Do Blog 247 via Blog da Dilma
“247 – Há mais de um mês, na sessão de 4 de outubro da Ação Penal 470, no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro revisor Ricardo Lewandowski fez um alerta à corte: a teoria do domínio do fato não se aplicava ao réu José Dirceu, julgado naquele momento.
Disse ele: "Eu termino dizendo que não há provas e que essa teoria do ‘domínio do fato’, nem mesmo se chamássemos Roxin, poderia ser aplicada ao caso presente".
Lewandowski se refere ao jurista alemão Claus Roxin, que aprimorou a teoria. De acordo com sua tese, o autor do crime não é apenas quem o executa, mas também quem tem o poder e a posição hierárquica para decidir que ele seja colocado em prática.
Em entrevista concedida à “Folha de S.Paulo” [publicada ontem, domingo], Roxin faz críticas ao uso de sua tese, afirmando que só o cargo do réu não é suficiente para provar a autoria de um crime.
Leia a transcrição de trecho do discurso de Lewandowski, que absolve o ex-ministro José Dirceu pelo crime de corrupção ativa.
"Senhor presidente, eu trago o depoimento insuspeito do próprio Claus Roxin, que foi fazer uma conferência inaugural na já famosa Universidade de Lucerna na Suíça. Aliás, tive a honra e o privilégio de proferir uma palestra agora em maio, tanto na Universidade de Berna quanto na de Lucerna, a convite do Governo Suíço. É um lugar onde se cultiva um pensamento crítico do direito, mas Claus Roxin, 40 anos depois de ter idealizado essa teoria, no ano de 1963, ele vai lá na Universidade de Lucerna, na aula inaugural porque essa Universidade é recém-criada, e diz o seguinte:
Começou a manifestar preocupação com o alcance indevido que alguns juristas e certas cortes de justiça, em especial o Supremo Tribunal Federal alemão, estariam dando a sua teoria, especialmente ao estendê-la a delitos econômicos ambientais, sem atentar que os pressupostos essenciais de sua aplicação que ele mesmo havia estabelecido, dentre os quais a fungibilidade dos membros da organização delituosa (...).
Nesse caso [da “Ação Penal 470], não há fungibilidade porque os réus são nominados, identificados, eles têm nome, RG, endereço, não há uma razão, a meu ver, para se aplicar a teoria do “domínio do fato”. Não há porque nós não estamos em uma situação excepcional, nós não estamos em Guerra, felizmente. Então, senhor presidente, eu termino dizendo que não há provas e que essa teoria do ‘domínio do fato’, nem mesmo se chamássemos Roxin, poderia ser aplicada ao caso presente".
FONTE: do “Blog 247”; transcrito no “Blog da Dilma” (http://blogdadilma.com/index.php/politica/1212-revisor-alertou-stf-sobre-erro-no-dominio-do-fato). [Pequenos ajustes e trechos entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].
COMPLEMENTAÇÃO
ENTREVISTA CLAUS ROXIN
DA “FOLHA”
“Participação no comando de esquema tem de ser provada”
“Um dos responsáveis por teoria citada no julgamento do STF, jurista alemão diz que juiz não deve ceder a clamor popular”
Por Cristina Grillo Denise Menchen, da “Folha”
“Insatisfeito com a jurisprudência alemã - que até meados dos anos 1960 via como participante, e não como autor de um crime, aquele que, ocupando posição de comando, dava a ordem para a execução de um delito-, o jurista alemão Claus Roxin, 81, decidiu estudar o tema.
Aprimorou a teoria do domínio do fato, segundo a qual autor não é só quem executa o crime, mas quem tem o poder de decidir sua realização e faz o planejamento estratégico para que ele aconteça.
Roxin diz que "essa decisão precisa ser provada, não basta que haja indícios de que ela possa ter ocorrido".
