Por Virgínia Barros, no sítio da UNE:
Nos últimos anos, as grandes mobilizações do movimento estudantil universitário brasileiro se centraram de forma bastante acertada em bandeiras de luta relacionadas, em linhas gerais, a três desafios: financiamento da educação, democratização do acesso e permanência do estudante na universidade através das políticas de assistência estudantil. Todos estes temas são fundamentais para a transformação da instituição que temos hoje, mas, para além destes desafios, nós, estudantes, não nos esquivamos da luta pela superação de outros entraves políticos e acadêmicos que reproduzem na academia conteúdos de interesse prioritário de uma pequena elite.
O desafio maior é construir um novo modelo de universidade que contribua, em última instância, para a emancipação do homem. Não se trata de enxergá-la de forma idealizada ou como um instrumento de equalização social – transformar a universidade por si só não transforma a sociedade. Entretanto, superar o seu atual padrão de organização e conteúdo pode torná-la um dos elementos de avanço do país ao fazê-la prezar pela interdisciplinaridade e diversificação de conteúdos que combatam as opressões e desigualdades estabelecidas. Para isso, é preciso discutir em detalhe uma profunda reformulação de seus projetos políticos e pedagógicos.
A indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão ainda não foi devidamente assimilada pela universidade. Não se deve abordá-los de forma estanque ou departamentalizada: é preciso uma profunda reforma curricular que possibilite sua fusão partindo da compreensão de que não existe ensino sem pesquisa, nem pesquisa sem ensino ou extensão sem esses dois – todos fazem parte do processo de interação e aprendizagem. Entretanto, atualmente a grande maioria dos cursos superiores concentra a pesquisa exclusivamente no Trabalho de Conclusão do Curso (TCC) e resume a extensão a palestras ou cursos complementares, quando tais elementos deveriam permear as atividades das disciplinas regulares ao longo de toda a graduação.
A pesquisa universitária é o ponto de partida para uma educação superior de qualidade. Hoje, infelizmente, é dominada pelos interesses das empresas que a financia com vistas aos seus objetivos particulares e os lucros que deles advém – e não aos assuntos estratégicos para o desenvolvimento e aos desafios tipicamente nacionais. Não se trata aqui de vetar o patrocínio privado da pesquisa universitária, mas direcioná-lo para os objetivos públicos da comunidade acadêmica e da sociedade para que, além de sentido prático, tenham também valor social. Se é fato que não existe ciência neutra, é preciso que o conteúdo do conhecimento produzido na universidade se volte para o fortalecimento de nossa autonomia científica, de nossa soberania e para diminuição das desigualdades do país.
No que se refere à extensão, é necessário primeiramente desnudá-la do caráter assistencialista ou tecnicista que normalmente lhe é atribuído. Ao contrário, a extensão é uma forma de conferir ao aprendizado o humanismo e o senso de realidade que possibilitem transformar a realidade que nos cerca. Em outras palavras, é através da extensão que o estudante conhece na prática um mundo muitas vezes distante dos livros e dos laboratórios imersos nos muros cansados da universidade, criando a oportunidade de questionar saberes já estabelecidos, gerar novos conhecimentos e adquirir a experiência necessária para enfrentar os desafios do mundo do trabalho. Por tudo isso, a extensão precisa estar inserida nos currículos acadêmicos com um número de horas mínimas necessárias para a integralização do currículo.
As atividades extensionistas devem entrelaçar-se com a pesquisa acadêmica – concepção esta que deve permear todo o caminho do estudante até o diploma, através de incentivos para a investigação científica e de pesquisas de campo simplificadas inseridas no cotidiano da atividade acadêmica a partir da análise de casos práticos ou da conferência da realidade em contraposição à teoria.
É preciso ousar na concepção de uma nova universidade. Nada deve parecer natural ou impassível de mudanças. Afinal, quem disse que o aprendizado tem de se resumir às exposições diárias proferidas pelos professores a uma platéia de estudantes receptores e inertes? Quem disse que um tem que sentar atrás do outro ou ter apenas duas oportunidades no semestre para expor o conteúdo assimilado por meio de métodos de avaliação anacrônicos e limitados? Essa lógica de educação serve apenas à reprodução do conhecimento já estabelecido, responsável por perpetuar injustiças e desigualdades.
