Ontem, soube de uma notícia triste: fechou a sala de cinema Norberto Lubisco, que ficava na Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre. A sala foi fechada pela secretária de Cultura, Mônica Leal. Pelo que entendi ao ler o blog da secretária, o fechamento da sala foi assinado depois que ela voltou de uma cavalgada gaudéria. Diz muito a respeito do que se passa no chamado Estado Mais Culto do Brasil.Nunca fui um grande frequentador de cinema, mas foi lá que vi alguns dos melhores filmes a que assisti.Todo janeiro, nos anos 90, a sala reprisava a Trilogia das Cores, do Krzystof Kieslowsky - permitindo que eu pudesse suspirar pela força da fragilidade da Juliette Binoche no azul e pela sensualidade felina da Julie Delpy no branco. [...]Quando estava começando a namorar minha mulher, há quase oito anos, foi lá que assistimos "As Invasões Bárbaras", além de vários filmes do Fellini - incluindo "Roma" e "A Estrada". Minha mulher, editora do CENA e colaboradora da revista Movie, considera que toda sua formação cinematográfica passou por lá. Não é pouca coisa. [...]A Cláudia Laitano acha que Porto Alegre está se apequenando. Ela vai direto na jugular do problema:"Podemos colocar a culpa na Sedac, no fato de a secretária Monica Leal não ter intimidade com a Cultura ou na constatação óbvia de que o atual governo do Estado não considera a área cultural um assunto realmente relevante, mas é preciso levar em conta que boa parte da culpa desse marasmo é de todos nós que vamos ao cinema e frequentamos (ou gostaríamos de frequentar) centros culturais. Minha sensação é de que Porto Alegre está 'se apequenando', se conformando com o marasmo da cena cultural como um todo, com poucos cinemas com programação fora do mainstream, com poucos centros culturais atuantes, com pouca ou nenhuma política cultural pública. A cidade está encolhendo, e nós com ela. E a área cultural é o melhor indicador desse fenômeno."Eu cheguei à mesma conclusão, também - e já faz dez anos. Meu sogro chegou à mesma conclusão também, depois de conhecer a oferta de programação cinematográfica de São Paulo e de ver que, por mais obscuro que seja o filme, sempre tem gente assistindo. E não é um ou dois.O processo de apequenamento de Porto Alegre vem ocorrendo há anos, e é surpreendente que os remanescentes precisem do baque do fechamento da sala Norberto Lubisco para constatar isso. [...]O problema fundamental é econômico - [...] as oportunidades estão em fazer concurso público. O pessoal que gosta do desafio de criar e empreender, como bem lembrou o Alexandre de Santi no primeiro comentário aí embaixo, acaba desistindo de dar murro em ponta de faca e vai embora. E é esse pessoal que movimenta bons cinemas, boas livrarias, boas bancas.Enquanto a realidade não dá um tapa na cara deles, os gaúchos costumam se contentar com o velho discurso triunfalista: somos o Estado mais culto do Brasil, sirvam nossas façanhas de modelo a toda Terra etc. [...]"Gaúcho" é a palavra mais comum nos títulos dos jornais locais, e vira festa quando se trata de desastres que repercutem mundialmente. Quando houve o terremoto do Haiti, eu apostei que a manchete da Zero Hora seria "Gaúchos morrem em terremoto no Haiti". Errei: não era a manchete, mas uma chamada na primeira página. No discurso superlativo padrão, o RS é o estado mais culto, mais politizado, mais educado, centro do universo, medida de todas as coisas.Mas como é que um Estado que se considera o mais culto do Brasil tem a imprensa que tem, que não é conhecida exatamente pelo jornalismo crítico? Um grande amigo meu, correspondente da Folha de S.Paulo em Porto Alegre, rolava de rir durante o longo escândalo da Yeda Crusius. A coisa mais fácil que havia era dar notícias exclusivas, porque os jornais locais - onde ainda tenho grandes amigos, diga-se - faziam questão de se abster de serem os primeiros a dar. Depois que ele publicava, todo mundo (que certamente já tinha junto com ele as informações) publicava atribuindo a revelação à Folha de S.Paulo.Mas como é que um Estado que se considera o mais culto do Brasil celebra todo ano a pujança de uma feira do livro onde os mais vendidos são indefectivelmente livros de culinária, pílulas pra sei lá o quê, agenda bruxa pascoalina e lançamentos das celebridades nativas?Mas como é que um Estado que se considera o mais culto do Brasil consagra a autoridade moral de um tal Movimento Tradicionalista Gaúcho, que se arroga o privilégio de deitar regras sobre o que pode e o que não pode pra música ser regional? Outro dia, em pleno século 21, eles baniram a guitarra elétrica, como aquela passeata pré-tropicalista da qual os tropicalistas participaram. A música regional gaúcha, desse jeito, nunca vai gerar um Piazzolla, como a música regional argentina gerou.Eu poderia continuar por horas e horas, e inclusive falar da disneylândia de bombachas do parque Harmonia, o grande evento cultural da cidade em setembro. Eu sei que meter a mão nesse vespeiro é pedir pra tomar pedra. Porque os gaúchos (eu prefiro me considerar ex-gaúcho) defendem com unhas e dentes a mediocridade que com denodo foram cultivando ao longo das décadas. Livres do peso dos substantivos, contentam-se com os adjetivos: o estado mais culto, o estado mais educado, o estado mais politizado etc etc etc. [...][...] vocês colhem o que plantaram. Não menos. Foi uma mediocridade arduamente conquistada com muito esforço da parte de cidadãos, governos, empresas e imprensa. Mérito é mérito. Sirvam suas façanhas de modelo a toda a Terra.
O apequenamento do RS, por Marcelo Soares
Posted on sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010 by Editor in
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Pesquei vários trechos de uma postagem fundamental do Marcelo Soares, no seu blog, no site da MTV. O assunto é o sucesso do RS no quesito mediocridade:
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