Eleição em Fortaleza: Amarelo-suio S.A.

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  • quarta-feira, 14 de novembro de 2012
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  • (ou como a 4a. capital do país foi tomada de assalto por um golpe eleitoral)
    Por Rafael Tomyama e Aila Marques* - AECeará
    Mesmo ainda sendo muito cedo para uma análise distante do calor dos acontecimentos, seguem alguns elementos centrais para uma primeira leitura da guerra eleitoral encetada em Fortaleza.
    A anunciada "virada" do candidato do PSB, Roberto Cláudio, por uma diferença de quase 75 mil votos sobre Elmano de Freitas do PT, no segundo turno da eleição em Fortaleza, não é exatamente uma "surpresa" inexplicável.

    A campanha do PT e aliados foi crescendo ao longo do primeiro turno, apostando na identidade das políticas sociais da gestão petista com o meio popular. Tanto é que nos bairros mais pobres da cidade é que se deu a maioria que consagrou o candidato Elmano à frente dos demais, no início do segundo turno.
    Empunhando a bandeira da "renovação", o outro candidato, apoiado da oligarquia familiar "neosocialista" dos Ferreira Gomes, chegou em segundo lugar, mesmo dispondo de tempo de TV e rádio muito maior no primeiro turno, com base numa ampla e heterogênea aliança, a qual atraiu ainda a maioria dos demais partidos no segundo turno.
    O desenrolar da campanha empurrou a eleição a assumir uma característica plebiscitária quanto à aprovação ou não da prefeitura governada pelo PT há quase oito anos. Os adversários tentaram explorar o desgaste e os erros da administração petista desde a primeira eleição de Luizianne em 2004. A imprensa local redobrou o ataque que sempre desempenhou às imagens da gestão e da própria Prefeita, com baixarias e manipulações.
    A campanha do PT foi bem sucedida em vários aspectos, mas errou feio em outros. O erro tático mais perceptível talvez tenha sido priorizar a fiscalização ao invés da militância de rua. Aliás, este problema é a face visível de uma fragilidade ainda mais profunda – uma verdade incômoda, mas que não pode deixar de ser dita – a excessiva institucionalização partidária e o quase total abandono da atuação de base nos movimentos sociais.
    Independente dos erros ou acertos táticos, de marketing e/ou de fundo de ambas as campanhas, o fator decisivo, no entanto, se deu pelo verdadeiro estelionato eleitoral armado pela famiglia Ferreira Gomes e seus aliados.
    Mandonismo e desilusão
    Os irmãos Ciro, Cid e Ivo Ferreira Gomes são oriundos de uma tradição política conservadora, em Sobral, na região norte do Ceará. A família vem desde a antiga Arena, passando pelo: PDS, PMDB, PSDB, PPS e agora PSB. Além disso, mantém hoje, sob seu controle, pelo menos meia dúzia de legendas de aluguel.
    Seu pouco compromisso partidário é revelador de seu desinteresse por projetos ideológicos. A expressão "coronéis do asfalto", cunhada como síntese do tassismo, no qual fizeram escola, caracteriza esta união dos interesses econômicos do grande capital com o tráfico de influências, troca de favores e dominação autoritária típicas do coronelismo.
    A sanha insaciável pelo poder fez voltar "a criatura contra o criador", tendo sido o PT, entre outros partidos de esquerda, usados para destronar o reinado tucano em torno do ex-Senador Tasso Jereissati. Durante este período, a ala majoritária do PT usou de toda sorte de malabarismos verbais – que vão do "mal menor" à pura e simples colaboração de classes – para tentar justificar a aliança com os recém-convertidos "socialistas". Agora o PT, que enredou por esta política serviçal que os ajudou a galgarem posições no Estado, tornou-se a bola da vez.
    Em verdade, o PFG (Partido dos Ferreira Gomes) é um "cavalo-de-tróia" dentro do PSB, uma fração da burguesia praticando um pernicioso entrismo corrupto. É um equívoco somá-lo como parte do aparente fortalecimento da legenda do pernambucano Eduardo Campos no Nordeste, pois seus interesses são tão somente circunstanciais e atendem a objetivos próprios.
    Insatisfeitos com a rebeldia do PT liderado pela prefeita Luizianne, que escolheu democraticamente uma candidatura que representa a integridade do projeto político de esquerda, preferiram indicar um candidato fantoche e subserviente a seus interesses de domínio total.
    Compra de votos em massa
    O mise-en-scène do debate político, no entanto, não é suficiente para explicar a derrota do projeto popular e a vitória do mandonismo na capital. A verdade é que os Ferreira Gomes, mordidos pela dianteira do PT nas pesquisas e pela vinda do ex-presidente Lula, capitanearam uma tomada de assalto à cidade, como há muito não se via na era republicana.
