A tragédia na escola de Realengo no Rio não pode ser explicada de maneira tão simplista. O pior é que, diante da revolta e da comoção, estamos todos propensos a aceitar este caminho, escondendo de nós mesmos os verdadeiros problemas deste drama. Pedimos policiamento ostensivo nas escolas, mas esquecemos que possivelmente o que mudaria seriam as vítimas e talvez o local, mas não a chacina.
A tragédia de Realengo foi executada por um ex-aluno da escola que acessou o local a fim de visitar uma ex-professora e retirar a segunda via do seu currículo escolar. Isso nem o policiamento ostensivo poderia evitar. Indo além, sabemos que para cumprir seu verdadeiro papel, a escola deve ser um espaço lúdico, aberto à comunidade, de transformação da realidade dos seus alunos e da própria comunidade a partir da construção de saberes e da conscientização social. Podemos – e devemos – até questionar se ela cumpre este papel, mas jamais transformá-la em uma ilha de alunos trancafiados. Neste caso, correríamos o risco de manter as escolas alheias à realidade social e torná-las ainda mais ineficazes no papel de propagação da cultura da não-violência e no combate a outras mazelas sociais como a violência doméstica e o abuso sexual contra crianças e adolescentes.
A chacina foi planejada por uma mente psicopata, num momento de grande sofrimento mental ocasionado por diversos fatores que a acompanhavam desde a infância e cuja tendência um dia era explodir – e explodiu da pior forma possível. A ação foi típica desse sofrimento, descarregando sua ira e sua dor primeiro na sociedade e depois em si próprio. O sofrimento, agravado pela rejeição na adolescência, pela morte dos pais, pelo isolamento, pelo fundamentalismo religioso vindo possivelmente de pregações messiânicas encontradas em igrejas pentecostais ou evangélicas (sem fazer juízo destas religiões, pois elas por si só, isoladamente, não são culpadas por nenhuma tragédia), levou a essa tragédia.
Neste sentido, a ausência – ou o enfraquecimento - de políticas públicas voltadas ao desarmamento e de atenção à saúde mental, foram aliadas de uma mente psicopata.
Somente no Rio de Janeiro circulam, pelo diagnóstico oficial, quase 600 mil armas ilegais. Muitas, em mãos de criminosos do tráfico de drogas, outras, nas mãos de pessoas comuns. O fato é a facilidade extrema nos dias de hoje que se tem para adquirir uma dessas armas ilegais, seja no Rio de Janeiro ou mesmo em Porto Alegre, e a quase ausência do estado no combate ao comércio ilegal e na campanha do desarmamento. Não posso deixar de citar que esta política foi enfraquecida com a decisão soberana da sociedade em relação ao plebiscito do desarmamento alguns anos atrás.
Sobre saúde mental, a ausência de políticas públicas é ainda igual ou maior do que com relação ao desarmamento. Poucas são as cidades brasileiras que possuem serviço adequado de acompanhamento e tratamento psicossocial. Tal acompanhamento poderia iniciar dentro do próprio ambiente escolar, ser integrado como um dos objetivos da estratégia Saúde da Família, cujas equipes multidisciplinares realizam milhares de visitas diariamente Brasil afora e estabelecem o acompanhamento das enfermidades e do histórico das famílias e, sobretudo, a partir da maior oferta de leitos psiquiátricos públicos nas cidades.
Há, ainda, muitos outros fatores, os quais deixarei para os especialistas. A reprodução no Brasil de uma chacina típica de uma sociedade doente, armamentista, consumista como a norte-americana, deve ser fruto de muita análise racional e despida de emoções por especialistas das mais diversas áreas de conhecimento. A dor daqueles que perderam seus filhos, o sentimento de impotência de toda a sociedade diante de um ato brutal não deve nunca ser esquecida, mas a análise real de suas causas levarão o país a evitar que tragédias como a de Realengo se muitipliquem.
*por André Rosa