Ressaca da gastança

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  • sexta-feira, 14 de maio de 2010
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  • O Estado de S. Paulo - 14/05/2010

    O governo cortará cerca de R$ 10 bilhões de seus gastos para combater o aquecimento excessivo da economia e conter as pressões inflacionárias, anunciou o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Será uma providência bem-vinda, porque vários sinais de alarme já foram disparados. A demanda tem aumentado bem mais do que a oferta interna de bens e serviços. O descompasso é refletido na elevação dos preços, na expansão das importações e na redução do superávit comercial, 67,4% inferior, até abril, ao dos primeiros quatro meses do ano passado.

    O ministro demorou a admitir o risco de um sério desajuste, mas parece decidido, afinal, a cuidar do problema. Já haviam sido congelados R$ 21,8 bilhões, mas essa decisão havia repetido um procedimento costumeiro nos primeiros meses do ano. É medida de prudência determinada por lei. Em condições normais, o governo pode liberar mais tarde o dinheiro, de acordo com a evolução da receita. Desta vez, no entanto, o contingenciamento parece envolver um compromisso mais grave. O novo corte, segundo o ministro da Fazenda, "será um complemento", isto é, um acréscimo àquele já anunciado de forma rotineira.

    O ministro Mantega vem reconhecendo gradualmente o problema do excesso de demanda, como se quisesse dar, aos poucos, e sem choques, uma notícia preocupante. Há poucos dias, insistia numa previsão de crescimento entre 5% e 6% neste ano, ainda abaixo das estimativas do mercado. Ontem, prometeu agir para evitar uma expansão superior a 7%. Mas estimou para o primeiro trimestre uma variação do PIB na faixa de 2% a 2,5%. Projetados para um ano, esses números correspondem a taxas entre 8,2% e 10,4%, dignas de um desempenho chinês.

    Está claro por que o ministro da Fazenda resolveu reconhecer e enfrentar o problema. A estimativa de um crescimento igual ou até superior a 2% no primeiro trimestre havia sido apresentada internamente por técnicos do Ministério. Um cálculo mais preciso será conhecido em junho, quando o IBGE divulgar a atualização das contas nacionais. Mas os dados conhecidos até agora indicam forte aquecimento da economia, resultante principalmente da expansão do consumo familiar e do gasto público, embora o investimento tenha voltado a aumentar depois de um ano de retração.

    Economistas do setor privado também têm revisto suas projeções para o crescimento econômico em 2010. A taxa de 6% é hoje o piso das estimativas. As mais elevadas estão entre 7% e 7,5%. A revisão tem incluído o aumento da inflação calculada para 2010. Segundo o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, a atividade tende a perder impulso. A evolução da demanda no primeiro trimestre foi em parte determinada por incentivos fiscais já eliminados. É um argumento ponderável, mas também setores industriais não incluídos na política de estímulos aumentaram vigorosamente sua produção nos últimos meses. A demanda tem sido favorecida não só pela diminuição temporária de certos impostos, mas também pela rápida expansão do crédito e pelo aumento do salário médio real e da massa de rendimentos.

    O Banco Central foi a primeira entidade oficial a apontar publicamente o risco de uma economia superaquecida. Foi também a primeira a agir, iniciando uma nova rodada de aumentos de juros. Os ministros da área financeira decidiram enfim seguir na mesma direção, anunciando medidas para conter o crescimento excessivo da demanda.

    Os cortes, de acordo com o ministro da Fazenda, atingirão somente o custeio, ficando preservados os programas sociais e os investimentos mais importantes. Para adotar medidas de austeridade o Executivo terá de suportar pressões de congressistas empenhados em gastos eleitoreiros. Terá também de enfrentar um funcionalismo acostumado a bondades salariais. Mas precisará, acima de tudo, renegar a própria orientação. Mesmo com o forte aumento da receita, as contas do governo central vêm piorando há meses, por causa de uma indisfarçável gastança.

    Para conter um surto inflacionário, o Executivo terá de improvisar um pouco da seriedade fiscal até agora rejeitada.

     
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