Artigo de Darío Pignotti, do jornal "Página/12" (Argentina)
“Nas eleições municipais de São Paulo vencidas domingo pelo PT, Luiz Inácio Lula da Silva confirmou ser o único presidente latino-americano que mantém intacta sua influência e capacidade de conduzir as linhas de um projeto de poder de longo prazo. Basta fazer comparação rápida pelo continente para demonstrar a tese. Se a eleição de Dilma Rousseff, há dois anos, se deveu em grande parte ao ex-mandatário, a de Haddad foi uma obra que ele projetou e montou peça por peça desde o início, sob o olhar incrédulo da maioria, inclusive dentro do PT.
Há três meses, o presidente mexicano Felipe Calderón Hinojosa fracassou em sua tentativa de fazer com que sua agrupação, o direitista “Partido Ação Nacional”, continuasse no poder no próximo mandato. Na Colômbia, o ex-presidente Álvaro Uribe viu seu projeto de poder belicista ser arquivado por seu sucessor, Juan Manuel Santos, um direitista envolvido hoje no diálogo de paz com a guerrilha das FARC.
A eleição de Fernando Haddad foi, sem dúvida, um triunfo da perspicácia política do ex-mandatário.
Comunicando-se por momentos com sinais devido a um tumor na laringe, Lula convenceu a cúpula do PT, há um ano, para que o até então pouco conhecido Fernando Haddad, fosse o candidato à prefeitura de São Paulo. Estava só. Os médicos tinham diagnosticado seu câncer no dia 28 de outubro de 2011. No dia 30, começou as sessões de quimioterapia e, na mesma semana, chamou seus companheiros para conversar sobre a ideia que vários viam como um capricho: a postulação desse graduado em Direito, Economia e Filosofia, autor de uma tese de doutorado sobre novas leituras de Marx, que nunca havia disputado um cargo majoritário. Finalmente, a direção petista acatou a candidatura do afilhado político de Lula em novembro do ano passado e a oposição ligada ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, líder do Partido da Socialdemocracia Brasileira (PSDB) comemorou antecipadamente o que imaginou seria uma derrota humilhante do PT nas eleições nessa cidade-estado de 11 milhões de habitantes que é São Paulo.
Dono de sensibilidade política impar, Lula se envolveu não só na defesa desse professor de 49 anos, que foi eleito domingo com mais de 56% dos votos, mas na nacionalização da eleição. Era, praticamente, o único petista convencido que seu partido era capaz de vencer em São Paulo e desferir, assim, golpe no fígado da direita que havia feito da maior metrópole sul-americana uma trincheira ao projeto iniciado em 2003 com a chegada do maior partido da esquerda latino-americana ao Palácio do Planalto.
Essa obstinação colocou Lula a beira do ridículo midiático.
Desde o interior da empresa de entretenimento, notícias e desinformação “Globo”, o partido de fato, cujo norte político tem sido atacar o governo petista da maneira que puder, surgiu a interpretação disseminada com força viral nos círculos políticos, de que o ex-torneiro mecânico estava debilitado por sua enfermidade e isso tinha feito com que ele perdesse o sentido da realidade ao pretender que o “poste” Haddad se tornasse um candidato viável.
A Globo baseava sua argumentação em dado correto, o de que o postulante à prefeitura era um nada eleitoralmente, já que, há 90 dias, somente 3% dos paulistanos sabia de sua existência.
Ao longo da campanha, a “Globo” tratou Haddad com o mesmo script adotado em 2010 quando sua linha editorial foi mostrar a então candidata presidencial Dilma Rousseff como uma “ex-terrorista” sem luzes, tese urdida por Fernando Henrique Cardoso que a tratou como uma “marionete de Lula”. Cardoso e a Globo erraram o diagnóstico: Dilma demonstrou ter identidade própria e venceu as eleições presidenciais com 56 milhões de votos, derrotando Serra, do PSDB, o mesmo candidato que domingo foi derrotado por Fernando Haddad em São Paulo.
Se a eleição de Dilma Rousseff, há dois anos, se deveu em grande parte ao ex-mandatário, a de Haddad foi uma obra que ele projetou e montou peça por peça desde o início, sem contar com a visibilidade que lhe dava o exercício da presidência.
Lula é um construtor obcecado e é o verdadeiro vencedor da eleição de domingo, a qual chegou a definir como uma “guerra” diante do bloco conservador que havia tomado como bandeira de campanha o escândalo de corrupção conhecido como “mensalão”, ocorrido durante seu governo entre 2003 e 2005.
