As gerações dos direitos fundamentais e a mentalidade anti-liberal

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  • sábado, 8 de dezembro de 2012
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    Foi publicado no Instituto Mises Brasil um excelente artigo de André Luiz Santa Cruz Ramos, A mentalidade anticapitalista do STF, no qual ele defende, por meio de vários julgados usados como ilustração, que sempre em que há um aparente conflito entre o princípio da livre concorrência e da livre iniciativa com princípios sociais, o Supremo tende a interpretar a Constituição de modo a conferir mais força aos princípios sociais. O artigo é bastante instrutivo e em uma das notas de rodapé chamou-me a atenção pela seguinte reflexão:

    “Para um verdadeiro liberal, os únicos direitos fundamentais legítimos são os de primeira geração, como liberdade, vida e propriedade. São direitos negativos, que não exigem um fazer de ninguém para serem assegurados. Os direitos fundamentais de segunda geração (direito à saúde, direito ao emprego, direito à educação, direito à moradia etc.), consagrados pelo estado de bem-estar social (Welfare State), e os direitos fundamentais de terceira geração (direito ao meio ambiente equilibrado etc.), por sua vez, são direitos positivos, representando, em si mesmos, a negação dos direitos de primeira geração, por exigirem que o estado viole o direito de propriedade das pessoas para assegurá-los. Eles são, pois, a perversão da Lei, como disse Bastiat em sua magnifica obra: “a Lei perverteu-se por influência de duas causas bem diferentes: a ambição estúpida e a falsa filantropia”. Esses supostos direitos de segunda e terceira gerações não caem do céu. Por isso Bastiat dizia que “a ilusão dos dias de hoje [e olhem que ele viveu de 1801 a 1850] é tentar enriquecer todas as classes, à custa uma das outras. Isto significa generalizar a espoliação sob o pretexto de organizá-la”: BASTIAT, Frédéric. A Lei. 3ª ed. São Paulo: Instituto Mises Brasil, 2010. Será que nossos Ministros já leram Bastiat?”

    Tomei a liberdade de sublinhar no texto a parte interessante. André Luiz Santa Cruz Ramos está montado na razão. As ditas gerações de direito são apenas uma construção teórica que infelizmente tomou corpo e acabou por se impregnar na ciência jurídica e jurisprudência como espécie de obviedade teórica. Contudo, da mesma forma que a noção de progresso não é compatível com a realidade, a noção de que as formas constitucionais evoluíram de modo sucessivo (em ondas, diriam alguns) para abarcar direitos fundamentais de caráter social (2ª geração) e lúdico (3ª geração) não corresponde nem com a realidade nem com a própria lógica jurídica. Trata-se de uma negação de direitos, na medida em que para sua imposição é necessário que haja expropriação da propriedade e liberdade dos indivíduos. E isso, após gerações de juristas ideologicamente comprometidos, dada a propagação maciça de que os direitos sociais são apenas um complemento dos direitos individuais, quando na verdade são, ao final, uma maliciosa subtração da propriedade e liberdade, está consolidado como uma espécie de senso comum.

    O fato é que qualquer prestação positiva pelo estado pressupõe uma aparato burocrático para fazê-la, além dos recursos usados para a própria finalidade. Tais recursos não são frutos de uma cornucópia, mas de tributos que pesam sobre os indivíduos. Para estabelecer como direito social a saúde, por exemplo, o estado precisa de uma aparato público ou para manter o tratamento ou para administrar burocraticamente sua mediação, nos casos em que não seja prestado diretamente, de modo que os custos para manutenção de tal sistema serão confiscados por meio de impostos, limitando tanto a propriedade dos que tiverem de pagá-los quanto a liberdade dos que não concordaram com a concessão desse direito para começo de conversa.

    Em outro aspecto, há sinal mais claro dessa completa incompatibilidade entre as gerações de direitos do que o termo “função social”?

    O art. 421 do Código Civil, por exemplo, trouxe a seguinte inovação: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Uma severa limitação da liberdade. O que o artigo quer dizer é, em outras palavras, que alguém pode não ter o direito de contratar livremente se o fator “função social” estiver sendo violado. Não é preciso nenhum exercício especial de imaginação para saber que a liberdade está ferida de morte quando a definição de função social depender de um burocrata.

    As gerações de direito ensinadas nos manuais são, em suma, uma construção teórica que anestesia nossa percepção para sua própria contradição interna: negar a liberdade e a propriedade sob a desculpa de garantir direitos fundamentais.

     
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