Dilemas presidenciais

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  • domingo, 11 de dezembro de 2011
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  • Após sequencia constrangedora de quedas de ministros acusados de atuação indevida, cresceu muito a expectativa com a reforma ministerial anunciada para acontecer no início do próximo ano.
    Um Ministério é uma equipe de governo. Sua eficiência depende de coordenação e unidade de ação, coisas que podem ser conseguidas ou por força de um projeto de governo que solidarize ética, política e intelectualmente seus integrantes, ou em decorrência da manifestação de alguma disciplina partidária. Na falta destas condições, a equipe pode até vencer os jogos que disputar, mas fará isso sem convencer e tropeçando nas próprias pernas.
    Uma boa equipe de governo precisa levar em conta o perfil de seus integrantes. Atributos técnicos são indispensáveis. É patético ver um ministro titubear quando instado a comentar as decisões que tomou ou não ser reconhecido pela comunidade científica que serve de referência às políticas que adota e dá sustentação a elas. Mas atributos técnicos precisam vir juntos com visão política, sensibilidade e apoios políticos. Sem isso, podem atrapalhar ou incentivar operações tecnoburocráticas, hostis à dimensão social das políticas públicas, ajudando assim a enrijecer tanto o aparelho de Estado quanto a ação governamental.
    Equipes competentes são bem dimensionadas. Não devem ter sobras ou superposições funcionais, fatores que produzem desperdício de recursos, conflitos improdutivos e desorientação. Um Ministério grande demais onera o Estado e sobrecarrega seu coordenador (no caso, o presidente), obrigando-o a dilatar a agenda ou a se cercar de assessores com que dividir as reuniões. É mais difícil de ser coordenado. Um corpo ministerial pequeno demais, por sua vez, tende a prejudicar a agilidade governamental e a fazer com que as decisões fiquem distorcidas tecnicamente, já que pautadas por critérios estranhos às diferentes áreas.
    Não é por outro motivo que a definição de um Ministério, ou sua reforma, assemelha-se a uma partida de xadrez, a um quebra-cabeça.
    No Brasil, há um complicador adicional, que está na base do sofrimento que cerca a operação e seguramente explica o mau desempenho ministerial em 2011. Trata-se do assim chamado “presidencialismo de coalizão”, nome pomposo para uma prática nada dignificante, com a qual o Poder Executivo concede espaços e recursos de poder aos partidos políticos que se dispuserem a apoiá-lo no Congresso. Não há nenhuma exigência de compromisso programático ou de convergência de interesses substanciais nas manobras que produzem e administram as coalizões. Elas se fazem e vivem ao sabor de conveniências menores, desprovidas de critérios técnicos e indiferentes a eventuais projetos de governo. E são quase sempre não-condicionadas: o partido indica o ministro e passa a ter o direito de “preencher” a estrutura administrativa e o comando da área em questão, ou seja, a congestioná-la de companheiros, amigos e protegidos. O ministério passa a ser coisa deles, partido e ministro, ainda que esteja formalmente submetido à coordenação presidencial.
    Compreende-se assim o alvoroço que acompanha o anúncio de que a presidente cogita de alterar sua equipe ministerial. Inflamam-se os que podem perder os cargos e os que sonham em garantir o controle futuro de alguma área. Ficam inseguros os que estão em ministérios mal avaliados ou que não conseguiram vingar, como é o caso, por exemplo, do Ministério da Pesca ou da Secretaria Especial de Portos. Movimentam-se os que percebem que suas estruturas estão se chocando com outras, mas que não aceitam vê-las absorvidas em um todo maior, nem mesmo se isso representar maior racionalidade, mais integração e melhores resultados.
    Nada é fácil. É razoável que se defenda, por exemplo, a fusão das áreas que respondem pelas políticas para as mulheres, para os direitos humanos e para a promoção da igualdade racial. Mas também é razoável que se avalie quanto a fusão dificultará ao governo a afirmação categórica de uma ou outra daquelas políticas. 
    A questão tem um claro componente técnico e político e reveste-se de grande relevância para o sucesso do governo. Seu equacionamento deveria excluir conveniências partidárias, chantagens e ameaças da base aliada, o egoísmo predatório de parte da classe política. Que deixem a presidente escolher livremente sua equipe. É para isto, aliás, que ela foi eleita, este é seu mandato. A política, porém, está tão ruim, tão vazia de grandeza, desprendimento e compromisso coletivo, que não é de se esperar que, justo agora, políticos e partidos recuem um passo e deixem o “presidencialismo de coalizão” se manifestar com dignidade, como uma aliança em prol do sucesso governamental. Restará, assim, à Presidente, a opção de escolher entre maquiar sua equipe, trocando seis por meia dúzia, ou enfrentar os partidos, com o risco de perder base de apoio para aprovar suas decisões. É um dilema, com certeza. Mas governar é, acima de tudo, viver dilematicamente. [Publicado  no caderno Aliás, O Estado de S. Paulo, 11/12/2011, p. 3].
     
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