Depois do VII Encontro Internacional do Fórum Universitário Mercosul-FoMerco, realizado entre 9 e 11 de setembro em Foz do Iguaçu (PR), pode-se concluir que a integração latino-americana goza de importante apoio da intelectualidade da região, que a interpela com redobrado interesse científico e paixão cívica até certo ponto incomum nos dias de hoje. Apesar disso, enfrenta obstáculos complicados que, se não têm força suficiente para desativá-la ou paralisá-la, conseguem postergar seu desfecho e lhe dificultam a formação de uma consistente base de sustentação.
Se olharmos a questão em escala histórica, é impossível não reconhecer que muito se progrediu desde a assinatura do Tratado de Assunção (1991), marco da criação do Mercosul. O próprio FoMerco é um retrato dessa evolução. De idéia quase isolada em 2000, animada especialmente pela combatividade do jornalista Guy de Almeida, ganhou corpo, peso e densidade com o passar dos anos, a ponto de se converter num espaço acadêmico relevante no subcontinente. A cada encontro, têm sido maiores as adesões, não só de brasileiros, mas de argentinos, uruguaios e paraguaios. Na reunião desse ano, sob a presidência de Marcos Costa Lima, o FoMerco reuniu 27 grupos de trabalho, cujos coordenadores selecionaram 216 resumos para debate. É um número expressivo, que aumenta de importância quando se atenta para o teor das comunicações e a representatividade institucional de seus autores.
Também é digna de nota a multiplicação das instituições que vêm se dedicando à integração. No encontro de Foz de Iguaçu, o FoMerco teve o apoio do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento–Cicef, do Colégio Brasileiro de Altos Estudos–CBAE da UFRJ, da Fundação Alexandre de Gusmão e da Universidade Federal de Pernambuco. As reuniões ocorreram na sede da Universidade Federal da Integração Latino Americana–Unila, um projeto inovador do governo Lula, cuja prioridade é formar pesquisadores e profissionais que tenham no cerne de suas respectivas áreas de conhecimento a preocupação com uma América Latina integrada.
O sucesso de reuniões acadêmicas não é indicador suficiente, mas com certeza reflete a existência de uma disposição crítica e alguma disponibilidade de quadros e idéias. Por que então a integração não avança com firmeza e ainda não se converteu em agenda efetiva para os Estados da região?
Processos de integração são construções políticas inevitavelmente lentas e complexas, fato que fica mais dramático na América do Sul, tendo em vista a quantidade de problemas, a heterogeneidade e a desigualdade nela existentes. Impulsionados por dinâmicas eminentemente econômicas e comerciais, tais processos penam para adquirir ritmo político e cultural, único terreno em que uma integração de fato pode se completar. Além disso, vivem mais ao sabor de decisões governamentais que de políticas de Estado e nem sempre conseguem se orientar por uma estratégia abrangente, sistemática, sustentável. Como se não bastasse, sofrem a concorrência, muitas vezes “desleal”, de outras dinâmicas integracionistas, de turbulências econômicas e de operações de hegemonia internacional ou regional.
Nenhuma integração se faz em abstrato. Enraíza-se na história da região que se quer integrar, na comunhão cultural de seus povos e nos interesses comuns de suas sociedades. Reflete suas possibilidades e suas dificuldades. Está determinada, evidentemente, pela situação concreta dos diferentes países e pelo modo como se vive no mundo. Hoje, por exemplo, a integração se ressente da situação de crise e enfraquecimento da política, comum a todas as sociedades contemporâneas.
Pode-se dizer assim: a idéia de integração é uma construção política que se depara hoje com um cenário de difícil politização, no qual escasseiam sujeitos (grupos, partidos, movimentos, associações) qualificados para propor uma estratégia comum de ação e dar sustentação a ela. Para vencer, ela necessita desesperadamente daquilo que mais falta: política, atores políticos, organização política. Por um lado, há o peso desproporcional do econômico, o poder de sedução e cooptação do mercado. Por outro, os governos perderam potência e os Estados nacionais viram diminuir suas margens de manobra. Na vida, há muita diferenciação social, luta por identidade e individualização, ou seja, muita dispersão e fragmentação. E a esfera política, pressionada por sua própria crise, não se mostra forte o suficiente para unir o social e fornecer a ele uma direção. Dado o déficit de subjetividade política, cresce a tentação do voluntarismo e do populismo.
Vista por esse ângulo, a integração latino-americana poderia sugerir a imagem de um projeto destinado ao fracasso. No entanto, ela continua viva e desponta como uma utopia típica desse início de século. É preciso, pois, reconhecer aquilo que a faz respirar e fluir.
Em boa medida, a integração é uma espécie de imposição da realidade globalizada do mundo. Na vida atual – veloz, comunicativa, surpreendente –, pequenos atos ou gestos podem desencadear verdadeiros tsunamis em questão de dias. Os sistemas políticos estão em crise, mas a política não se resume a eles. Há coisas acontecendo e potência sendo armazenada fora deles. Numa sociedade da informação, existe sempre mais espaço para iniciativas inteligentes, quer dizer, culturais, educativas, não-maximalistas, processuais e dialógicas, centradas na negociação e na articulação.
A combinação cruzada desses fatores impulsiona a integração latino-americana, fazendo com que ela se torne categoricamente factível, ainda que sempre tensa e difícil. E se, numa das curvas surpreendentes da vida, alguém conseguir injetar fantasia política na dinâmica da integração e demonstrar que ela é boa não somente para os negócios e os Estados, mas para a vida cotidiana dos cidadãos, aí então poderá haver uma adesão em massa e outra história começará. [Publicado em O Estado de S. Paulo, 26/09/2009, p. A2.]
Integração e estratégia
Posted on domingo, 27 de setembro de 2009 by Editor in