O MERCOSUL, A AMÉRICA DO SUL E O MUNDO

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  • sábado, 10 de novembro de 2012
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  • Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães

    “Há compreensão insuficiente, nos dois principais países da América do Sul, quanto à urgência da construção de um processo político e de instituições de integração que permitam o desenvolvimento econômico e político regional a partir do Mercosul. Exemplos disso são as relutâncias em fortalecer a Secretaria do bloco, em expandir o “Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul”, em organizar o comércio das empresas multinacionais, em desenvolver políticas de ciência e tecnologia e a articulação entre Presidentes e Ministros.

    O artigo é de Samuel Pinheiro Guimarães

    1. O mundo enfrenta extraordinária crise econômica, social e política, processo silencioso de degradação ambiental e disputa (ainda surda) pela hegemonia mundial.

    2. A crise econômica, que emergiu como financeira em 2008 com a falência da firma “Lehman Brothers”, em Nova York, se transformou rapidamente em crise social, com a propagação e a persistência de altos níveis de desemprego dentro e fora dos Estados Unidos, e com efeitos sobre o sistema político e os Governos de diversos países altamente desenvolvidos.

    3. Na Europa, políticos conservadores foram eleitos e tecnocratas foram escolhidos para chefiar vários Governos, mas todos eles sob o controle e a orientação da "Troika", integrada pelo Banco Central Europeu (BCE), pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pela Comissão Européia.

    4. A Troika, para liberar recursos para “salvar” os Governos devedores dos megabancos e em situação fiscal cada vez pior devido à recessão, exige a execução de políticas de austeridade fiscal, cujo resumo poderia ser o seguinte: salvem-se os bancos (e seus acionistas) com recursos públicos e, para tal, que se elevem os impostos sobre os trabalhadores e a classe média, que se reduzam os salários, que se cortem os programas sociais e os benefícios previdenciários. Essas medidas, que têm natureza pró-cíclica, ao reduzir a demanda agravam a recessão, aumentam o desemprego e as tensões e revoltas sociais, em especial nos países que se encontram na periferia da Europa, muitas vezes chamados, de forma irônica e depreciativa, pelo acrônimo de suas iniciais, em inglês PIIGS: Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha (Spain).

    5. Enquanto isto, nos Estados Unidos da América, país devoto, patrocinador e promotor do neoliberalismo, o embate entre os republicanos, de direita e ultradireita, e os democratas, de centro e ultracentro, impede a execução de política contracíclica efetiva de superação da crise. As medidas até agora adotadas têm beneficiado bancos, banqueiros, executivos e investidores com a compra dos títulos tóxicos e derrama de trilhões de dólares, enquanto os trabalhadores continuam a sofrer com o desemprego e o subemprego e a estagnação, há mais de 20 anos, do salário médio real.

    6. A crise econômica e financeira, que permanece (em parte) devido à resistência das instituições financeiras a serem regulamentadas (inclusive quanto aos fundos nos paraísos fiscais) e, de outro lado, à reduzida expectativa de lucros que leva à aversão ao risco de novos investimentos de parte dos capitalistas, se encontra nas economias desenvolvidas tradicionais, mas não nas novas economias capitalistas da República Popular da China, da Índia e de outros países emergentes tais como Brasil, onde os lucros são extraordinários e os incentivos aos investidores, especulativos ou não, ainda maiores.

    7. Quando se toma a economia capitalista como um todo, isto é quando se considera a economia mundial, ela pode ser comparada a uma economia nacional onde, enquanto certas regiões (países) se expandem, outras regiões (países) se contraem. Os capitalistas e suas megaempresas sabem onde estão as oportunidades de lucros, em especial onde se encontram as oportunidades de lucros extraordinários e, nesses casos, não exibem nenhuma aversão ao risco.

    8. Mas, os efeitos da crise sobre os sistemas políticos nacionais e internacionais são enormes. Há extraordinária preocupação nas classes hegemônicas dos países capitalistas tradicionais, os Estados Unidos da América e as Potências européias significativas, que são a Alemanha, a França, a Inglaterra e a Itália (os demais países europeus são, em realidade, de pouca monta política e econômica) com a profunda insatisfação política e social que coloca em risco o seu controle político, em especial na União Européia. Se, por um lado, investidores, capitalistas e megaempresas lucram com a expansão econômica na periferia de países emergentes, no centro do sistema mundial outros integrantes das classes hegemônicas, tais como políticos, intelectuais orgânicos e tecnocratas das instituições internacionais, se preocupam com a sobrevivência de sua hegemonia e do sistema.

    9. Depois, porque a crise nos países capitalistas centrais acaba por afetar os países emergentes devido aos vínculos estreitos que unem emergentes a desenvolvidos, em especial no campo do comércio. Assim, temem que a crise econômica venha a se propagar para toda a economia mundial, fazendo com que os lucros e as expectativas de lucros se esvaeçam e a crise política se globalize, inclusive com a exacerbação das disputas por mercados e pelo acesso a recursos naturais.

