Rogério Simões, editor da BBC Brasil, publica artigo em que descreve a cautela que tiveram em dar a notícia do caso Paula Oliveira. Afirma que no jornalismo é sempre necessário antes duvidar, depois tentar a confirmação de fontes. E critica o restante da imprensa que não seguiu esta recomendação, vangloriando-se: “Nós, aqui na BBC, somos pagos para duvidar”. Mas, parece que a cautela não adiantou muito. Adiante, no texto, confessa que foram ludibriados em acreditar nos fatos por fonte do governo brasileiro, que os revendeu “a veículos de imprensa, entre eles a BBC Brasil, como um fato comprovado e digno do selo presidencial”.
Explica como trabalharam e foram enganados:
“No caso da brasileira na Suíça, nós ficamos sabendo do suposto ataque na noite de quarta-feira, dia 11. "Quem está dando a notícia?", perguntei ao redator que me ligara de São Paulo para a redação aqui de Londres. "Está na TV." Fomos checar em agências de notícias, e nada. A parte em inglês da BBC desconhecia. Aqui, se o caso não foi apurado diretamente por nós, precisamos de pelo menos duas fontes para publicá-lo no site ou levá-lo ao ar. Ou alguma fonte de credibilidade a que possamos atribuir as informações. Mas não tínhamos nada isso e não podíamos nos basear apenas num canal de televisão, que por sua vez se baseava em um blog. Preferimos esperar para saber se o governo brasileiro se pronunciaria sobre o assunto.”
Como fizeram?
“Ainda naquela noite, depois de falar com um porta-voz do Itamaraty, publicamos nosso texto. Atribuímos tudo ao Ministério das Relações Exteriores.”
O que diz o texto? Exatamente apenas o que estava no blog do Noblat e que repercutia em outros sites de notícia. Quem era o porta-voz do Itamaraty? Como ele apurou os fatos? O Itamaraty não faz jornalismo. Se é para trabalharmos com dúvida, tenho uma: talvez nem fosse exatamente um representante do Itamaraty. Pela diferença de fusos, poderia ser horário de almoço aqui, falaram com o rapaz da limpeza, que disse o que até então todos sabiam pela TV e pela internet.
E segue ele, em momento autocrítico:
“Onde poderíamos ter feito melhor foi no título. "Brasileira grávida de gêmeos é agredida na Suíça e perde bebês", dissemos. Mas o melhor teria sido algo como "Brasileira diz ter sido agredida na Suíça e perdido bebês" ou "Itamaraty denuncia agressão a brasileira na Suíça".”
Pronto. Este é o jornalismo de uma corporação de mídia. De Londres, alguém liga para um “porta-voz” do Itamaraty que confirma aquilo que buscam. Não é a notícia que procuram, mas o “selo” para dar crédito ao que desejavam. E ainda se prestam ao papel de dizer que fizeram tudo correto, mas infelizmente foram enganados.
Acho que uma ótima maneira de entendermos como funciona a fábrica de salsichas do jornalismo é lermos o depoimento do Sérgio Leo, que estava presente na entrevista coletiva de Celso Amorim a imprensa, dia 12. Os repórteres cobravam posição do governo sobre xenofobia. Perguntaram várias vezes, insistiram. Amorim foi cauteloso. Outro repórter pergunta se o caso seria levado à ONU, o ministro diz que seria prematuro. No dia seguinte os jornais destacam que o governo falou em xenofobia, que levaria o caso à Comissão de Direitos Humanos da ONU.
Cuidado com a próxima degustação de jornalismo.
Jornalismo de muitas calorias
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