A quimioterapia afetou o timbre de sua voz, mas isso não o impediu de participar como um militante de base em dezenas de atos em favor de Haddad e de dezenas de candidatos a prefeituras em todo o país antes do primeiro turno de 7 de outubro. Após breve recesso em 17 de outubro, quando viajou a Buenos Aires para reunir-se com a presidenta Cristina Fernández de Kirchner, no dia 19 Lula já estava animando outro comício em São Paulo na reta final do segundo turno realizado no domingo.
A vigência política de Lula logo depois de deixar o governo é outro dado pouco usual na América Latina: nas recentes eleições presidenciais do México, o presidente Felipe Calderón foi derrotado pela oposição. Algo similar ocorre na Colômbia, onde o ex-presidente Álvaro Uribe viu seu projeto de guerra ser deixado de lado por seu sucessor Juan Manuel Santos em troca dos incipientes diálogos de paz com as FARC.
“Quero agradecer, do fundo do meu coração, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sou grato ao presidente Lula pela confiança e o apoio sem os quais teria sido impossível vencer essa eleição”, disse Haddad diante de seus correligionários que se preparavam para os festejos na Avenida Paulista.
Haddad também agradeceu à presidenta Dilma que, na sexta-feira, havia participado de uma festa privada por ocasião do aniversário de Lula que, no sábado, completou 67 anos.
O triunfo em São Paulo e o bom desempenho do partido governante nos 5.568 municípios que realizaram eleições em 7 de outubro, dos quais 50 tiveram segundo turno domingo, também foi uma vitória para Dilma, de 64 anos, ao cumprir a primeira metade de seu governo.
Haddad conquistou a confiança de Lula graças à sua gestão como ministro da Educação entre 2005 e 2012, quando implementou um programa de bolsas para estudantes pobres, o PROUNI, que permitiu que cerca de um milhão de jovens chegassem à universidade. Agora, deverá demonstrar que é competente para governar São Paulo e, se o fizer, confirmará seu nome como referência da nova geração petista, essa que, Lula imagina, poderá governar o país na próxima década. Essa é a aposta de longo prazo do fundador do PT.”
FONTE: artigo de Darío Pignotti, no jornal “Página/12” (Argentina).Transcrito no site “Carta Maior” com tradução de Katarina Peixoto (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21166).
“Nas eleições municipais de São Paulo vencidas domingo pelo PT, Luiz Inácio Lula da Silva confirmou ser o único presidente latino-americano que mantém intacta sua influência e capacidade de conduzir as linhas de um projeto de poder de longo prazo. Basta fazer comparação rápida pelo continente para demonstrar a tese. Se a eleição de Dilma Rousseff, há dois anos, se deveu em grande parte ao ex-mandatário, a de Haddad foi uma obra que ele projetou e montou peça por peça desde o início, sob o olhar incrédulo da maioria, inclusive dentro do PT.
Há três meses, o presidente mexicano Felipe Calderón Hinojosa fracassou em sua tentativa de fazer com que sua agrupação, o direitista “Partido Ação Nacional”, continuasse no poder no próximo mandato. Na Colômbia, o ex-presidente Álvaro Uribe viu seu projeto de poder belicista ser arquivado por seu sucessor, Juan Manuel Santos, um direitista envolvido hoje no diálogo de paz com a guerrilha das FARC.
A eleição de Fernando Haddad foi, sem dúvida, um triunfo da perspicácia política do ex-mandatário.
Comunicando-se por momentos com sinais devido a um tumor na laringe, Lula convenceu a cúpula do PT, há um ano, para que o até então pouco conhecido Fernando Haddad, fosse o candidato à prefeitura de São Paulo. Estava só. Os médicos tinham diagnosticado seu câncer no dia 28 de outubro de 2011. No dia 30, começou as sessões de quimioterapia e, na mesma semana, chamou seus companheiros para conversar sobre a ideia que vários viam como um capricho: a postulação desse graduado em Direito, Economia e Filosofia, autor de uma tese de doutorado sobre novas leituras de Marx, que nunca havia disputado um cargo majoritário. Finalmente, a direção petista acatou a candidatura do afilhado político de Lula em novembro do ano passado e a oposição ligada ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, líder do Partido da Socialdemocracia Brasileira (PSDB) comemorou antecipadamente o que imaginou seria uma derrota humilhante do PT nas eleições nessa cidade-estado de 11 milhões de habitantes que é São Paulo.
