Por Cynara Menezes, no blog Socialista Morena:
Mais uma vez, Salvador tem um prefeito eleito com um voto não de esperança num futuro melhor, mas contra o prefeito atual. Foi assim inúmeras vezes desde que, em 1988, ano do centenário da abolição da escravatura, políticos profissionais ditos “progressistas” não permitiram que Gilberto Gil se lançasse à prefeitura. Gil teria sido o primeiro negro eleito prefeito de Salvador, que até hoje não houve. Um marco, tenho certeza, sobretudo para a auto-estima dos negros soteropolitanos. A cidade só deu errado a partir dali.
Depois do não-Gil, veio o radialista Fernando José (já falecido), que se tornaria rapidamente o prefeito pior avaliado do Brasil. Lídice da Mata foi eleita em seguida contra Fernando José e, com o velho ACM fazendo-lhe oposição junto ao governo federal de então, não teve melhor destino. Antonio Imbassahi, aliado de ACM, foi eleito contra Lídice. E João Henrique ganhou contra Imbassaí. Agora, ACM Neto se elegeu contra João Henrique e o PT.
Há quanto tempo os soteropolitanos não votam porque acreditam de fato em alguém? Não sei. Estive em Salvador no final de semana da eleição. Enfurecidos com o tratamento dado pelo governo estadual (petista) aos professores e policiais grevistas, até na minha família pela primeira vez teve gente que votou no neto de ACM. Incrível como o governador Jaques Wagner, sendo um ex-sindicalista, pôde ser tão inábil: a greve dos professores durou 115 dias!
Não encontrei ninguém que dissesse: “Estou votando em fulano porque é o melhor para o Salvador”. E sim: “Voto em Neto porque não suporto Pellegrino” (o candidato do PT). Ou: “Voto em Pellegrino porque não suporto Neto”. É compreensível, mas triste, entregar o destino de uma cidade a alguém motivado pela rejeição a um ou outro candidato.
Mas ACM Neto não vai ser um bom prefeito para os soteropolitanos porque, como todos os demais, não vai mexer no que realmente importa. Sim, fará uma cidade empesteada pelo lixo, sujeira e descaso parecer “bonita” para os turistas. O Pelourinho, a reforma fake que seu avô fez no Centro Histórico, vai voltar a ficar “limpinho” e policiado, que é o que interessa a quem apenas passa pela capital baiana. Quem vive lá, porém, não vai sentir diferença alguma.
ACM Neto vai melhorar a vida dos habitantes dos bairros da periferia, onde os turistas não vão? Massaranduba, Narandiba, Sussuarana, Mussurunga, já ouviu falar? O lixo vai sair de lá também? Vai melhorar as escolas municipais? Vai colocar centros de cultura e lazer nestes bairros? Vai melhorar o transporte público nestas áreas? E os viciados em crack do centro histórico, o que vai fazer com eles? Vai tentar resolver ou agir à maneira do DEM, simplesmente “limpando” a área? Vai acabar com os “cordeiros”, jovens negros e pobres, escravizados pela indústria dos blocos de carnaval? Duvido –e gostaria de estar errada.
Até mesmo para os turistas tenho dúvidas que ACM Neto irá governar bem. Existe uma pendenga judicial em torno dos quiosques da orla marítima de Salvador, que foram retirados há mais de dois anos para serem substituídos e, até agora, nada. Como não há estrutura alguma para atender os banhistas e é proibido usar fogões na areia, quem vai à praia é teletransportado à África mais sofrida: negros com alimentos na cabeça passam a todo momento apregoando seus produtos. ACM Neto vai conseguir resolver essa pendenga e, mais do que isso, ceder os quiosques a quem já está trabalhando na praia dessa maneira?
Isso se ele não largar a prefeitura para se candidatar a governador, daqui a dois anos. Já prometeu que não, mas quem duvida? Essa é uma aposta que gostaria de perder. Salvador, no entanto, me parece uma cidade complexa demais para as soluções simplistas de um político do DEM, identificado com a desigualdade social desde a origem –e até mesmo responsável por ela, no caso de um ACM. Desafortunadamente, ainda não apareceu o político ideal para governar a capital da Bahia, em quem as pessoas votassem a favor, não contra.
Em minha opinião, o problema é que não basta alegria para ser prefeito da Cidade da Bahia. Parodiando Vinicius, seria preciso um bocado de tristeza para governar Salvador. Governar Salvador não é piada, quem governa assim não é de nada, governar Salvador é uma forma de oração. Ou devia ser.