Mas não se mata cavalos?
por Brizola Neto
por Brizola Neto
Esta imagem aí ao lado é da Favela do Pinto, no Leblon, nos anos 60. Também ali houve uma tragédia, um incêndio que, até hoje, se suspeita tenha sido proposital. Uma parte da população foi abrigada no proprio bairro, na Cruzada São Sebastião, erguida com o esforço de D. Hélder Câmara, então adjunto da arquidiocese carioca. Aliás, isso começou até antes do incêndio.
D. Helder não pensou em apenas “remover” os favelados. Quis realocá-los, dignamente, no mesmo bairro. A Cruzada São Sebastião, com 945 apartamentos, recebeu estas pessoas, e as de outra comunidade, a da Ilha das Dragas, contigua a ela, pagando 15% do salário mínimo, por 15 anos.
Quando a favela se incendiou, ou foi incendiada, veio o argumento de que não podia se deixar as pessoas “naquela situação de risco”. Eram os anos Lacerda, que tinha como auxiliar Sandra Cavalcanti. As remoções de favelas se sucediam e, curiosamente, como agora, eram favelas na Zona Sul da cidade. Além da Favela do Pinto, retiraram a do Pasmado, em Botafogo. As duas áreas, que não podiam ser ocupadas por pobres, hoje possuem centenas de apartamentos de classe média-alta, que não custam menos de R$ 1 milhão, cada.
Esta mentalidade não se acabou nos anos 70. O editorial de O Globo, hoje, ataca a urbanização das favelas e exige do prefeito que assuma a olítica que o lacerdismo assumiu 40 anos atrás.
Sem entrar no mérito de cada providência administrativa tomada ou não, é visível que o jornal aponta o PDT como responsável pela ocupação dos morros, que vem de décadas antes. Não lhes importa.
Há um filme, do diretor Sidney Pollack, muito bom, chamado “A noite dos desesperados”. Foi feito sobre um livro de Horace McCoy que tem um núcleo cortante ao tratar da recessão americana nos anos 30: se as pessoas podem ser tratadas como animais, por que não se pode matá-las impunemente, como se faz aos cavalos?
A especulação imobiliária não avançou sobre o Jockey Clube, qie ficava ao fundo, à direita, na foto. Avançou sobre os pobres, não sobre os cavalos. Ninguém cogitou de levar o Hipódromo para a Vila Kennedy.
Não sejamos ingênuos. As casas ricas que estão sobre as encostas, no Joá, no Jardim Botânico, no Humaitá, no Cosme Velho, na Lagoa não estão “em área de risco”, embora a terra possa cair do mesmo jeito. Elas tem direito a luz, água, asfalto. Os pobres, não. Dirão que são regularizadas, porque têm uma escritura e uma licença de construção. Essa escritura é a de compra da compra de alguém que, um dia, ocupou aquela encosta. A licença de obra? Foi dada anos atrás, quando a legislação permitia ou o “jeitinho” ainda permite.
Não é isso que lhes reduz o risco. O que lhes reduz o risco é serem feitas com boa técnica construtiva, haver boa drenagem e, até, obras públicas de contenção de encostas.
Mas isso os pobres não merecem. É caro, dizem.
D. Helder não era um homem de esquerda, àquela época. Chegou mesmo, quando jovem, a ser atraído pelo integralismo. Mas era, como mostrou até o final de seus dias, um humanista. Não achava que o lugar dos pobres era bem longe, onde não incomodem a vista, nem que fossem coisas para serem transportadas contra sua vontade.
Estes que são hoje os campões da remoção não são como ele. Não é a morte dos pobres que ficaram sob as encostas que os comove, porque quem é contra alguém, seja onde for que more, não ter água em casa, não ter esgoto, não ter luz, não ter uma calçada para pisar, em lugar da lama, não pode se importar com a morte desta pessoa. Porque o faria, se não lhe importa a vida?
Não há solução humana se não houver humanidade. Mas não lhes há humanidade. O que querem é o proveito político disso. Dizem aos governantes: sejam meus feitores, sejam meus cães de guerra, senão eu os destruirei.
Veremos quais são os que lhes obedecem. O povo, porém, tem hoje o que não tinha quando O Globo vicejou, na ditadura. Tem o voto e os governantes devem se lembrar disso.
FONTE: http://www.tijolaco.com/?p=11814