Site Pública: Em época de campanha vale tudo? Veja quais foram as garantias que o Brasil deu à Fifa para sediar a Copa 2014. Veja o documento
Em junho de 2007, o Brasil assinou um documento de garantias à FIFA com promessas típicas de campanha para sediar a Copa do Mundo em 2014. E se – na visão de especialistas e movimentos sociais - a Lei Geral da Copa é polêmica, por trazer artigos que se sobrepõem às leis do país e à nossa Constituição, as condições oferecidas pelo governo brasileiro à época são ainda mais impressionantes.
O Copa Pública destrincha o documento e coloca aqui alguns pontos que ilustram bem as condições em que a Copa foi negociada e como o governo brasileiro se mostrou disposto a fazer concessões sobre isenção total de impostos, esquema de segurança e proteção à Fifa e seus parceiros comerciais. Leia:
Vistos e entrada
No documento, o então ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, se compromete a conceder visto de entrada sem qualquer restrição a todos os oficiais, parceiros comerciais, clientes da Fifa e espectadores, dispensando as formalidades diplomáticas:
“(…)Eu, por meio deste, represento e garanto à Fifa e asseguro que para efeito de entrada e saída no Brasil e durante um período com início na data desta Garantia Governamental e com fim no dia 31 de dezembro de 2014, vistos de entrada e permissões de saída do Brasil serão concedidos incondicionalmente e sem qualquer restrições independente de nacionalidade, raça ou credo a:
(I) Todos os membros da delegação da Fifa; (II) Oficiais de Confederação da Fifa; (III)Oficiais das associações de membros participantes; (IV) Oficiais de jogos; (V)As equipes; (VI) Equipes de afiliados comerciais ; (VII) Emissora anfitriã, agência de direitos de transmissão e equipe de transmissão; (VIII) Equipe dos parceiros de produtos e vendas da Fifa, provedores de acomodação da Fifa, parceiros de ingresso da Fifa e parceiros de soluções de TI da Fifa;(IX) Equipe de provedores/parceiros de serviço de hospitalidade oficial da Fifa; (X) Clientes de hospitalidade comercial da Fifa; (XI) Representantes da mídia e (XII) Espectadores em posse de ingressos válidos para a partida e todos os indivíduos que possam demonstrar envolvimento nas competições uma vez que eles possam demonstrar de maneira razoável que estão entrando no país em conexão com atividades relacionadas às competições.
Impostos e taxas
A terceira garantia diz respeito a isenção total de impostos de importação para a Fifa, seus parceiros comerciais e clientes, emissora anfitriã e espectadores:
“(…)Iremos assegurar que as importações do Brasil e as reexportações subsequentes de quaisquer bens importados para uso relacionado às competições pertencentes aos indivíduos e entidades corporativas estrangeiros ou não residentes identificados abaixo devem ficar livres de todo imposto, encargo, direito aduaneiro e tributo cobrado por autoridades federais e solicitar que autoridades estaduais, locais e quaisquer outras autoridades ou organizações do Brasil a fazê-lo”.
Segurança
Neste tópico o documento garante à Fifa – incluindo todos os membros, oficiais, membros das delegações – emissora anfitriã, parceiros comerciais e espectadores, “um conceito completo de segurança” e toma para si “total responsabilidade por quaisquer incidentes e/ou acidentes com a proteção e/ou segurança relacionados à competição e indenizamos, defendemos e isentamos a Fifa de e contra todas as responsabilidades, obrigações, estragos, perdas, reivindicações, pedidos, recuperações, deficiências, custos e despesas (incluindo taxas de advogados que tais partes podem sofrer em relação a, em função ou provenientes de acidentes e/ou incidentes de proteção e/ou segurança relacionados às competições”
Proteção e exploração dos direitos comerciais
Neste trecho, o governo brasileiro se compromete a adotar uma série de medidas voltadas à proteção e exploração dos direitos comerciais da FIFA e das marcas associadas à Copa das Confederações 2013 e à Copa do Mundo 2014:
“Caso o Comitê Organizador Local estabelecido pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) seja selecionado pela FIFA para receber e organizar a Copa das Confederações FIFA 2013 e a Copa do Mundo FIFA 2014 (as “Competições”), nós por meio deste representamos e garantimos à FIFA e asseguramos que as seguintes medidas serão implementadas e operativas, de acordo com a legislação especial específica se necessário, pelo menos doze (12) meses antes do início da Copa das Confederações FIFA 2013″.