    10. Nesse processo, há a emergência da China (os demais países emergentes, em realidade, não contam, ou por serem apenas supridores de matérias-primas, ou por terem de enfrentar desafios colossais, como é o caso da Índia devido ao sistema de castas, (inconstitucional, mas que sobrevive) ao seu complexo sistema político, à multiplicidade de idiomas e culturas e à sua base industrial menor). Os estrategistas americanos veem a emergência da China como o grande desafio para o que eles mesmos chamam, com toda a clareza e sinceridade, de hegemonia americana, o que significa, na prática, um sistema mundial que resulta em benefícios políticos e econômicos para os Estados Unidos, e que, segundo eles, beneficiaria a toda a “comunidade internacional”, ou pelo menos o Ocidente central e periférico.

    11. Nesse panorama internacional, a América do Sul se encontra em situação marginal. Sua capacidade política de influir sobre a grande crise e sobre a reorganização do sistema mundial é diminuta pela insignificância relativa de sua indústria, devido à sua não-autonomia, já que é constituída, em extensa parte, por megaempresas multinacionais, e pela vulgaridade (no sentido de comum) de suas matérias-primas, que têm numerosos concorrentes tradicionais e futuros, que resultarão da investida chinesa na África, e pela sua desunião política.

    12. Na América do Sul, há três Estados vinculados à evolução da economia e à estratégia econômica dos Estados Unidos pelos acordos de livre comércio que celebraram (e que limitam, gravemente, sua autonomia de política econômica) que são o Chile, o Peru, e a Colômbia, esta dilacerada pela guerra civil, e vinculada pelo Plano Colômbia e pelos acordos militares aos Estados Unidos.

    13. As tentativas de união sul-americana e, ainda mais, latino-americana como a CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) enfrentam esse enorme desafio. São Estados assimétricos em extremo, frágeis, vinculados à esfera de influência econômica e política americana. É uma tarefa de Sísifo, que pode, se não houver o devido cuidado, desviar a atenção da tarefa prioritária de fortalecimento, expansão e aprofundamento do Mercosul.

    14. Brasil e Argentina, núcleo do Mercosul, têm mais de 50% do território, da população, do comércio exterior da América do Sul e de sua indústria. São Estados que retiveram sua capacidade de planejar e executar política econômica e política externa. Tudo o que os estrategistas norte-americanos, aliás, com razão, não desejam é ver uma união mais estreita entre o Brasil, a Argentina e a Venezuela, com suas extraordinárias reservas energéticas e minerais.

    15. Se adicionarmos o Paraguai e o Uruguai, o Mercosul atinge números extraordinários, decantados nas manifestações mais utópicas que comparam o bloco sul-americano com outros blocos de países.

    16. Os países do Mercosul têm enfrentado suas extraordinárias desigualdades sociais e econômicas com políticas firmes (no caso social) para sua redução. A Venezuela foi o país na região que alcançou maior progresso na redução das desigualdades e do analfabetismo; o Brasil, com seus programas sociais inovadores, tem feito grandes progressos na redução da pobreza absoluta, e a Argentina também alcançou notáveis resultados nesse campo.

    17. Todavia, há compreensão deficiente ou, talvez melhor, insuficiente, nos dois principais países da América do Sul, quanto à urgência e à prioridade da construção de processo político e de instituições de integração que permitam o firme desenvolvimento econômico e político regional a partir do Mercosul. Exemplos disso são as relutâncias em fortalecer a Secretaria do Mercosul, em expandir o FOCEM (Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul), em organizar o comércio intrarregional das megaempresas multinacionais, em desenvolver programas concretos de ciência e tecnologia, em promover, de forma mais intensa e constante, a articulação política entre Presidentes e Ministros.

    18. Ficam eles, em especial o Brasil, enleados no mito do livre comércio, sem reconhecer que este levaria à hegemonia industrial brasileira, indesejável e perigosa, e sem reconhecer o papel das megaempresas multinacionais em suas economias, em seu comércio exterior e em sua falta extraordinária de dinamismo tecnológico.

    19. Sem desprezar, sem esquecer, sem menosprezar a tarefa de fortalecer o Mercosul para enfrentar a crise e a reorganização mundial no século XXI, devem os Estados do Mercosul procurar estreitar seus laços com os países vizinhos da América do Sul e procurar fazer com que venham eles participar como membros plenos do Mercosul, a começar pela Bolívia, pelo Equador e, em seguida pela Guiana e pelo Suriname, levando em conta, com toda a seriedade e realismo, as assimetrias existentes e suas necessidades de desenvolvimento econômico e industrial que o livre comércio, não praticado pelas Grandes Potências, jamais poderá trazer.”

    FONTE: escrito pelo Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães e publicado no site “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21219). [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].
     
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