Nas últimas semanas, sua teoria foi citada por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) no julgamento do mensalão. Foi um dos fundamentos usados por Joaquim Barbosa na condenação do ex-ministro José Dirceu.
"Quem ocupa posição de comando tem que ter, de fato, emitido a ordem. E isso deve ser provado", diz Roxin.
Ele esteve no Rio há duas semanas participando de seminário sobre direito penal.
Folha - O que o levou ao estudo da teoria do domínio do fato?
Claus Roxin - O que me perturbava eram os crimes do nacional socialismo. Achava que quem ocupa posição dentro de um chamado aparato organizado de poder e dá o comando para que se execute um delito, tem de responder como autor e não só como partícipe, como queria a doutrina da época.
Na época, a jurisprudência alemã ignorou minha teoria. Mas conseguimos alguns êxitos. Na Argentina, o processo contra a junta militar de Videla [Jorge Rafael Videla, presidente da Junta Militar que governou o país de 1976 a 1981] aplicou a teoria, considerando culpados os comandantes da junta pelo desaparecimento de pessoas.
Está no estatuto do Tribunal Penal Internacional e no equivalente ao STJ alemão, que a adotou para julgar crimes na Alemanha Oriental. A Corte Suprema do Peru também usou a teoria para julgar Fujimori [presidente entre 1990 e 2000].
É possível usar a teoria para fundamentar a condenação de um acusado supondo sua participação apenas pelo fato de sua posição hierárquica?
Não, em absoluto. A pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem. Isso seria um mau uso.
O dever de conhecer os atos de um subordinado não implica em co-responsabilidade?
A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção ["dever de saber"] é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do Fujimori, por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios realizados.
A opinião pública pede punições severas no mensalão. A pressão da opinião pública pode influenciar o juiz?
Na Alemanha temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso não corresponde ao direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública.”
FONTE DA COMPLEMENTAÇÃO: “Folha de São Paulo” (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/77459-participacao-no-comando-de-esquema-tem-de-ser-provada.shtml).
“247 – Há mais de um mês, na sessão de 4 de outubro da Ação Penal 470, no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro revisor Ricardo Lewandowski fez um alerta à corte: a teoria do domínio do fato não se aplicava ao réu José Dirceu, julgado naquele momento.
Disse ele: "Eu termino dizendo que não há provas e que essa teoria do ‘domínio do fato’, nem mesmo se chamássemos Roxin, poderia ser aplicada ao caso presente".
Lewandowski se refere ao jurista alemão Claus Roxin, que aprimorou a teoria. De acordo com sua tese, o autor do crime não é apenas quem o executa, mas também quem tem o poder e a posição hierárquica para decidir que ele seja colocado em prática.
Em entrevista concedida à “Folha de S.Paulo” [publicada ontem, domingo], Roxin faz críticas ao uso de sua tese, afirmando que só o cargo do réu não é suficiente para provar a autoria de um crime.
Leia a transcrição de trecho do discurso de Lewandowski, que absolve o ex-ministro José Dirceu pelo crime de corrupção ativa.
"Senhor presidente, eu trago o depoimento insuspeito do próprio Claus Roxin, que foi fazer uma conferência inaugural na já famosa Universidade de Lucerna na Suíça. Aliás, tive a honra e o privilégio de proferir uma palestra agora em maio, tanto na Universidade de Berna quanto na de Lucerna, a convite do Governo Suíço. É um lugar onde se cultiva um pensamento crítico do direito, mas Claus Roxin, 40 anos depois de ter idealizado essa teoria, no ano de 1963, ele vai lá na Universidade de Lucerna, na aula inaugural porque essa Universidade é recém-criada, e diz o seguinte:
Começou a manifestar preocupação com o alcance indevido que alguns juristas e certas cortes de justiça, em especial o Supremo Tribunal Federal alemão, estariam dando a sua teoria, especialmente ao estendê-la a delitos econômicos ambientais, sem atentar que os pressupostos essenciais de sua aplicação que ele mesmo havia estabelecido, dentre os quais a fungibilidade dos membros da organização delituosa (...).
