"Foi bonita a festa, pá": os cravos de abril, trinta e cinco anos depois.

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  • sexta-feira, 24 de abril de 2009
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  • Grândola, vila morena / Terra da fraternidade/ O povo é quem mais ordena / Dentro de ti, ó cidade...

    Vinte e cinco minutos após a meia-noite do dia 25 de abril de 1974, o radialista José Vasconcelos, da Rádio Renascença - emissora católica de Lisboa - tocou em seu programa “Limite” a canção “Grândola, Vila Morena”, do compositor José (Zeca) Afonso, que havia sido proibida pela censura salazarista: era a senha para o início da revolta que iria mudar os rumos de Portugal. Iniciou-se, desta forma, uma das mais belas, generosas e libertárias revoluções do século XX e chegavam ao fim os quarenta e oito anos de obscurantismo do Estado Novo, regime ditatorial liderado por António de Oliveira Salazar e, posteriormente, por Marcello Caetano.
    Nos primeiros dias, essa revolta – articulada por jovens militares organizados no MFA (Movimento das Forças Armadas) e que tinham nas guerras coloniais o seu principal motivo de insatisfação - foi chamada de “Revolta dos Capitães” para em seguida receber o nome de “Revolução dos Cravos”, a flor que no mês de abril cobre os campos de Portugal e que coloriu as ruas de Lisboa, nas mãos do povo que comemorava o fim de cinco décadas de opressão e na ponta das armas dos soldados que haviam trazido a liberdade. Existem varias versões para explicar essa profusão de cravos nas ruas, mas a que mais me agrada é aquela que diz que uma florista contratada para decorar um hotel da velha capital distribuiu cravos vermelhos para os soldados e eles, de pronto, os colocaram nos canos de suas espingardas.
    O período que se seguiu ao 25 de Abril foi marcado pelas inúmeras marchas e contramarchas do processo revolucionário e por intensas agitações políticas e sociais, com diversos projetos políticos e diferentes concepções de sociedade confrontando-se no confuso cenário político português. Porém, nos primeiros meses após o fim da ditadura salazarista, Portugal pareceu viver em uma grande festa, como descreveu, de maneira quase poética, o historiador britânico Kenneth Maxwell, em seu livro “A Construção da Democracia em Portugal”:

    Durante o verão quente e o outono prematuro de 1974, contudo, criou-se a idéia de Portugal como um palco caleidoscópico de política, aberto depois de 50 anos sem expressão política. As relações diplomáticas com a Rússia foram restabelecidas pela primeira vez desde a Revolução bolchevique de 1917. A experiência ideológica do século XX foi comprimida em nove meses. As listas de venda de livros incluíam as “Teses de Abril” de Lenine ou os poemas do líder nacionalista angolano, Agostinho Neto. Havia manifestações e protestos, onde, anteriormente, um encontro de qualquer grupo político teria sido objeto de ataques brutais da polícia. Para a radiosa juventude de blue-jeans impecavelmente lavados, este período foi uma oportunidade para passar horas “pregadas” no que quer que fosse, ou em quem quer que fosse, que estivesse disponível. Homossexuais revolucionários juntaram-se aos anarquistas. Entusiastas da Revolução acorreram a Lisboa enquanto o ambiente foi favorável. Famílias de classe média estacionavam o carro onde lhes apetecia. Vendedores ambulantes inundavam o Rossio, a baixa elegante de Lisboa, exibindo as suas mercadorias junto à estação do metropolitano em frente à Pastelaria Suíça. Por fim, até chegou “Hair”, com o “elenco inglês original”. Substituiu um “festival sexy internacional” no Teatro Monumental, uma produção com alemãs louras nuas com botas de couro negro, denunciada pelo Partido Comunista Português (PCP) como mais uma “golpada da CIA”. No que teve de pior, Portugal depois do golpe parecia um pedregulho subitamente revirado a revelar milhares de insetos que se agitavam freneticamente sob a luz. No seu melhor, Portugal era um jardim de folhagem frágil, brilhante e emaranhada.

    Hoje, trinta e cinco anos depois, Portugal consolidou-se como uma vibrante democracia e como um ativo participante do sonho europeu, seus indicadores econômicos e sociais se aproximaram dos números dos demais países do velho continente e – apesar de um certo saudosismo do ditador ser deliberadamente cultivado pelos setores mais conservadores da sociedade portuguesa - o salazarismo é só uma sombra do passado. E tudo começou com os cravos de abril...

    Em tempo: Em 2000, a atriz portuguesa Maria de Medeiros dirigiu um pungente e poético retrato da Revolução dos Cravos intitulado "Os Capitães de Abril". O filme está disponível em DVD no Brasil. É belíssimo e merece ser visto.

    Ouça aqui "Grândola, Vila Morena", na gravação original de Zeca Afonso, que serviu de senha para o início da Revolta dos Capitães.



     
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