Vamos entender um pouco do sentimento Anti-Americano" embutiodo nesta cultura alienado do "politicamente correto".
1 - Antiamericanismo e maniqueísmo
Os atentados terroristas nos Estados Unidos e o ataque que este país lidera contra o Afeganistão alçaram o sentimento antiamericano pari passu ao pensamento maniqueísta. Somos constrangidos a nos posicionarmos entre o bem e o mal. Mas quem representa o bem e o mal nesta história? Acaso os Estados Unidos estão livres das acusações que imputam a Osama bin Laden e os que lhe apóiam? Os Estados Unidos não padecem do mesmo pecado que atribuem aos seus inimigos? Acaso o terrorismo de Estado não é uma prática comum dos americanos, observável em vários momentos da história? Qual o direito dos Estados Unidos invadirem um país – e não é a primeira vez – a não ser o direito ilegítimo fundado na força militar? Façamos um exercício insano: imaginemos que algum terrorista brasileiro ataca a pátria americana e o governo local não o entregue às autoridades americanas. Teria os Estados Unidos o direito de invadir o nosso país?
Coincidentemente, o 11 de setembro foi também o dia em que o governo Salvador Allende foi deposto por um golpe de militar, com o apoio direto dos Estados Unidos. Era o ano de 1973. Aliás, esta nação, cuja arrogância é própria dos impérios de todos os tempos, procurou de todas as formas evitar a posse do presidente Salvador Allende, eleito democraticamente dentro das regras da tão apregoada democracia representativa. Há 31 anos o comandante do exército chileno, René Schneider, foi assassinado em Santiago, com um tiro de revólver. O episódio teve a participação dos americanos, inclusive com o envio de metralhadoras, com numerações raspadas, entregues aos oficiais chilenos por funcionários do governo dos Estados Unidos.
Ora, temos motivos suficientes para não aceitar que os Estados Unidos expressem o bem contra o mal. A não ser que abdiquemos da capacidade de pensar de forma crítica. Em política, todo maniqueísmo é um atentado ao bom senso e à dialética. Mesmo o inferno dantesco não se enquadra em categorias fixas e estáticas: quem lê a obra de Dante observa que o inferno tem várias escalas, obedecendo a uma certa hierarquia quanto ao pecado praticado.
Na época da guerra fria também predominava o maniqueísmo. Os bons, a depender da ótica ideológica, estavam de um lado; os maus do outro. Ambos os lados oprimiam o pensar crítico. Assim a esquerda era satanizada e a direita canonizada – a depender da posição política dos contendores. Chegou-se ao absurdo da não admissão da crítica interna, sob o argumento de que isto fortalecia o inimigo. Constrangiam-nos a aceitar, de forma acrítica, regimes políticos ditatoriais, pelo simples e obtuso argumento de que expressavam o socialismo. Quem escapava a essa dualidade cega corria o risco de tornar-se maldito e ser definido como alguém que fazia o jogo do imperialismo e da direita – o oposto também é verdadeiro, basta lembrarmos da caça às bruxas que, à maneira da inquisição, caracterizava os críticos como objetivamente alinhados aos comunistas.
O passado parece oprimir nossos cérebros. Se, de um lado, os americanos exigem alinhamento incondicional, de outro, Osama bin Laden expressa a mesma exigência ao tentar caracterizar os EUA como a besta a ser combatida pelos mulçumanos. Parece claro que a maioria dos espíritos sensatos não caem nessa armadilha e não aceitam o enquadramento incondicional. Pesquisas publicadas nos jornais apontam que os Estados Unidos não tem o apoio da população brasileira, a despeito da retórica do governo FHC. Por sua vez, o Taleban e Osama bin Laden também não conseguem a unanimidade no mundo oriental: basta ver os conflitos internos nos países de maioria mulçumana.
Contudo, um fator chama a atenção: o antiamericanismo exacerbado induziu muitos a desenvolver um sentimento de alegria, implícita ou explícita, diante dos atentados terroristas em solo americano. Houve quem expressasse na grande imprensa tal contentamento. Outros, mais reservados, expõem-no nas pequenas rodas de amigos. Outros agem de forma hipócrita e mal conseguem disfarçar o que sentem. Vítimas, culpados ou inocentes? Discussões filosóficas são feitas para definir a natureza dos mortos.
Acima das retóricas entre o bem e o mal, não podemos concordar que o sentimento anti-Estados Unidos, com toda a carga crítica que lhe é adjacente, legitime a ação do terrorismo e alimente a alegria diante da tragédia que, gostemos ou não dos americanos, ceifa vidas humanas. A racionalidade exige que nos portemos com espírito crítico, sem aceitar os fundamentalismos dos espíritos transtornados – ainda que sejam de esquerda.