Neste sentido, não menos importante é o papel do professor no cotidiano acadêmico. É preciso, antes de tudo, valorizar o exercício docente com salário justo, liberdade cátedra e condições adequadas de trabalho. Tomada ciência desta necessidade, observamos que em muitas instituições, sobretudo nas públicas, existe hoje certo abandono da graduação, pois é do trabalho na pós-graduação que o professor retira a necessária complementação da renda e se realiza profissionalmente ao ter mais condições de pesquisar os temas que lhe desafiam.
Por outro lado, apesar das adversidades, não se pode esquivar-se da avaliação permanente do trabalho do professor. A cobrança precisa ser contínua, sem corporativismos ou perseguições, pois a avaliação periódica de desempenho a que estão sujeitos hoje é ineficaz. São necessárias metas de rendimento para que o professor não se ausente da sala de aula e, caso venha a fazê-lo, haja reposição do conteúdo. É preciso também formação continuada com atualização e aprimoramento didático permanentes, especialmente nos cursos em que os docentes não possuem formação na área de licenciatura.
Passados 185 da fundação de nossos primeiros cursos superiores, este é um momento de auto-reflexão da universidade brasileira. Os temas levantados não visam, naturalmente, esgotar o debate da qualidade, nem tão pouco desmerecer outros aspectos tão ou mais importantes para a reformulação pedagógica.
Evidentemente nada disso será possível enquanto os patamares de investimento na educação persistirem tão defasados. Seguir na luta pela destinação de 10% dos PIB e dos royalties e Fundo Social do Pré-sal para educação é tarefa primeira dos estudantes comprometidos com as causas populares. Assim, através da luta generosa e abnegada da juventude, conquistaremos uma universidade humanizada e preocupada com a transformação da vida de brasileiros e brasileiras de cada canto deste país.
* Virgínia Barros é diretora de comunicação da União Nacional dos Estudantes (UNE)
Nos últimos anos, as grandes mobilizações do movimento estudantil universitário brasileiro se centraram de forma bastante acertada em bandeiras de luta relacionadas, em linhas gerais, a três desafios: financiamento da educação, democratização do acesso e permanência do estudante na universidade através das políticas de assistência estudantil. Todos estes temas são fundamentais para a transformação da instituição que temos hoje, mas, para além destes desafios, nós, estudantes, não nos esquivamos da luta pela superação de outros entraves políticos e acadêmicos que reproduzem na academia conteúdos de interesse prioritário de uma pequena elite.
O desafio maior é construir um novo modelo de universidade que contribua, em última instância, para a emancipação do homem. Não se trata de enxergá-la de forma idealizada ou como um instrumento de equalização social – transformar a universidade por si só não transforma a sociedade. Entretanto, superar o seu atual padrão de organização e conteúdo pode torná-la um dos elementos de avanço do país ao fazê-la prezar pela interdisciplinaridade e diversificação de conteúdos que combatam as opressões e desigualdades estabelecidas. Para isso, é preciso discutir em detalhe uma profunda reformulação de seus projetos políticos e pedagógicos.
A indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão ainda não foi devidamente assimilada pela universidade. Não se deve abordá-los de forma estanque ou departamentalizada: é preciso uma profunda reforma curricular que possibilite sua fusão partindo da compreensão de que não existe ensino sem pesquisa, nem pesquisa sem ensino ou extensão sem esses dois – todos fazem parte do processo de interação e aprendizagem. Entretanto, atualmente a grande maioria dos cursos superiores concentra a pesquisa exclusivamente no Trabalho de Conclusão do Curso (TCC) e resume a extensão a palestras ou cursos complementares, quando tais elementos deveriam permear as atividades das disciplinas regulares ao longo de toda a graduação.
