da corrupção, intercedeu pelo magistrado. Fux só não buscou o apoio da torcida do Flamengo, pois nessas horas contam apenas os votos dos cartolas.
A conduta postulatória de Fux, na ocasião ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), serve para ilustrar como o lobby conta e nem sempre o mérito profissional representa o principal atributo para se chegar a uma cadeira na mais alta Corte. Não fosse primo do presidente Collor de Mello, o atual ministro Marco Aurélio, que nas últimas sessões propôs pena baixa e prescrita a Roberto Jefferson e, com relação ao segundo crime imputado, absolvição pela desconsideração ao voto condenatório do ministro Ayres Britto, não teria chegado ao STF como pouco conhecido juiz do trabalho. A então desembargadora Ellen Gracie havia sido vetada por Fernando Henrique Cardoso para o STJ, mas, após receber apoio do conterrâneo Nelson Jobim, fez um ‘upgrade’ e foi indicada pelo mesmo FHC como ministra do Supremo. Se não era capacitada para um tribunal de hierarquia menor, como, num passe de mágica e em pouco tempo, Ellen Gracie acabou indicada para o órgão de cúpula da magistratura?
Fux, por escolha de Dilma Rousseff em fevereiro de 2011, chegou ao STF em março, quando a denúncia da ação penal apelidada de “mensalão” já havia sido recebida (agosto de 2007). O fato, aliás, contou com rumorosa audiência pública e total cobertura jornalística. Dirceu era, portanto, réu do “mensalão” quando Fux partiu para o “beija-mão”. Segundo o ministro, houve apenas um encontro. Dirceu afirma terem sido duas visitas.
Sobre a visita ou visitas a Dirceu, Fux afirmou, sem corar, “ter esquecido” de que o ex-ministro era réu do “mensalão”. Com o deputado e também réu João Paulo Cunha, à época presidente da Câmara, o juiz esteve numa reunião para um café da manhã e se recusou a revelar o teor da conversa. É, no mínimo, estranho um ministro do STJ comparecer a esse tipo de reunião. Algo semelhante ao encontro do ministro Gilmar Mendes com representantes do partido Democratas após a conhecida reunião com Lula e Jobim.
Nos agendados encontros para o “beija-mão”, Fux admitiu que o tema “mensalão” foi mencionado. E restou claro que os apoiadores aguardavam do ministro um voto diferente do que deu. Sobre o processo, o magistrado, perante estrelas petistas, disse que “mataria no peito”. Na chave de leitura dos “mensaleiros” e “filomensaleiros”, o “matar no peito” seria o golaço da absolvição. Hoje interpretam a expressão como gol contra de um traíra. Fux, agora, ressalta com ênfase o que não disse quando do lobby: “Não troco consciência e independência por cargo”. E sentenciou: “A prova dos autos desmentia o discurso da falta de provas da responsabilidade de Dirceu e demais acusados”.
Sobre o “beija-mão”, recordo uma antiga conversa com o juiz Márcio José de Moraes. Perguntei se ele seria escolhido para ocupar uma vaga aberta no Supremo. Moraes era um jurista de mão-cheia, juiz independente que, em pleno regime de exceção, havia, por corajosa sentença e como magistrado de primeiro grau, condenado a ditadura pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog. A resposta, que guardo até hoje e que contei e recontei aos meus filhos bacharéis em Direito: “Wálter, não tenho nenhuma chance de ir para o Supremo, pois me recuso a fazer campanha, lobby e pedir apoio para políticos. Se algum presidente da República achar que tenho mérito, que me escolha”.
Do episódio, Fux sai com a toga chamuscada. Não dá impeachment e ele não foi o inventor do “beija-mão”. Nem o Brasil, como muitos propagam, mudou depois das condenações no ‘mensalão’.”
[P.S deste ‘democracia&política’: Segundo recentemente veio a público, Joaquim Barbosa também foi a José Dirceu pedir que interferisse junto a Lula para alcançar a sua indicação para ser ministro do STF, caso esse semelhante ao de Luiz Fux. Barbosa teve êxito. Foi nomeado.
Assim, em ambos os casos, teria havido "crime de tráfico de influência", classificação esta que a imprensa tem adotado para casos análogos da "Operação Porto Seguro".
Como já escreveu Mauro Santayana em postagem transcrita neste blog, ambos, se fossem juízes de tempos mais antigos, se declarariam suspeitos e se eximiriam de participar do julgamento do ‘mensalão’. Não por se sentirem tentados a absolver, por gratidão; mas, sim, ao contrário, por se sentirem tentados a condenar, exatamente por terem sido ajudados. Há uma desconfiança universal e muito antiga de que muitos, ao receber um favor, passam a odiar quem os ajuda. Ulysses Guimarães sempre dizia: “o dia do benefício é a véspera da ingratidão”.
Ver: http://democraciapolitica.blogspot.com.br/2012/12/escandalo-descoberto-trafico-de.html e http://democraciapolitica.blogspot.com.br/2012/12/justica-e-coisa-seria-sobre-o-ministro.html].
P.S: “Ele falou para mim que tinha estudado o processo, que o processo não tinha prova nenhuma, que era um processo sem fundamento e que ele tomaria uma posição muito clara." (Gilberto Carvalho, secretário geral da Presidência, sobre conversa com Luiz Fux antes de sua indicação como ministro do STF).
FONTE: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/
FONTE: artigo de Walter Maierovitch na revista “Carta Capital”. Transcrito no portal “Conversa Afiada” (http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2012/12/10/o-beija-mao-de-fux/).