Há filhos que querem saber o que se fez com seus pais, desaparecidos pela ditadura. Há esposos e esposas querendo saber o que se fez com seus cônjuges. E há vítimas de tortura e estupro que querem que se investigue a verdade, estabelecendo os nomes e as responsabilidades de quem cometeu tais crimes.
E não há nada que uma pessoa que aceita o que é certo de acordo com a moralidade possa fazer ou dizer contra tais demandas.
Alguns rejeitam tais demandas apoiando-se na utilidade. Dizem esses: "A que vem tal olhar para o passado? Isso não é útil."
Mas não há como rejeitar o que é certo do ponto de vista moral por causa da utilidade. A utilidade de uma prática não a torna moralmente correta. Pode ser útil para mim roubar meu vizinho para comprar eletrodomésticos sem precisar trabalhar, mas isso não torna o roubo um ato bom. Do mesmo modo, a suposta utilidade do silêncio sobre crimes não é razão para negar a verdade aos que a buscam.
Você chamaria a vítima de um roubo de revanchista, por buscar a verdade sobre o roubo? Eu não chamaria. Mas o jornal O Globo chama de "revanchistas" às pessoas que querem a verdade sobre abusos da ditadura. No caso do roubado e no caso do torturado, tal vocabulário é apenas duplicação da injustiça, pois a injustiça do roubo/tortura é somada à injustiça da privação do direito de buscar as formas impessoais de justiça que se pratica em sociedades como a nossa, e outras de "Primeiro Mundo".
Isso do ponto de vista moral. Do ponto de vista legal, é provável que os crimes dos torturadores já tenham prescrito.