Nesse caso [da “Ação Penal 470], não há fungibilidade porque os réus são nominados, identificados, eles têm nome, RG, endereço, não há uma razão, a meu ver, para se aplicar a teoria do “domínio do fato”. Não há porque nós não estamos em uma situação excepcional, nós não estamos em Guerra, felizmente. Então, senhor presidente, eu termino dizendo que não há provas e que essa teoria do ‘domínio do fato’, nem mesmo se chamássemos Roxin, poderia ser aplicada ao caso presente".
FONTE: do “Blog 247”; transcrito no “Blog da Dilma” (http://blogdadilma.com/index.php/politica/1212-revisor-alertou-stf-sobre-erro-no-dominio-do-fato). [Pequenos ajustes e trechos entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].
COMPLEMENTAÇÃO
ENTREVISTA CLAUS ROXIN
DA “FOLHA”
“Participação no comando de esquema tem de ser provada”
“Um dos responsáveis por teoria citada no julgamento do STF, jurista alemão diz que juiz não deve ceder a clamor popular”
Claus Roxin, que esteve há duas semanas em seminário de direito penal do Rio
Por Cristina Grillo Denise Menchen, da “Folha”
“Insatisfeito com a jurisprudência alemã - que até meados dos anos 1960 via como participante, e não como autor de um crime, aquele que, ocupando posição de comando, dava a ordem para a execução de um delito-, o jurista alemão Claus Roxin, 81, decidiu estudar o tema.
Aprimorou a teoria do domínio do fato, segundo a qual autor não é só quem executa o crime, mas quem tem o poder de decidir sua realização e faz o planejamento estratégico para que ele aconteça.
Roxin diz que "essa decisão precisa ser provada, não basta que haja indícios de que ela possa ter ocorrido".
Nas últimas semanas, sua teoria foi citada por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) no julgamento do mensalão. Foi um dos fundamentos usados por Joaquim Barbosa na condenação do ex-ministro José Dirceu.
"Quem ocupa posição de comando tem que ter, de fato, emitido a ordem. E isso deve ser provado", diz Roxin.
Ele esteve no Rio há duas semanas participando de seminário sobre direito penal.
Folha - O que o levou ao estudo da teoria do domínio do fato?
Claus Roxin - O que me perturbava eram os crimes do nacional socialismo. Achava que quem ocupa posição dentro de um chamado aparato organizado de poder e dá o comando para que se execute um delito, tem de responder como autor e não só como partícipe, como queria a doutrina da época.
Na época, a jurisprudência alemã ignorou minha teoria. Mas conseguimos alguns êxitos. Na Argentina, o processo contra a junta militar de Videla [Jorge Rafael Videla, presidente da Junta Militar que governou o país de 1976 a 1981] aplicou a teoria, considerando culpados os comandantes da junta pelo desaparecimento de pessoas.
Está no estatuto do Tribunal Penal Internacional e no equivalente ao STJ alemão, que a adotou para julgar crimes na Alemanha Oriental. A Corte Suprema do Peru também usou a teoria para julgar Fujimori [presidente entre 1990 e 2000].
É possível usar a teoria para fundamentar a condenação de um acusado supondo sua participação apenas pelo fato de sua posição hierárquica?
Não, em absoluto. A pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem. Isso seria um mau uso.
O dever de conhecer os atos de um subordinado não implica em co-responsabilidade?
A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção ["dever de saber"] é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do Fujimori, por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios realizados.
A opinião pública pede punições severas no mensalão. A pressão da opinião pública pode influenciar o juiz?
Na Alemanha temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso não corresponde ao direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública.”
FONTE DA COMPLEMENTAÇÃO: “Folha de São Paulo” (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/77459-participacao-no-comando-de-esquema-tem-de-ser-provada.shtml).