A reforma do CP também expõe um embate entre o presidente do Senado, José Sarney, autor da proposta, e grandes juristas do Brasil que pedem a retirada do projeto. Até agora, há pelo menos um ponto em comum nos dois lados da mesa de discussão: a necessidade de mudança no código atual, que é de 1940.
O primeiro argumento dos juristas contrários ao novo CP refere-se ao processo de debate e discussão acerca das mudanças propostas. Durante sete meses, foram realizadas mais de 20 reuniões e quatro audiências públicas. Mesmo assim, segundo eles, o tempo de discussão foi curto e o assunto ainda está longe dos olhos do grande público.
Para o professor de Direito Penal, René Ariel Dotti, as audiências públicas ficaram muito focadas em discussões temáticas e pouco nas reais necessidades de mudança. “Foi mais um marketing do Senado que uma preocupação sincera e fundada para redigir um anteprojeto. Havia nas audiências públicas uma dispersão emocional do debate.” O advogado lembra que, em uma das audiências em que participou, o tema aborto monopolizou o debate.
Investigação
O presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), André Luis Machado Castro, acredita que o foco principal da reforma não deveria ser a teoria, mas a efetividade do código vigente. Na avaliação dele, o projeto propõe a criminalização de mais situações como forma de melhorar a segurança pública, o que não soluciona o problema “real” do país. “O sentimento de impunidade é a grande questão. É preciso que as leis tenham mais efetividade”, argumenta.
Para isso, ressalta que a prioridade deveria ser a discussão sobre como melhorar o aparelhamento do Estado no combate aos crimes. “Quase não há investigação no Brasil. De uma maneira geral, as pessoas só são presas em flagrantes. Se não ocorrer o flagrante, dificilmente, elas serão presas”, diz. De acordo com Castro, é preciso pensar mais na prevenção dos delitos por meio de políticas públicas. “Podem ser mais eficientes que simplesmente a alteração da legislação”, defende.
O secretário-geral da seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), Juliano Breda, defende a mesma ideia. “Não acredito em nenhuma reforma do Direito Penal sem um grande investimento em investigação no Brasil”, afirma. Breda participou de uma comissão anterior ao projeto da reforma do CP na Câmara dos Deputados que revisou crimes e penas.
O projeto do novo código está sendo discutido atualmente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. O prazo previsto para o fim da Comissão Especial do Senado, criada para analisar a reforma do CP está prevista para 4 de dezembro. Há possibilidade de prorrogação.
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Incongruências
“Quando deveria ser rígido é leve e quando deveria ser leve é rígido”O Código Penal é dividido em duas partes. A primeira é a chamada geral, um conjunto de normas que regula a aplicação e interpretação dos crimes e penas. A outra é a específica, que estabelece a pena para cada tipo de crime. E nenhuma delas escapa das críticas dos juristas. “A parte geral não necessitava de reforma ampla.Ela foi reformada em 1984 por comissão especializada”, argumenta Juliano Breda, secretário-geral da OAB-PR. No caso da parte específica, segundo ele, a comissão cometeu muitos equívocos. “Foram inúmeros erros. Quando deveria ser rígido é leve e quando deveria ser leve é rígido”, destaca.
Algumas das polêmicas mais escancaradas da proposta do novo Código Penal estão nos crimes cometidos contra animais. Realizar uma rinha de galo, por exemplo, geraria uma pena muito rigorosa, com até 12 anos de prisão, em comparação com a pena de homicídio culposo, que levaria o autor a ficar preso durante quatro anos.
“Há determinados tipos de infrações para as quais há penas muito mais altas do que deveriam ter”, ressalta o advogado René Dotti.
Terrorismo
Ele ainda lembra um problema conceitual da proposta no caso da criação da lei sobre terrorismo. “No caso do terrorismo, que é um crime brutal, não haverá crime se for cometido por movimentos de reinvindicações sociais. Isso é um absurdo tão grande porque toda e qualquer revolução que usa o terrorismo tem movimentos sociais”, afirma.