Publicado originalmente na Alemanha em 1986, Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade, de Ulrich Beck, tornou-se uma espécie de clássico contemporâneo da sociologia. Traduzido por Sebastião Nascimento, chega agora ao Brasil, num lançamento da Editora 34.
Na próxima terça-feira, dia 24 de agosto, às 17h, o fato será registrado na mesa-redonda "Globalização e sociedade de risco: a sociologia política de Ulrich Beck", a ser realizada na PUC de São Paulo.
Beck (1944) é professor de Sociologia na Universidade de Munique, na London School of Economics and Political Science e doutor honoris causa por diversas universidades europeias. É editor do jornal Soziale Welt e da coleção Edition Zweite Moderne [Segunda Modernidade] da editora Suhrkamp, e diretor-fundador do centro de pesquisas "Reflexive Modernisierung" [Modernização Reflexiva], na Universidade de Munique.
Participarei da mesa-redonda juntamente com Luiz Eduardo Wanderley (PUC) e Maria Helena Oliva Augusto (USP). Ela ocorrerá no Auditório 134C, do prédio novo da PUC. Fará parte da programação da Semana de Ciências Sociais, numa promoção conjunta dos cursos de Ciências e Relações Internacionais da universidade.
Escrevi um pequeno texto para as abas da capa da edição brasileira do livro de Beck. Transcrevo abaixo o texto.
A primeira edição de Sociedade de risco foi publicada na Alemanha em 1986, logo após o acidente de Tchernobil: inesperadamente, uma usina nuclear construída para fins pacíficos e em regime de segurança máxima foi pelos ares naquela cidade ucraniana, espalhando caos e pavor pela Europa e suspendendo a respiração do planeta.
O livro de Ulrich Beck chega ao Brasil comprovando sua atualidade e o vigor de sua argumentação. Afinal, ele coincide com a reiteração de um circuito diabólico integrado por catástrofes, crises e tragédias que se sucedem em âmbito global, inquietam e intrigam. Se incluirmos no circuito a escalada da violência banal, do terrorismo e dos crimes hediondos, a sensação de mal-estar que impregna a vida cotidiana, o retorno de doenças que se acreditava controladas, o desemprego estrutural, a desorientação dos jovens em relação ao futuro e o desequilíbrio ecológico, entre tantas coisas, vemo-nos num cenário que exige explicações no mínimo audaciosas.
Seria esse cortejo de horrores e dificuldades a expressão de acidentes normais, de falhas sistêmicas passíveis de prevenção ou da “vingança” de uma natureza cansada de superexploração? Ainda que tais motivos possam ser plausíveis, não há como descartar a hipótese principal que emerge do presente livro: passamos a viver em meio aos efeitos colaterais de uma civilização — a modernidade capitalista industrial — que regurgitou e saiu dos trilhos, voltando-se contra si própria e escapando dos controles que visam ordená-la.
Mobilizando de modo consistente uma admirável rede de conhecimentos e informações, o livro de Beck converteu-se num clássico contemporâneo. Tornou-se obrigatório para quem deseja entrar em contato com a realidade do mundo atual sem cair na mesmice das denúncias ocas contra a globalização ou o neoliberalismo e sem repetir monotonamente os lugares-comuns das boas e velhas teorias clássicas.
Beck trabalha num espaço de transições. Admite que ainda não vivemos plenamente — em todas e em cada sociedade humana — numa civilização fundamentada no risco, mas também que já não estamos mais ancorados na sociedade industrial vinda do século XIX. Seguimos céleres rumo a uma outra modernidade: tardia, globalizada, radicalizada, reflexiva, que nos conecta numa mesma experiência mundial e, com isso, distribui e socializa todos os ônus e oportunidades. Nessa nova modernidade, “emerge um novo tipo de destino adscrito em função do perigo, do qual nenhum esforço permite escapar”. Os sistemas concebidos para proteger e racionalizar convertem-se em forças destrutivas. Ameaças vêm a reboque do consumo cotidiano, infiltradas na água, em alimentos, nas roupas, nos objetos domésticos. Tudo é processado reflexivamente, quer dizer, mediante discussão, elaboração, troca de informações, que voltam a turbinar o circuito. Trata-se de “uma civilização que ameaça a si mesma”, na qual a incessante produção de riqueza é acompanhada por uma igualmente incessante “produção social de riscos”.
Como então compreender a vida seguindo as mesmas pegadas de antes? Como explicá-la com os conceitos e categorias de sempre? Precisamos urgentemente de interpretações que “nos façam repensar a novidade que nos atropela e nos permita viver e atuar com ela”.
O convite feito por Ulrich Beck nesse livro luminoso e contagiante não se dirige aos que pensam que o mundo está acabando, mas aos que sabem que a vida segue, sempre. Sociedade de risco contém sugestões teóricas poderosas. Provoca-nos com achados inusitados. Impulsiona-nos a olhar além. Projeta-nos no olho do furacão.