No momento em que todas as atenções estão voltadas à operação contra traficantes no Rio de Janeiro, é bom lembrar, que ainda há muito a fazer em relação ao tráfico de drogas, como aponta o jurista Wálter Maierovitc em artigo de Weissheimer na Carta Maior:
Os verdadeiros chefes do narcotráfico no Rio de Janeiro são ligados à rede do crime organizado transnacional que movimenta no sistema bancário internacional cerca de 400 bilhões de dólares por ano. Esses são os grandes responsáveis pela violência e pelo tráfico de drogas e armas em todo o mundo.
E como é muito mais difícil e complexo desbaratar o crime organizado na sua origem, vale a pena reler parte de artigo de Maria Orlana Pinassi, já publicado no blog AQUI, em que a autora, acertadamente, relaciona o capitalismo com o crime:
A hierarquia classista e trágica do crime
Aqui chego ao ponto que me fez refletir sobre a essencialidade do crime para a sociedade burguesa e aperspectiva de classe tão fielmente reproduzida em sua hierarquia. Sim, porque é no interior de toda essa discussão que se deve tratar a realidade da explosiva população carcerária que, apesar de confinada, vem apavorando com as notícias sobre as rebeliões que organiza e as ações que efetivamente lidera nas ruas. Essa perspectiva, portanto, é muito diferente do senso comum que analisa o problema a partir dele próprio,como se a sua existência fosse algo em si ou, quando muito, um problema de má gerência do Estado, reflexo da corrupção que emana da representação política (no Brasil e mundo), um problema de educação, enfim.
À essa altura da discussão realizada, uma questão fundamental é saber: quem são os indivíduos amotinados e organizados em torno do PCC? São bandidos? Quanto a isso parece não haver muita dúvida. Todos eles, de algum modo, violaram, muitas vezes violentamente, regras essenciais e necessárias à sociabilidade humana, mesmo quando submetidas à lógica do capital.
Aqueles indivíduos, amontoados em celas como animais no abatedouro, sujeitos às piores humilhações e violência física, um dia roubaram, traficaram, mataram, realizaram, em muitos dos casos, o trabalho sujo reservado à “escória” de uma estrutura social, seja ela legal ou ilegal.
Assim, tanto quanto Sherlock ou Hercule Poirot o fariam, eu pergunto: qual o motivo do crime cometido por eles? Pois bem, aqui reside toda a diferença entre os bandidos-que-vão-para-a-cadeia e os bandidos-que-não-vão-para-a-cadeia, entre os bandidos visíveis e os bandidos invisíveis, estes em geral assentados nos setores mais importantes, e até mesmo insuspeitos, da sociedade capitalista (5). Em princípio, portanto, parece que para aqueles que não-vão-para-a-cadeia, o crime é a oportunidade de acumular e fortalecer ainda mais a condição de burguês, a fim de conquistar todos os benefícios materiais e imateriais que correspondem a esse status quo, cujo pré-requisito é a propriedade privada, independentemente dos critérios de moral e de princípios éticos, hipocritamente constituídos para a sociedade de classes. Para os que vão-para-a-cadeia, o trabalho desenvolvido no interior da atividade criminosa constitui um meio de reproduzir as condições de sua vida de bandidos que, conscientemente, vão-sempre-voltar-para-a-cadeia.
O bandido visível nasce em bairro de pobres, é subnutrido, aplaca a fome com cola, com crack, não estuda, apanha e é submetido a sevícias em casa, na rua, na Febem, mais tarde, nas delegacias de polícia.
Aprende a empunhar a arma desde cedo, único meio de afirmação da sua existência e da sua reduzida auto-estima. A violência sempre foi a mediação mais familiar que o liga à vida e no seu mundo, tão óbvio quanto manejar uma arma, não há lugar para a fantasia, para o glamour, nem para o romance; toda perspectiva é imediata, sem rodeios, inclusive a necessidade premente de recorrer ao crime.
Mas isso está muito longe de ser uma espécie útil de darwinismo social, como nos faz supor a imprensa que trata de modo tão leviano a questão. Paira, então, a dúvida: antes de serem simplesmente os bandidos que realizam o trabalho sujo do mundo em que vivemos, de onde eles vêm? Evidente que sua árvore genealógica não pactua consangüinidade com as elites. Como regra, o passado é rude e proletário, condição progressivamente negada pelo capital legal em sua fase de decadência histórica. Assim, durante a crise estrutural o capital os expulsa pela porta da frente para readmiti-los pela porta dos fundos, sob as piores e mais precarizadas condições possíveis. Para eles, inexistem leis a regulamentar limite de idade, jornada de trabalho, insalubridade. A situação, enfim, remete aos piores dias vividos pela classe trabalhadora nos primórdios da revolução industrial. E sobre isso, vale ainda pensar nas campanhas que visam coibir o trabalho infantil, enquanto a própria sociedade condena os “aviõezinhos” do tráfico.
Esses homens e mulheres inexistem para a sociedade, a não ser quando saem dos morros, favelas, presídios para ameaçá-la. É nestas ocasiões que os “pacatos cidadãos de bem” despertam sua ira para ressuscitar a pena de morte, o discurso da autoridade, da repressão (6).