A pesquisa universitária é o ponto de partida para uma educação superior de qualidade. Hoje, infelizmente, é dominada pelos interesses das empresas que a financia com vistas aos seus objetivos particulares e os lucros que deles advém – e não aos assuntos estratégicos para o desenvolvimento e aos desafios tipicamente nacionais. Não se trata aqui de vetar o patrocínio privado da pesquisa universitária, mas direcioná-lo para os objetivos públicos da comunidade acadêmica e da sociedade para que, além de sentido prático, tenham também valor social. Se é fato que não existe ciência neutra, é preciso que o conteúdo do conhecimento produzido na universidade se volte para o fortalecimento de nossa autonomia científica, de nossa soberania e para diminuição das desigualdades do país.
No que se refere à extensão, é necessário primeiramente desnudá-la do caráter assistencialista ou tecnicista que normalmente lhe é atribuído. Ao contrário, a extensão é uma forma de conferir ao aprendizado o humanismo e o senso de realidade que possibilitem transformar a realidade que nos cerca. Em outras palavras, é através da extensão que o estudante conhece na prática um mundo muitas vezes distante dos livros e dos laboratórios imersos nos muros cansados da universidade, criando a oportunidade de questionar saberes já estabelecidos, gerar novos conhecimentos e adquirir a experiência necessária para enfrentar os desafios do mundo do trabalho. Por tudo isso, a extensão precisa estar inserida nos currículos acadêmicos com um número de horas mínimas necessárias para a integralização do currículo.
As atividades extensionistas devem entrelaçar-se com a pesquisa acadêmica – concepção esta que deve permear todo o caminho do estudante até o diploma, através de incentivos para a investigação científica e de pesquisas de campo simplificadas inseridas no cotidiano da atividade acadêmica a partir da análise de casos práticos ou da conferência da realidade em contraposição à teoria.
É preciso ousar na concepção de uma nova universidade. Nada deve parecer natural ou impassível de mudanças. Afinal, quem disse que o aprendizado tem de se resumir às exposições diárias proferidas pelos professores a uma platéia de estudantes receptores e inertes? Quem disse que um tem que sentar atrás do outro ou ter apenas duas oportunidades no semestre para expor o conteúdo assimilado por meio de métodos de avaliação anacrônicos e limitados? Essa lógica de educação serve apenas à reprodução do conhecimento já estabelecido, responsável por perpetuar injustiças e desigualdades.
Neste sentido, não menos importante é o papel do professor no cotidiano acadêmico. É preciso, antes de tudo, valorizar o exercício docente com salário justo, liberdade cátedra e condições adequadas de trabalho. Tomada ciência desta necessidade, observamos que em muitas instituições, sobretudo nas públicas, existe hoje certo abandono da graduação, pois é do trabalho na pós-graduação que o professor retira a necessária complementação da renda e se realiza profissionalmente ao ter mais condições de pesquisar os temas que lhe desafiam.
Por outro lado, apesar das adversidades, não se pode esquivar-se da avaliação permanente do trabalho do professor. A cobrança precisa ser contínua, sem corporativismos ou perseguições, pois a avaliação periódica de desempenho a que estão sujeitos hoje é ineficaz. São necessárias metas de rendimento para que o professor não se ausente da sala de aula e, caso venha a fazê-lo, haja reposição do conteúdo. É preciso também formação continuada com atualização e aprimoramento didático permanentes, especialmente nos cursos em que os docentes não possuem formação na área de licenciatura.
Passados 185 da fundação de nossos primeiros cursos superiores, este é um momento de auto-reflexão da universidade brasileira. Os temas levantados não visam, naturalmente, esgotar o debate da qualidade, nem tão pouco desmerecer outros aspectos tão ou mais importantes para a reformulação pedagógica.
Evidentemente nada disso será possível enquanto os patamares de investimento na educação persistirem tão defasados. Seguir na luta pela destinação de 10% dos PIB e dos royalties e Fundo Social do Pré-sal para educação é tarefa primeira dos estudantes comprometidos com as causas populares. Assim, através da luta generosa e abnegada da juventude, conquistaremos uma universidade humanizada e preocupada com a transformação da vida de brasileiros e brasileiras de cada canto deste país.
* Virgínia Barros é diretora de comunicação da União Nacional dos Estudantes (UNE)