Por Marcelo Gleiser
“Segundo visionário, em 2020 computadores serão poderosos o suficiente para simular o cérebro humano.
Acabo de assistir a uma palestra do inventor e futurista Ray Kurzweil, que está passando uns dias na minha universidade nos EUA. Kurzweil ficou famoso por suas várias invenções, desde sintetizadores que podem simular sons de piano e outros instrumentos até um software para cegos que transforma texto em voz.
Escreveu vários best-sellers, nos quais explora como o avanço exponencial da tecnologia transformará profundamente a sociedade, redefinindo não só o futuro, mas a própria noção do que significa ser humano. Segundo Kurzweil, a revolução não só já começou como avança rapidamente em direção a um ponto final, "a Singularidade", quando máquinas e seres humanos formarão uma aliança que poderá nos tornar seres super-humanos. Ele prevê que chegaremos lá em 2045.
Segundo Kurzweil, em 2020 computadores serão poderosos o suficiente para simular o cérebro humano. Baseando seus argumentos numa lei empírica chamada "Lei dos Retornos Acelerados", ele afirma que, em 25 anos, o progresso da internet e a velocidade de processamento de dados criarão tecnologias bilhões de vezes mais poderosas do que as que temos hoje.
Por exemplo, os computadores da década de 1970 eram 1 milhão de vezes mais caros e mil vezes menos eficientes do que o que temos hoje em nossos celulares, totalizando um aumento de bilhões de vezes em eficiência de computação por real.
Ele prevê que, em 2029, teremos entendido o funcionamento do cérebro humano, ao menos o suficiente para simular seu funcionamento em computadores que, a essa altura, serão bem mais poderosos do que nossos cérebros.
A singularidade, no caso da física dos buracos negros, da qual Kurzweil tomou sua inspiração, é um ponto além do qual não sabemos o que pode ocorrer. É onde as leis que usamos para descrever as propriedades da matéria, do espaço e do tempo deixam de fazer sentido. Isso não significa que seja impossível compreender a singularidade, mas apenas que não temos as ferramentas teóricas para fazê-lo.
Já no caso da inteligência artificial, fica bem mais difícil prever o que poderá ocorrer. Toda tecnologia pode ser usada para o bem ou para o mal. Se, como Kurzweil, somos otimistas e vemos que a humanidade, em média, tem se beneficiado com o avanço tecnológico (vivemos mais e matamos melhor, mas matamos menos), a singularidade trará uma nova era na evolução da inteligência, na qual o corpo será supérfluo: o que importará será a informação que nos define.
Afinal, somos matéria arranjada segundo um plano, e esse plano é uma sequência de instruções, ou seja, um programa.
Se pudermos armazenar essas instruções, em princípio podemos recriá-las em qualquer máquina, como numa realidade virtual superavançada. Imagine um personagem do videogame Sims que é tão sofisticado que se considera vivo. Seremos ele. A realidade, tal qual a percebemos, pode ser simulada; basta mais informação, mais detalhes, mais velocidade de processamento.
Se é esse o nosso futuro, é bom começarmos a pensar nas suas várias consequências. E nos certificar de que nossa informação terá um backup que não falhará nem poderá ser destruído por forças malignas.”
FONTE: escrito por Marcelo Gleiser, professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Artigo publicado na “Folha de São Paulo” (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saudeciencia/77338-quem-seremos-no-futuro.shtml).