“Há interessante paralelo entre a campanha de Mitt Romney nos EUA e as últimas campanhas de José Serra no Brasil. Ambas mostraram-se, de alguma forma, completamente descoladas da realidade, porque seus protagonistas não conseguiram reconhecer que a paisagem política e social de fato mudara.
Por Flávio Aguiar
Já comentei alguns aspectos do significado da reeleição de Barack Obama, particularmente a importância do chamado “voto latino”. Também se deve destacar a votação das mulheres, sobretudo daquelas que vivem sozinhas, que preferiram maciçamente o candidato democrata.
Mas hoje quero falar, em particular, da eleição de Mitt Romney. Com o passar do tempo, vieram à tona informações sobre atitudes do candidato, de seus assessores mais próximos, dos diretores de sua campanha e também de seus maiores apoiadores financeiros, que deram conta de que todos eles tinham como absolutamente certa a vitória republicana.
Um considerável aparato de fogos de artifício já fora encomendado e armado para festejar a vitória. Tudo teve de ser devolvido a seu lugar de origem, em New Hampshire, ao que parece. Mesmo depois de ter ficado matematicamente comprovado (com a vitória de Obama no estado de Ohio) que o democrata fora reeleito, Romney levou ainda uma hora e meia para admitir publicamente a derrota. Deve tê-lo feito apenas depois de ser convencido de que não haveria meios legais de impugnar algumas das vitórias de Obama nos estados em que ele, Romney, tinha como certa a sua vitória. Ainda assim, houve apoiadores seus que, na mídia, se recusavam a aceitar a derrota.
Um caso de patologia? De alucinação coletiva? Se política, sim. Porque Mitt Romney, de fato, havia ganho nos Estados Unidos que ele e sua equipe e seus apoiadores consideram como pertinentes. Que Estados Unidos são esses? São o país “majoritariamente branco”, “macho”, “individualista”, “conservador”, “religioso” no estilo do pastor Malafaia, antigay, fundamentalista antiaborto, Tea-Party, e assim por diante.
Foi para esse segmento que Romney fez campanha, apesar de algumas tentativas – desastradas, diga-se de passagem – de abrir o leque. Vários de seus apoiadores deram declarações que apoiavam essa “restrição da campanha”, falando contra o aborto mesmo em caso de estupro, de risco de vida da mãe etc.
Há interessante paralelo com as últimas campanhas de José Serra no Brasil. Ambas mostraram-se, de alguma forma, completamente descoladas da realidade, porque seus protagonistas não conseguiram reconhecer que a paisagem política e social de fato mudara, numa mudança que está, portanto, muito além de sua compreensão. Assim mesmo, ambos esses políticos foram capazes de mobilizar milhões de votos, assim como ambos – este foi também o caso de Serra – a ponto de terem com certa a sua vitória, lembrando que, no caso brasileiro, isso aconteceu tanto agora em 2012 [com "a coincidência" do impressionantemente cronometrado e gigantesco apoio do STF e da mídia] como em 2010.
Vários analistas têm apontado um fato curioso. Em 2008, a candidatura de Barack Obama mobilizou e galvanizou uma parcela significativa do eleitorado: jovens, negros, feministas. Agora em 2012, pode ser que uma parcela significativa do eleitorado – as já citadas, mais os “latinos” e outros segmentos – consiga mobilizar e galvanizar o próprio Obama, levando-o de volta ao encontro de algumas das esperanças que ele mobilizara anteriormente.
Isso não fará de Obama um campeão do progressismo em escala mundial. Se isso acontecesse, é porque os Estados Unidos seriam “um outro mundo possível”. Mas pode ajudar a neutralizar o maior dano que a eleição de Mitt Romney poderia provocar: a vitória da pior “cara de pau” possível, a vitória daquela alucinação coletiva que nega qualquer aproximação com a realidade como princípio de comportamento.
Mais ou menos como no caso brasileiro.”