O Brasil se comprometeu até a aprovar legislação específica e se dispôs a permitir que estas medidas fossem implantadas a partir de 15 de junho de 2012, ou seja, um ano antes do início da Copa das Confederações e dois antes da Copa do Mundo.
Além das proteções aos direitos autorais da FIFA, o Brasil se comprometia a realizar a “implementação de uma zona de comércio de rua e publicidade dentro de e no espaço aéreo de 2 km da zona de exclusão em torno de cada local oficial, no qual o direito de atividades comerciais é reservado à FIFA e seus indicados.” Ou seja, a polêmica questão das zonas de exclusão da Lei Geral da Copa já era uma promessa do governo brasileiro em 2007.
O governo ainda se comprometia a realizar a “criação de um comitê de Programa de Proteção de Direitos não mais tarde que cinco (5) anos antes das Competições e que consista de membros de departamentos/agências de governo relevantes (como o departamento de comércio e indústria, o escritório de propriedade intelectual, serviços de alfândega, ministério público, órgãos de aplicação da lei, etc.) O objetivo do Comitê é se reunir a cada seis (6) meses (e com mais frequência durante o período imediatamente anterior às competições) e analisar, com o objetivo de implementar melhoras e iniciativas e proteger a propriedade intelectual da FIFA e seus direitos comerciais”. No intuito de zelar pelos direitos comerciais da FIFA, o Brasil se dispunha a criar um comitê de “notáveis”, a ser formado cinco anos antes da Copa das Confederações, e este comitê teria reuniões periódicas para pensar soluções no sentido de proteger os interesses comerciais da FIFA.
O governo não só assumiu a causa da FIFA como se dispôs a conceder “poderes especiais aos oficiais locais que aplicam a lei para trabalhar com a FIFA, para reforçar a proibição e as zonas de exclusão mencionadas acima, permitir a eles entrar nas premissas sem mandado, buscar e deter qualquer pessoa suspeita de violação, confiscar quaisquer materiais suspeitos com relação à violação e eliminar e/ou destruir materiais criados ou usados em relação à violação (no momento da detenção porviolação).”
Os privilégios comerciais da FIFA são tão cultivados que o Brasil prometeu que a polícia local não precisaria de mandado para confiscar materiais “suspeitos de violação” ou deter indivíduos que estejam violando tais privilégios, na ótica da FIFA.
A FIFA ainda ganhou a promessa de que as entidades que representarem comercialmente a entidade teriam “o direito, se necessário e sem custo, de forma acelerada, a se registrarem e estabelecerem como entidades comerciais legalmente reconhecidas no Brasil (…)”. Ou seja, é garantido aos parceiros comerciais da FIFA estabelecerem-se como pessoas jurídicas no país de forma rápida e de graça.
Indenização
O documento garante que o Brasil tomaria ”todas as providências necessárias no sentido do Brasil assegurar indenização à FIFA e seus representantes, empregados e consultores, bem como defendê-los e colocá-los a salvo de todos os custos com processos, reivindicações e custos afins (inclusive honorários advocatícios), que possam ser incorridos ou sofridos ou ameaçados por outros contra a FIFA” na realização da Copa do Mundo. Em caso de qualquer ação jurídica promovida contra a entidade, não haveria custos e o país se disporia a defender a entidade suíça, diz o mesmo acordo.
Telecomunicações, tecnologia de informação
O governo do Brasil assegurou “a disponibilidade (sem custo específico à FIFA ou aos usuários) de uma infraestrutura de telecomunicações, inclusive, mas não limitado a, todas as redes necessárias (alâmbrico ou inalâmbrico), todo o hardware de rede associado (inclusive equipamentos terminais), todos os codecs necessários e todos os equipamentos passivos e ativos; que permitirão todas as formas de telecomunicação, inclusive telefones internacionais e nacionais com o seu fio, comunicações de dados, áudio, e vídeo para as Competições e Eventos Auxiliares. Essa infraestrutura (…) estará conforme com os mais altos padrões e requisitos internacionais aplicáveis à época das Competições e Eventos Auxiliares e com os requisitos que a FIFA possa definir de tempo em tempo”.
Por este trecho, temos um pronunciamento oficial de um ministro garantindo à FIFA que a entidade receberá toda a infraestrutura necessária para as telecomunicações com a ressalva de ser equipamento de ponta. Ainda há a prerrogativa de que a FIFA poderá definir de tempo em tempo seus requisitos em relação a este material.