Por Venício A. de Lima, no Observatório da Imprensa:
“The Leveson Inquiry” de 2012 – e não só seu relatório final – talvez venha a se tornar, para a imprensa nas democracias liberais, uma referência equivalente àquela da Hutchins Commission (1942-1947) na década de 1940.
Sem abrir mão de princípios liberais clássicos, ao contrário, buscando a proteção deles e sem enfrentar diretamente questões críticas como a propriedade cruzada dos meios, tanto Hutchins quanto Leveson, a partir do diagnóstico que fizeram do funcionamento da indústria de comunicação nos seus respectivos tempos, recomendaram medidas que, em princípio, buscam resguardar o principal papel atribuído à própria imprensa: formar a opinião pública democrática através da livre circulação de ideias na esfera pública.
Estados Unidos versus Inglaterra
Nos Estados Unidos, há mais de 60 anos, já se tornara impossível sustentar a doutrina do “livre mercado de ideias” paralelo ao “livre mercado de bens e serviços”. As empresas privadas que exploravam os serviços de comunicação estavam suficientemente oligopolizadas para impedir o acesso livre e igual do cidadão ao debate público. A proposta Hutchins – uma comissão formada por treze empresários e acadêmicos – foi transferir, então, a livre circulação de ideias para dentro dos próprios meios de comunicação, por meio da prática da objetividade e da imparcialidade jornalísticas, da ética profissional amparadas pela “teoria da responsabilidade social da imprensa” (ver “Comissão Hutchins – O velho (novo) paradigma faz 61 anos“).
Na Inglaterra dos nossos dias, depois de dezesseis meses de investigação conduzidas por um juiz federal que ouviu desde o primeiro-ministro até barões da grande mídia, comprovaram-se práticas criminosas de oligopólios privados de mídia protegidos pela falsa retórica da liberdade da imprensa, com a cumplicidade da polícia e, em alguns casos, com o conhecimento e envolvimento direto ou indireto de políticos nos mais altos escalões do poder.
Mais ainda. Comprovou-se que a agência autorreguladora (a Press Complaints Commission, PCC), formada por integrantes da própria imprensa, havia sido incapaz de coibir os crimes e funcionava como um lobby dela mesma, a imprensa. A recomendação foi, então, criar uma agencia reguladora independente, tanto da indústria de comunicação quanto do governo, amparada por lei, com adesão voluntária e financiada pela própria imprensa privada.
Trata-se, na verdade, apesar da insistência do próprio Leveson em nomeá-la de autorreguladora, de uma agência pública autônoma e independente de regulação.
O fato do Inquérito Leveson e suas recomendações ocorrerem na Inglaterra, berço moderno da liberdade de expressão e da liberdade de imprimir, onde já existe uma agencia reguladora para as comunicações – a Ofcom – confere um simbolismo ainda maior a elas.
Mais compreensão
Depois do relatório Leveson, será ainda defensável a posição dos donos da mídia de que qualquer regulação da mídia (mesmo aquela prevista na Constituição de 1988) significa um ataque à liberdade de expressão ou censura? Será o relatório Leveson suficiente para convencer os oligopólios privados brasileiros de que sua atividade precisa ser regulada em nome do interesse público?
Um dos argumentos que circula entre aqueles que se opõem à regulação democrática da mídia é que o Brasil não estaria “culturalmente” preparado para que se apliquem aqui medidas semelhantes às sugeridas para a Inglaterra. Não teríamos uma cultura política predominante democrática, mas autoritária.
Curioso.
Hipólito da Costa, residindo em Londres, portanto livre da censura luso-brasileira, traduziu e publicou no seu Correio Braziliense, ainda em 1810, o mais importante panfleto de defesa da liberdade de expressão e da liberdade de imprimir – o Areopagitica, de John Milton, escrito em 1644.
Alguns anos depois, em 1821, o baiano José da Silva Lisboa (mais tarde visconde de Cairu) – um dos expoentes históricos do liberalismo brasileiro – no seu Conciliador do Reino Unido, baseado nas ideias de Friedrich von Gentz, defendia a censura e listava os danos que “a liberdade da imprensa vinha causando no mundo livre” (sic).
Desde aquela época, portanto, mesmo considerando o enorme atraso em relação à Inglaterra dos seiscentos, já circulavam entre as elites brasileiras ideias conflitantes sobre liberdade de expressão e liberdade da imprensa. A elite conhecia e debatia essas questões.
Mais de duzentos anos depois, em pleno século 21, ainda faz sentido o argumento do atraso cultural? Ou seria esse o mesmo velho argumento das elites na desqualificação do conjunto da população e em defesa de seus interesses privados? Quem são os autoritários na cultura política brasileira?
O inquérito Leveson, na verdade, nos ajuda a compreender melhor – comparativamente – o que vem se passando no Brasil. E já faz muito tempo.
