Partidos em transição

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  • sábado, 26 de junho de 2010
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  • Agora que a campanha presidencial ganha força e os candidatos começam a revelar seus recursos e ideias, pode ser útil dar algum destaque ao que está por trás e na base deles.
    Refiro-me aos partidos políticos, e especialmente ao PT e ao PSDB, as duas estruturas mais importantes em termos de quadros, bancadas parlamentares, experiência de governo e presença na história recente do país.
    O cientista político Luiz Werneck Vianna tem observado, de forma recorrente, que esses dois partidos “paulistas”, nascidos nas dobras da redemocratização para dar voz e representação a vários setores sociais impulsionados pela modernização, teriam vindo ao mundo com “um diagnóstico comum sobre o que seriam os males do país”: o excesso de Estado, a “herança ibérica” e patrimonial, o autoritarismo político, as políticas de clientela, o burocratismo parasitário, os mecanismos de cooptação, em suma, tudo aquilo que bloqueava a movimentação da sociedade civil e a livre representação dos interesses.
    No entanto, crescendo como estruturas independentes, passaram a ter de lutar pela conquista de espaços, recursos de poder e “territórios”. Tornaram-se concorrentes, adversários. E o que poderia ter produzido uma vigorosa social-democracia no país acabou por desembocar no fortalecimento de dois partidos que detém a hegemonia na política nacional mas não conseguem mudar a face do país, nem melhorar a representação política dos setores que a eles se vincularam na origem.
    Com isso, PT e PSDB deixaram de ser “expressões do moderno na política” e se entregaram ao trabalho de cortejar as forças do atraso político e social, para assim responderem ao “presidencialismo de coalizão” que prevaleceria no país. A diferença entre eles esmaeceu. Converteu-se em efeito colateral dos embates eleitorais.
    Isso não quer evidentemente dizer que os dois partidos tenham se tornado iguais, nem que as distinções entre eles se resumam a detalhes banais ou pouco nobres. Muitas coisas importantes separam PT e PSDB: o estilo de governo, a relação com os setores organizados da sociedade, a maneira como concebem a questão da regulação do mercado. Isso para não mencionar suas ideias de desenvolvimento, distribuição de renda, redução da desigualdade e afirmação dos direitos de cidadania, que dão origem a políticas públicas distintas.
    A interessante hipótese de Werneck Vianna vale tanto pelo que constata quanto pelo que sugere.
    PT e PSDB perderam progressivamente a graça e a vitalidade. Acostumaram-se ao exercício do poder, assimilaram as implicações da globalização e do estabelecimento de um padrão mais “líquido”, individualizado e veloz de vida social, ajustaram-se às novas maneiras de fazer política e disputar eleições. Deixaram-se envolver por uma rede de ressentimentos, mágoas e feridas recíprocas, que os mantém em um conflito inflamado mas pouco substantivo. “Civilizados” pela estabilidade democrática do país e pelos ritos e armadilhas do sistema político, foram se desconstruindo como partidos. Hoje, estão à procura de um novo eixo. Não conseguem mais aparecer com cara própria, compatível com os ideais de esquerda ou centro-esquerda que professam.
    Donde a sensação de que as disputas eleitorais transcorrem sem muita nitidez, como se expressassem mais do mesmo. Há concordâncias categóricas quanto ao que se considera “fundamental” -- a estabilidade financeira, a responsabilidade fiscal, a necessidade de um novo ciclo de desenvolvimento. Como nada é aprofundado, fica difícil saber onde estão as diferenças.
    PT e PSDB encontram-se em transição, obrigados a decifrar e traduzir uma sociedade complicada, num momento complicado do mundo. O cenário da política não lhes é propriamente favorável. Sequer está claro que tipo de partido pode cumprir uma função decisiva hoje.
    Partidos políticos são entes que sempre disputam territórios e agem com os olhos na conquista de poder político. Partidos fortes e reformadores, como querem ser ambos, precisam ser pragmáticos e responsáveis, mas não podem abrir mão de postulações de identidade, ideais, valores e projetos de sociedade. Sem isso, não têm como consubstanciar uma alternativa. Tornam-se iguais aos outros. Hoje, a disputa por território entre PT e PSDB é inevitável, mas também é vazia de ideias. Não chega a ser fisiológica, mas está perto.
    Num debate que fizemos dias atrás pela internet (www.marcoAnogueira.blogspot.com), a cientista política Gisele Araújo observou corretamente que tudo o que se desconstrói também pode estar em reconstrução. Partidos são organismos em construção permanente, mas não são imortais. É provável que nossa época esteja desconstruindo os partidos para reconstruí-los como organismos especializados em arregimentar eleitores e conquistar governos. Pode ser que estejamos caminhando rumo a uma era de política menos ideológica, mais perfunctória e pragmática, que exigirá partidos mais frios e calculistas.
    Mesmo que seja assim, PT e PSDB terão de realizar sua transição. Para onde caminharão? Há dois cenários no horizonte.
    Um deles apontaria para o prolongamento da situação atual. Nele, PT e PSDB levariam ao extremo a adaptação às exigências da realpolitik própria da “vida líquida”. Continuaríamos a ter embates eleitorais inflamados mas inócuos, demarcação de terreno sem maior substância, revezamentos continuístas e muita opacidade.
    Outro cenário sugeriria o reforço daquilo que aproxima PT e PSDB. Ele significaria o deslanche de um movimento que culminaria na construção de um grande partido social-democrata com correntes internas dotadas de identidade suficiente para fomentar um embate partidário de qualidade e cavar novas trincheiras na sociedade.
    Esse, porém, é um caminho árduo e complexo. Requer discernimento e desprendimento em doses elevadas, coisas improváveis quando se está em condição de hegemonia e sob os louros da vitória. [Publicado em O Estado de S. Paulo, 26/06/2010, p. A2.]

     
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