    A senha para o início da operação foi a "licença" do governador Cid Gomes, que abandonou a gestão do Estado para cuidar pessoalmente da eleição em Fortaleza. Em gestos midiáticos, andou numa espécie de motoneta sem capacete e posou para fotos jogando sinuca em bar com crianças e adolescentes (prática vedada por lei).
    Ao mesmo tempo, desembarcaram inúmeras "caravanas" com o intuito de "amarelar" a cidade, orquestradas por deputados e prefeitos do interior vinculados à corte palaciana. Os grupos de ativistas pagos, trazidos de ônibus de cada município, receberam ainda hospedagem e alimentação. Às custas de quem?
    Nestes dias, grupos vestidos de amarelo percorriam as ruas da periferia, de casa em casa, oferecendo benesses e cadastrando títulos das pessoas mais humildes, para aterrorizá-las, dizendo que teriam como saber em quem votaram. Lideranças comunitárias, inclusive petistas, foram tentadas por ofertas com valores astronômicos. Distribuíram-se cestas básicas e cédulas enroladas nos canos de bandeiras e dentro de caixas de fósforo, em plena luz do dia. Até na madrugada de sábado para domingo, a distribuição de bandeiras e camisetas e a compra maciça de votos, fez as comunidades mais suscetíveis amanhecerem amarelas.
    No dia da eleição, por toda cidade, correligionários mauricinhos e capangas dos oligarcas encenaram um verdadeiro show de assalto à democracia e ao direito: carros de som ligados tocando jingles, panfletagens e aglomerações, além de ameaças, truculência, espancamentos e descaradas compra de votos. Tudo se deu diante de policiais que assistiam impassíveis ou se limitavam a dispersar os grupos, que logo se recompunham adiante.
    Mesmo diante da letargia desmoralizada dos organismos de segurança e da justiça eleitoral em apurar o escandaloso abuso de poder econômico, no dia da eleição ainda foram presas dezenas de cabos eleitorais e até autoridades acusadas de boca-de-urna e compra de votos, o que motivou a ida do governador Cid Gomes e comitiva à sede da Polícia Federal para tentar intimidar os agentes públicos que lá estavam.
    Futuro sombrio
    Evidentemente, o PT está reunindo as provas para mover uma ação judicial que questiona o resultado eleitoral em Fortaleza. Mas o desenlace do julgamento é incerto.
    O candidato "eleito", Roberto Cláudio faz agora o discurso comedido da conciliação. Usa o "fato consumado" e sacramentado pela mídia servil, para minimizar o verdadeiro estelionato eleitoral ocorrido, como se o questionamento judicial não passasse de ressentimento pós-eleitoral.
    Os "panos quentes" são bem o oposto de algum eventual constrangimento. O que conta é o cálculo pragmático, de olho em 2014. A imprensa em geral deu destaque à vitória eleitoral do PSB em Fortaleza como parte do cenário partidário da disputa em torno da sucessão da Presidenta Dilma.
    De todo modo, o PT local caminha insubordinado para assumir o papel de oposição que lhe foi delegado pelas urnas. O candidato petista recebeu mais de 576 mil votos (47% dos votos válidos) no segundo turno. O PT saiu de cabeça erguida, pois fez uma campanha limpa, projetou novas lideranças, apresentou suas propostas e defendeu a gestão e a continuidade das ações em benefício da maioria. Agora é o momento de fiscalizar, cobrar e retornar ao trabalho de base e às lutas sociais.
    Para Fortaleza, no entanto, as expectativas não são boas. Em entrevistas, o "eleito" já começou a contradizer as suas próprias promessas de campanha. Os interesses do grande capital especulativo imobiliário e financeiro se coesionaram em torno de sua representação política de classe para ludibriar o povo mais carente e já lhe cobram o seu preço.
    Logo mais vai "cair a ficha" de que o opressor tem lado e que o comércio do voto para atender ao imediatismo tem consequências para as políticas sociais nos próximos anos. A rapinagem patronal enxerga a cidade como um grande empreendimento e a sua expansão indefinida pressupõe retirar todos os empecilhos à: remoção das comunidades, espoliação do patrimônio histórico-cultural e devastação ambiental.
    Ademais, se admitem tudo o que foi feito para ganhar uma eleição, o que se pode esperar de sua gestão na prefeitura? E o que se pode esperar de tais "aliados" na construção do projeto da esquerda democrática no país? Esta são as reflexões que o PT não pode deixar de fazer.
    Porém, o mais importante, como lição desta experiência, são as tarefas inadiáveis que o Partido tem que capitanear para combater o retrocesso político no Brasil. Uma delas é a imprescindível regulamentação da mídia e a construção de canais alternativos de comunicação social. Outra, sem dúvida, é uma reforma política radical, capaz de qualificar a democracia republicana brasileira.
    *Rafael Tomyama e Aila Marques integram a Direção Nacional da AE
    Publicado no jornal Página 13 n° 114, novembro de 2012
     
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