A guerra americana no Afeganistão é a face inversa do terrorismo praticado na América do Norte: é terrorismo de Estado. Ambos os terrorismos são execráveis. Por que se alegrar diante da demonstração desmedida e pungente da violência? Acaso a vida é menos importante que as nossas idéias e posições políticas-ideológicas?
Espaço Acadêmico
2- O "Anti-americanismo" como ideologia
A noção de ideologia que as esquerdas marxistas usavam, ao menos antes de Antonio Gramsci, não era a de “concepção de mundo”. Havia toda uma explicação da mercadoria, do fetichismo e da reificação, aliás, muito interessante, que estava na base do que seria a ideologia em nossa sociedade. Mas, no frigir dos ovos, a noção de ideologia era a de “falsa consciência”. Ideologia, no limite, era o que nublava a visão de todos. Pois bem, se assim é, acho que podemos utilizar tal noção, com algum jogo de cintura, para o antiamericanismo que alimenta alguns cérebros de escolarizados no Brasil.
O escolarizado tem a chance de ver muito mais da cultura americana do que aquilo que ele quer ver ou é ensinado a ver por intelectuais que, por razões diversas – inclusive comerciais –, não querem sair de seus dogmatismos. Mas ele não vê. E se vê, diz que não vê. Quando um moço ou uma moça de 17 ou 18 anos entra no curso de ciências sociais ou de filosofia, por exemplo, da USP, ele já ganhou um bocado de idéias antiamericanas no cursinho, e é o que possui para “encontrar sua turma” na universidade estatal. O professor do cursinho que destila algum antiamericanismo assim age pela razão de que é um modo de, estando em uma estrutura um pouco endurecida, ter a sensação de que pode exercer um mínimo de rebeldia. Na universidade, diante de uma mudança brusca de ambiente e de projetos de vida, o estudante jovem tem facilidade de assimilar os discursos que se aproximam daquilo que ele ouviu dos “professores críticos do cursinho” ou do “colégio”. Então, o discurso antiamericanista o “integra” no ambiente universitário – ele não se sente um “deslocado” ou, como se dizia no passado, um “alienado”. Além disso, ele pensa, por exemplo, coisas assim: “mas se aquela professora, tão erudita, fala mal dos Estados Unidos, ela deve estar certa.” E daí para diante, adeus ao pensamento verdadeiramente crítico. Ele vai seguir a tal professora erudita. Ele tem o conforto de que ela não é do PSTU, que ele condena, pois são “malucos”, mas ele acredita que ela também sairia na rua com uma faixa “Queremos o Exército Brasileiro Fora do Haiti” (do PSTU) ou coisas assim.
Mas nem todos são antiamericanos por razões desse tipo. Há razões que se não são mais sofisticadas, ao menos são um pouco mais complexas.
Alguns não enxergam outra coisa por razões de ressentimento. Afinal, é duro ver que se é subdesenvolvido e que o desenvolvido, aquele que está acima de nós e que gostaríamos de tomar como espelho, comete crimes tão bárbaros quanto os nossos. Gostaríamos de ver os Estados Unidos como um Império do Bem, como ele se apresenta nos filmes em que os americanos derrotam os nazistas. Não gostaríamos de ver os Estados Unidos como um país que faz algo que nós, os subdesenvolvidos, fazemos. Por exemplo, gostaríamos que o Vietnã não tivesse sido o espelho do que fizemos com o Paraguai, naquela guerra em que nossos soldados mataram crianças, estupraram meninas e atiraram em velhos. Mas é. Então, ficamos tristes. Pois podemos nos perdoar, pois afinal nós somos incultos e subdesenvolvidos, mas não podemos perdoar os que são e dizem ser mais desenvolvidos que nós.