Dono de sensibilidade política impar, Lula se envolveu não só na defesa desse professor de 49 anos, que foi eleito domingo com mais de 56% dos votos, mas na nacionalização da eleição. Era, praticamente, o único petista convencido que seu partido era capaz de vencer em São Paulo e desferir, assim, golpe no fígado da direita que havia feito da maior metrópole sul-americana uma trincheira ao projeto iniciado em 2003 com a chegada do maior partido da esquerda latino-americana ao Palácio do Planalto.
Essa obstinação colocou Lula a beira do ridículo midiático.
Desde o interior da empresa de entretenimento, notícias e desinformação “Globo”, o partido de fato, cujo norte político tem sido atacar o governo petista da maneira que puder, surgiu a interpretação disseminada com força viral nos círculos políticos, de que o ex-torneiro mecânico estava debilitado por sua enfermidade e isso tinha feito com que ele perdesse o sentido da realidade ao pretender que o “poste” Haddad se tornasse um candidato viável.
A Globo baseava sua argumentação em dado correto, o de que o postulante à prefeitura era um nada eleitoralmente, já que, há 90 dias, somente 3% dos paulistanos sabia de sua existência.
Ao longo da campanha, a “Globo” tratou Haddad com o mesmo script adotado em 2010 quando sua linha editorial foi mostrar a então candidata presidencial Dilma Rousseff como uma “ex-terrorista” sem luzes, tese urdida por Fernando Henrique Cardoso que a tratou como uma “marionete de Lula”. Cardoso e a Globo erraram o diagnóstico: Dilma demonstrou ter identidade própria e venceu as eleições presidenciais com 56 milhões de votos, derrotando Serra, do PSDB, o mesmo candidato que domingo foi derrotado por Fernando Haddad em São Paulo.
Se a eleição de Dilma Rousseff, há dois anos, se deveu em grande parte ao ex-mandatário, a de Haddad foi uma obra que ele projetou e montou peça por peça desde o início, sem contar com a visibilidade que lhe dava o exercício da presidência.
Lula é um construtor obcecado e é o verdadeiro vencedor da eleição de domingo, a qual chegou a definir como uma “guerra” diante do bloco conservador que havia tomado como bandeira de campanha o escândalo de corrupção conhecido como “mensalão”, ocorrido durante seu governo entre 2003 e 2005.
A quimioterapia afetou o timbre de sua voz, mas isso não o impediu de participar como um militante de base em dezenas de atos em favor de Haddad e de dezenas de candidatos a prefeituras em todo o país antes do primeiro turno de 7 de outubro. Após breve recesso em 17 de outubro, quando viajou a Buenos Aires para reunir-se com a presidenta Cristina Fernández de Kirchner, no dia 19 Lula já estava animando outro comício em São Paulo na reta final do segundo turno realizado no domingo.
A vigência política de Lula logo depois de deixar o governo é outro dado pouco usual na América Latina: nas recentes eleições presidenciais do México, o presidente Felipe Calderón foi derrotado pela oposição. Algo similar ocorre na Colômbia, onde o ex-presidente Álvaro Uribe viu seu projeto de guerra ser deixado de lado por seu sucessor Juan Manuel Santos em troca dos incipientes diálogos de paz com as FARC.
“Quero agradecer, do fundo do meu coração, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sou grato ao presidente Lula pela confiança e o apoio sem os quais teria sido impossível vencer essa eleição”, disse Haddad diante de seus correligionários que se preparavam para os festejos na Avenida Paulista.
Haddad também agradeceu à presidenta Dilma que, na sexta-feira, havia participado de uma festa privada por ocasião do aniversário de Lula que, no sábado, completou 67 anos.
O triunfo em São Paulo e o bom desempenho do partido governante nos 5.568 municípios que realizaram eleições em 7 de outubro, dos quais 50 tiveram segundo turno domingo, também foi uma vitória para Dilma, de 64 anos, ao cumprir a primeira metade de seu governo.
Haddad conquistou a confiança de Lula graças à sua gestão como ministro da Educação entre 2005 e 2012, quando implementou um programa de bolsas para estudantes pobres, o PROUNI, que permitiu que cerca de um milhão de jovens chegassem à universidade. Agora, deverá demonstrar que é competente para governar São Paulo e, se o fizer, confirmará seu nome como referência da nova geração petista, essa que, Lula imagina, poderá governar o país na próxima década. Essa é a aposta de longo prazo do fundador do PT.”
FONTE: artigo de Darío Pignotti, no jornal “Página/12” (Argentina).Transcrito no site “Carta Maior” com tradução de Katarina Peixoto (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21166).