Em 1923, um modesto clube de futebol suburbano, que havia acabado de subir para a Primeira Divisão, sagrou-se campeão carioca derrotando os grandes clubes de então. No entanto, havia algo no C.R. Vasco da Gama que o diferenciava de seus oponentes: enquanto os times que disputavam a divisão principal eram formados basicamente por jovens da elite carioca, o Vasco chegava ao campeonato com uma equipe formada fundamentalmente por jogadores negros e operários, recrutados nos campos de várzea dos subúrbios do Rio de Janeiro. Em 1924, a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos, que organizava o campeonato carioca naquela época e que era controlada pelos grandes clubes, impôs uma série de condições esdrúxulas para que o Vasco pudesse continuar a disputar a Primeira Divisão. Dentre as alegações da AMEA estavam a de que o clube não possuía um estádio em boas condições e a de que sua equipe era formada por jogadores de “profissões duvidosas”. No entanto, o “acordo” proposto pelo presidente da Associação para que o Vasco pudesse disputar o torneio deixou bem claro quais eram os reais motivos da exclusão do clube: a AMEA queria que o Vasco afastasse da sua equipe um total de 12 jogadores, não coincidentemente os negros e operários. Ao recusar-se a cumprir esta exigência, o presidente do C.R. Vasco da Gama escreveu uma das mais belas páginas da história do futebol brasileiro, reiterando uma postura democrática e anti-racista existente no clube desde a sua fundação (ainda como clube de regatas), que ficou demonstrada com a primeira eleição de um não-branco para a presidência de um clube esportivo no Brasil (o mulato Cândido José de Araújo, em 1904). Em 1925, em resposta aos argumentos que levaram à sua expulsão da AMEA, o Vasco iniciou uma campanha popular para arrecadação de fundos – os principais colaboradores foram os comerciantes portugueses e o povo pobre dos subúrbios – que lhe permitiu comprar um terreno e construir aquele que foi, por alguns anos, o maior estádio da América Latina: São Januário.
Muitos anos depois, por volta de 1973 ou 74 , um garoto da periferia, então com seus 4 ou 5 anos, decidiu, do nada, que seu time era o C.R. Vasco da Gama (apesar das pressões de algumas pessoas da família que o queriam Flamengo). Destino? A força do DNA lusitano? Uma inconsciente percepção infantil do que representava aquele clube? Sei lá. Só sei que hoje, trinta e tantos anos mais velho, com algumas cicatrizes na alma e bem menos cabelo sobre a cabeça, esta escolha continua a me marcar profundamente. Assim, costumo dizer que torcer pelo Vasco é, acima de tudo, uma opção ideológica.
Bem, por que lembrar de tudo isto? Porque este clube de tantas glórias acaba de cair para a série B do Campeonato Brasileiro, naquele que a grande mídia vem descrevendo como o “momento mais triste” de sua história. Porém, na verdade, esta queda só simboliza o ponto final de um longo ciclo, este sim, que constituiu-se no período mais triste e obscuro da existência do clube: a era Eurico Miranda. Por isto, quem sabe, esta queda seja necessária para expiar o clube e purificá-lo, depois de anos de desmandos, truculência e autoritarismo. Choramos nós, torcedores. Mas quem sabe não sejam os desígnios dos Deuses do futebol que desçamos à escuridão do Hades para, a seguir, reconquistarmos a glória?