CENAS DA DITADURA - 06 - OS ÁRABES, A POLOP, OS MICHÊS E EU

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  • terça-feira, 7 de junho de 2011
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  • Foragido desde a descoberta dos manifestos na minha casa, tinha que encontrar um aparelho onde esconder-me naqueles tempos.  

     Eu conhecia um sujeito, irmão de um grande humorista brasileiro amigo meu, já falecido.  Sabia que ele possuía uma casa na Rua Taylor , na Lapa. E que não tinha ele nenhum tipo de envolvimento com política. Era o lugar ideal. Insuspeito. Procurei-o , disse apenas que havia saído de casa e se podia ficar uns tempos lá. Tudo certo.


    Fiz contato com a Polop que me dava assistência política e o equivalente a 2 cruzeiros por  dia. Este dinheiro dava para uma refeição diária. O resto eu me virava no possível. Um pão aqui, um arroz ali...


    A casa ficava bem mais pra cima – a Taylor é uma ladeira. Mas era uma casa muito estranha: poucos móveis e muitos rapazes. Muitos. Dormiam lá, apenas. Ao acordar saíam e voltavam de madrugada.  Pude observar com o correr dos dias que muitos tomavam drogas em comprimidos. Só então percebi  que meu amigo tão simpático ,e  eu tão ingênuo, era cafetão de michês masculinos, e  a casa servia de dormitório para eles, já que ficava bem próxima à Cinelândia, “point” ideal àquela época.


    Pinóquio percebera que havia caído no Circo do Stromboli!


    Mas, que jeito?  Se não me incomodassem... eu também era clandestino e marginal... portanto, que se danasse o mundo.


     Para completar a marginalidade, passei a fazer minhas refeições num restaurante muito barato que ficava também na Lapa, bem próximo da Taylor, num dos becos, bem escondido. Indicaram-me. Vale lembrar  que sou descendente de árabes. E só na segunda refeição percebi que toda a freguesia das casa era composta de emigrantes árabes clandestinos. Todos falando em árabe e ilegais no País. Por isso haviam indicado este ”restaurante” ao jovem com cara de marroquino faminto.


    Estava feito: comunista, menor de idade, numa casa de prostituição masculina e comendo num botequim para mouros clandestinos. Não podia achar melhor cenário  para quem gostava de aventuras... que ironia.


    Mas de uma coisa estejam certos: a polícia jamais pensaria em me encontrar por ali. (risos)


    Para sair à rua passei a usar óculos escuros, uma japona pesada, e  a pentear o cabelo repartido e virado para outro lado. Não mudava nada, mas eu acreditava, que era outra pessoa. 


    Tinha notícias de casa: meu pai havia sido detido, mas graças a um tio , ex-pracinha da FEB, e com contatos no DOPS fora liberado no mesmo dia com a condição de apresentar-me , caso contrário ele voltaria para a prisão.
    A família tentava negociar isto comigo, diziam que nada aconteceria comigo... e eu me negava. Papai que fosse preso, pelo menos era um pai só. Do contrário, apresentando-me,  seriam quase duas dezenas de pais presos... E eu acusava meu pai de ser um burguês; de nada ter feito para impedir que a Ditadura se instalasse... enfim: uma pequena parte de tudo que um adolescente rebelde e idealista poderia dizer aos seus pais naquela época. 


    E assim vivendo , eu, um herói trágico  disfarçado de  “bicha existencialista”, (risos)  dava-me ao luxo de alguns passeios ao sol pelo Aterro do Flamengo...e foi num desses passeios que fui descoberto.


    Próximo : ENCHI A CARA DE PERVITIN E FUI PRO DOPS
     
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