“The Leveson Inquiry” de 2012 – e não só seu relatório final – talvez venha a se tornar, para a imprensa nas democracias liberais, uma referência equivalente àquela da Hutchins Commission (1942-1947) na década de 1940.
Sem abrir mão de princípios liberais clássicos, ao contrário, buscando a proteção deles e sem enfrentar diretamente questões críticas como a propriedade cruzada dos meios, tanto Hutchins quanto Leveson, a partir do diagnóstico que fizeram do funcionamento da indústria de comunicação nos seus respectivos tempos, recomendaram medidas que, em princípio, buscam resguardar o principal papel atribuído à própria imprensa: formar a opinião pública democrática através da livre circulação de ideias na esfera pública.
Estados Unidos versus Inglaterra
Nos Estados Unidos, há mais de 60 anos, já se tornara impossível sustentar a doutrina do “livre mercado de ideias” paralelo ao “livre mercado de bens e serviços”. As empresas privadas que exploravam os serviços de comunicação estavam suficientemente oligopolizadas para impedir o acesso livre e igual do cidadão ao debate público. A proposta Hutchins – uma comissão formada por treze empresários e acadêmicos – foi transferir, então, a livre circulação de ideias para dentro dos próprios meios de comunicação, por meio da prática da objetividade e da imparcialidade jornalísticas, da ética profissional amparadas pela “teoria da responsabilidade social da imprensa” (ver “Comissão Hutchins – O velho (novo) paradigma faz 61 anos“).
Na Inglaterra dos nossos dias, depois de dezesseis meses de investigação conduzidas por um juiz federal que ouviu desde o primeiro-ministro até barões da grande mídia, comprovaram-se práticas criminosas de oligopólios privados de mídia protegidos pela falsa retórica da liberdade da imprensa, com a cumplicidade da polícia e, em alguns casos, com o conhecimento e envolvimento direto ou indireto de políticos nos mais altos escalões do poder.
Mais ainda. Comprovou-se que a agência autorreguladora (a Press Complaints Commission, PCC), formada por integrantes da própria imprensa, havia sido incapaz de coibir os crimes e funcionava como um lobby dela mesma, a imprensa. A recomendação foi, então, criar uma agencia reguladora independente, tanto da indústria de comunicação quanto do governo, amparada por lei, com adesão voluntária e financiada pela própria imprensa privada.
Trata-se, na verdade, apesar da insistência do próprio Leveson em nomeá-la de autorreguladora, de uma agência pública autônoma e independente de regulação.
O fato do Inquérito Leveson e suas recomendações ocorrerem na Inglaterra, berço moderno da liberdade de expressão e da liberdade de imprimir, onde já existe uma agencia reguladora para as comunicações – a Ofcom – confere um simbolismo ainda maior a elas.
Mais compreensão
Depois do relatório Leveson, será ainda defensável a posição dos donos da mídia de que qualquer regulação da mídia (mesmo aquela prevista na Constituição de 1988) significa um ataque à liberdade de expressão ou censura? Será o relatório Leveson suficiente para convencer os oligopólios privados brasileiros de que sua atividade precisa ser regulada em nome do interesse público?
Um dos argumentos que circula entre aqueles que se opõem à regulação democrática da mídia é que o Brasil não estaria “culturalmente” preparado para que se apliquem aqui medidas semelhantes às sugeridas para a Inglaterra. Não teríamos uma cultura política predominante democrática, mas autoritária.
Curioso.
Hipólito da Costa, residindo em Londres, portanto livre da censura luso-brasileira, traduziu e publicou no seu Correio Braziliense, ainda em 1810, o mais importante panfleto de defesa da liberdade de expressão e da liberdade de imprimir – o Areopagitica, de John Milton, escrito em 1644.
Alguns anos depois, em 1821, o baiano José da Silva Lisboa (mais tarde visconde de Cairu) – um dos expoentes históricos do liberalismo brasileiro – no seu Conciliador do Reino Unido, baseado nas ideias de Friedrich von Gentz, defendia a censura e listava os danos que “a liberdade da imprensa vinha causando no mundo livre” (sic).
Desde aquela época, portanto, mesmo considerando o enorme atraso em relação à Inglaterra dos seiscentos, já circulavam entre as elites brasileiras ideias conflitantes sobre liberdade de expressão e liberdade da imprensa. A elite conhecia e debatia essas questões.
Mais de duzentos anos depois, em pleno século 21, ainda faz sentido o argumento do atraso cultural? Ou seria esse o mesmo velho argumento das elites na desqualificação do conjunto da população e em defesa de seus interesses privados? Quem são os autoritários na cultura política brasileira?
O inquérito Leveson, na verdade, nos ajuda a compreender melhor – comparativamente – o que vem se passando no Brasil. E já faz muito tempo.