FONTE: escrito por Flávio Aguiar, correspondente internacional da “Carta Maior” em Berlim (http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5859). ) [Imagem do Google e trecho entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].
Por Flávio Aguiar
Já comentei alguns aspectos do significado da reeleição de Barack Obama, particularmente a importância do chamado “voto latino”. Também se deve destacar a votação das mulheres, sobretudo daquelas que vivem sozinhas, que preferiram maciçamente o candidato democrata.
Mas hoje quero falar, em particular, da eleição de Mitt Romney. Com o passar do tempo, vieram à tona informações sobre atitudes do candidato, de seus assessores mais próximos, dos diretores de sua campanha e também de seus maiores apoiadores financeiros, que deram conta de que todos eles tinham como absolutamente certa a vitória republicana.
Um considerável aparato de fogos de artifício já fora encomendado e armado para festejar a vitória. Tudo teve de ser devolvido a seu lugar de origem, em New Hampshire, ao que parece. Mesmo depois de ter ficado matematicamente comprovado (com a vitória de Obama no estado de Ohio) que o democrata fora reeleito, Romney levou ainda uma hora e meia para admitir publicamente a derrota. Deve tê-lo feito apenas depois de ser convencido de que não haveria meios legais de impugnar algumas das vitórias de Obama nos estados em que ele, Romney, tinha como certa a sua vitória. Ainda assim, houve apoiadores seus que, na mídia, se recusavam a aceitar a derrota.
Um caso de patologia? De alucinação coletiva? Se política, sim. Porque Mitt Romney, de fato, havia ganho nos Estados Unidos que ele e sua equipe e seus apoiadores consideram como pertinentes. Que Estados Unidos são esses? São o país “majoritariamente branco”, “macho”, “individualista”, “conservador”, “religioso” no estilo do pastor Malafaia, antigay, fundamentalista antiaborto, Tea-Party, e assim por diante.
Foi para esse segmento que Romney fez campanha, apesar de algumas tentativas – desastradas, diga-se de passagem – de abrir o leque. Vários de seus apoiadores deram declarações que apoiavam essa “restrição da campanha”, falando contra o aborto mesmo em caso de estupro, de risco de vida da mãe etc.
Há interessante paralelo com as últimas campanhas de José Serra no Brasil. Ambas mostraram-se, de alguma forma, completamente descoladas da realidade, porque seus protagonistas não conseguiram reconhecer que a paisagem política e social de fato mudara, numa mudança que está, portanto, muito além de sua compreensão. Assim mesmo, ambos esses políticos foram capazes de mobilizar milhões de votos, assim como ambos – este foi também o caso de Serra – a ponto de terem com certa a sua vitória, lembrando que, no caso brasileiro, isso aconteceu tanto agora em 2012 [com "a coincidência" do impressionantemente cronometrado e gigantesco apoio do STF e da mídia] como em 2010.
Vários analistas têm apontado um fato curioso. Em 2008, a candidatura de Barack Obama mobilizou e galvanizou uma parcela significativa do eleitorado: jovens, negros, feministas. Agora em 2012, pode ser que uma parcela significativa do eleitorado – as já citadas, mais os “latinos” e outros segmentos – consiga mobilizar e galvanizar o próprio Obama, levando-o de volta ao encontro de algumas das esperanças que ele mobilizara anteriormente.
Isso não fará de Obama um campeão do progressismo em escala mundial. Se isso acontecesse, é porque os Estados Unidos seriam “um outro mundo possível”. Mas pode ajudar a neutralizar o maior dano que a eleição de Mitt Romney poderia provocar: a vitória da pior “cara de pau” possível, a vitória daquela alucinação coletiva que nega qualquer aproximação com a realidade como princípio de comportamento.
Mais ou menos como no caso brasileiro.”
FONTE: escrito por Flávio Aguiar, correspondente internacional da “Carta Maior” em Berlim (http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5859). ) [Imagem do Google e trecho entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].