Há até um mecanismo psicológico de defesa, para ainda encontrar salvação. Os Estados Unidos fizeram o Vietnã e agora não estão sabendo lidar com o Iraque; então, pensamos assim: são desenvolvidos tecnologicamente, não são desenvolvidos “mentalmente”. A filosofia, as artes e a cultura em geral ficam para a Europa, segundo esse nosso pensamento reconfortante. Assim, todas as vezes que alguém mostra que para a guerra no Afeganistão e para a invasão do Iraque todos os países ricos contribuíram, inclusive com tropas, fingimos que não escutamos isso, que não é verdade. Pois os americanos precisam ser os culpados e tem de ser maus e, para tal, para serem maus, tem de ser burros – é assim que os ideologizados pensam. Colocam a Europa no pedestal da cultura e, então, não aceitam que ela seja tão responsável quantos os Estados Unidos pelo que ocorre no Iraque. Há um tipo de iluminismo de “baixo clero” em quem advoga isso, que o faz associar a cultura espiritual à bondade e a tecnologia à maldade. Isso nos ajuda a nos manter antiamericanos. É claro que isso tudo é ideológico na base, pois o maior engodo, nesse caso, é associar os Estados Unidos a um país sem cultura erudita ou em segundo plano frente aos europeus. E mais ideológico ainda é achar que todos esses erros que levam, por exemplo, para a guerra, tenha a ver com “os americanos”, como se todos os estadunidenses concordassem com o governo que possuem atualmente.
O caso do Vietnã ainda é um elemento que explica muita coisa. Ao menos para a minha geração, que ainda possui alguns cabeças duras antiamericanos, o tema do Vietnã deveria ter ensinado algo. Mas parece que não ensinou. Vemos o Vietnã, mas nos recusamos a entender corretamente como é que a guerra acabou. Vários da minha geração acham que acabou por causa de que os comunistas venceram. Mas não foi assim. Ela acabou por causa do povo americano, principalmente dos jovens. A guerra do Vietnã foi perdida “em casa”. Ou melhor, foi ganha, pois poderia ter sido ainda pior. Nunca conseguimos entender os Estados Unidos, pois tomamos Coca Cola, vamos no McDonalds mas nos recusamos a olhar os Estados Unidos por dentro, nos recusamos a olhar para a cultura americana enquanto a cultura mais auto-crítica do mundo. E aí, ao invés de assistirmos com olhos críticos o que o cinema americano fez sobre o Vietnã, como o “Franco Atirador” (The Hunter) por exemplo, preferimos achar que o filme é ... francês! Que se trata de uma crítica européia aos Estados Unidos. E com tudo o mais é assim: não lemos a filosofia deles, a literatura, etc. Achamos que sabemos tudo. E, não raro, terminamos uma graduação, fazemos mestrado e doutorado, e continuamos desinformados, achando que a nação mais poderosa do planeta é formada por uma sociedade inculta. Mesmo que essa sociedade tenha as maiores e mais livres universidades do mundo, os maiores jornais, o maior número de livrarias, o maior número de lançamento de romances de boa qualidade do mundo; bem, tudo isso não faz os cabeças duras mudar de idéia. Mesmo que na avaliação da UNESCO os Estados Unidos, hoje, com mais de 50% da sua população – que não é pequena – na universidade, consiga ultrapassar os europeus em vários quesitos de performance intelectual (a interpretação de textos é uma delas!), ainda assim achamos que eles estão montados sobre a ignorância. “Não são críticos” – nos ensinam os professores afrancesados e, infelizmente, carcomidos das áreas de ciências humanas e filosofia de nossas universidades estatais e, também, em muitas particulares.
Não conseguimos engolir filmes autocríticos americanos, pois eles mostram o que não suportamos: a alta capacidade da cultura americana de rever seus valores e, no entanto, não subverter a democracia. Isso agride o senso comum nosso, dogmatizado. Uma parcela grande de nossa esquerda, pensa assim, de modo dogmático. Os que não pensam, tem medo de dizer que não pensam assim e serem tomados como “de direita”, e então perderem “seu público”. Até mesmo intelectuais que passam por sofisticados, escorregam em algum momento, e se revelam antiamericanos, ou no mínimo desinformados sobre o que é viver nos Estados Unidos e o que é o trabalho lá, o povo de lá etc. É incrível como isso existe até mesmo no meio jornalístico!
Precisamos reverter isso. Deveríamos começar a nos perguntar coisas do tipo: como que Monteiro Lobato, mesmo tendo simpatias pelo comunismo, era um “amante da América”. Ou então: “como que americanistas como Anísio Teixeira foram os que ergueram nossas principais instituições de pesquisa em educação?” E ainda: como que Paulo Freire é lido nos Estados Unidos, tendo seu Pedagogia do Oprimido alcançado lá sua vigésima edição, e aqui no Brasil vivemos inventando “novos teóricos” (agora vigostikianos, não é?) para nos ensinar a alfabetizar? Quando pudermos olhar para os brasileiros que não foram anti-americanos e vermos o quanto contribuíram para nossa pátria, iremos entender o que há de profundamente errado com a ideologia um pouco imbecil que andamos espalhando entre os nossos jovens, contribuindo para o que temos visto por aí de analfabetismo político.