Transcrição de relatórios oficiais mostra tensão dos técnicos no blecaute que atingiu 8 Estados em 2011
Diálogos entre operadores do sistema elétrico revelam o despreparo nas subestações e nos centros de controle para enfrentar interrupções no fornecimento de energia, informam os repórteres Alana Rizzo e Iuri Dantas. As transcrições constam de relatórios da Aneel e do Operador Nacional do Sistema (ONS), obtidos pelo Estado por meio da Lei de Acesso à Informação. Eles mostram a tensão dos técnicos no apagão de fevereiro de 2011, que deixou oito Estados do Nordeste sem luz por horas. À época, o governo atribuiu o apagão a defeito em placa eletrônica. Nos minutos seguintes ao blecaute, os técnicos mostravam-se perdidos. Faltou energia para abrir um portão que dá acesso a alguns equipamentos. Foi preciso quebrar a fechadura. O relatório da Aneel também lista disjuntores fechados, discrepâncias na supervisão e dificuldade de acesso aos procedimentos operacionais para a religar a instalação.
Diálogos gravados revelam despreparo de operadores para lidar com apagão
Transcrição de relatórios da Aneel e do ONS mostra tensão dos técnicos durante o blecaute ocorrido no Nordeste em fevereiro de 2011
Mana Uizzo, Suri Dantas
BRASÍLIA - Diálogos inéditos entre opera¬dores do sistema elétrico reve¬lam o despreparo das subesta¬ções e dos centros de controle para enfrentar interrupções no fornecimento. As transcri¬ções constam dos relatórios da Agência Nacional de Ener¬gia Elétrica (Aneel) e do Ope¬rador Nacional do Sistema (ONS), obtidos pelo ‘Estado’ por meio da Lei de Acesso à In¬formação.
Elas mostram o “sufoco” dos técnicos durante o apagão de fe¬vereiro do ano passado, que dei¬xou oito Estados do Nordeste sem luz por horas. À época, o go¬verno Dilma Rousseff atribuiu o apagão a um defeito ocorrido em uma placa eletrônica.
Nos minutos seguintes ao ble¬caute, os técnicos batiam cabe¬ça. Faltou energia para abrir um portão e assim conseguir religar alguns equipamentos. Foi preci¬so quebrar a fechadura, atrasan¬do a solução.
A subestação desconhecia co¬mo proceder e foi preciso ir atrás do manual de instruções em ci¬ma da hora. “É porque a gente tem que pegar o guia aqui por¬que não tem como acessar, aí es¬tamos pegando o guia do norma¬tivo aqui e vamos fazer com ele”, completa.
Quando o abastecimento de todo o Nordeste dependia ape¬nas da abertura de uma chave, como previa o guia de opera¬ções, os técnicos envolvidos dis¬cutiam se, em vez de abrir como previa o rito normal, não era me¬lhor fechar essa mesma chave. “Tá dependendo tudo, tem risco até de inundação na usina IV, tem que fechar”, respondeu o Centro de Operações.
‘Funciona não’. Duas horas de¬pois de iniciado o apagão, o Cen¬tro Regional de Operações (Crop) da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) questionou o técnico da subestação de Sobradinho se lá havia um equipamento chama¬do mesa de sincronismo. “Fun¬ciona não... Vou chamar um ra¬paz para ver se liga ela, muitos anos sem ligar, viu, chamo você depois”, foi a resposta.
O relatório da Aneel lista as ir¬regularidades. Além do portão travado, aparelhos fora de opera¬ção, disjuntores fechados, discrepâncias no sistema de supervi¬são e controle e dificuldade de acesso aos procedimentos opera¬cionais para a recomposição da instalação.
A placa que apresentou defei¬to dando origem ao apagão deve¬ria ter sido substituída quatro anos antes, informam os relató¬rios. Responsável pela fiscaliza¬ção das concessionárias, a Aneel não verificou se o equipamento fora efetivamente trocado. Tam-pouco sabia que duas usinas não tinham a máquina para religamento automático, para casos como aquele. Ao final, coube à agência reguladora pôr no papel o relato de uma sucessão de pro¬blemas facilmente evitáveis. Os erros renderam à Chesf uma mul¬ta de R$ 32 milhões.
Proteção. Segundo os docu¬mentos liberados pela Aneel, a “perturbação” no Sistema Inter¬ligado Nacional começou às ; oho8 do dia 4 de fevereiro de 2011, quando o sistema de proteção desligou automaticamente a linha de transmissão (LT) entre as subestações de Luiz Gonzaga e Sobradinho. O caso teria se encerrado aí, “caso a falha des¬crita não fosse acompanhada de procedimentos inadequados de operação das equipes de tempo real da Chesf”.
Mesmo depois de tomar as me¬didas necessárias e religar a li¬nha de transmissão, a energia não voltou. Segundo a Aneel, as equipes “disponibilizaram a LT 500 kV Luiz Gonzaga-Sobradinho, sem no entanto retirar o blo¬queio da linha, impossibilitando a reintegração da linha à opera¬ção, atrasando o reestabeleci- mento do sistema”.
Fonte: O Estado de S. Paulo