Fiquei curioso hoje para entender a lei que regula as eleições municipais. São Google ajudou para descobrir a “Resolução nº 22.718” do TSE, na verdade uma instrução ao Código Eleitoral, este sim a lei, de 1997. A atual resolução é novinha, saiu do forno este ano. A cada eleição os juízes se reúnem para retocar o tal código. E não param de mudar. Ontem mesmo, vejam só, depois do primeiro turno, os ministros do TSE estiveram reunidos para mais uma mudancinha. Segundo seu presidente, Carlos Ayres Brito, na verdade uma “explicitação para distinguir, mais uma vez, a mídia impressa da mídia representada pelo rádio e pela TV”. Tudo bem. Entendi que os advogados do grupo Estado fizeram um bom trabalho. A instrução é aparentemente rígida com as TVs e rádios na manifestação de compromissos com candidatos. E o grupo Estado não tem TV e rádio. E tem compromissos, imagino. Paciência. Apenas os invejo pela impossibilidade que tenho em contar com advogados que ao menos pudessem me explicar as notícias do dia, que motivaram minha curiosidade.
O jornal O Globo deu enorme destaque em sua edição de quinta-feira à apreensão de uma kombi com propaganda irregular. Seus ocupantes foram parar na Polícia Federal, onde haverá inquérito a ser enviado ao Ministério Público. As acusações são graves, segundo o jornal: abuso do poder econômico, crime contra a honra e/ou propaganda negativa. E ouviram o juiz Luiz Márcio Pereira, coordenador de Fiscalização de Propaganda Eleitoral, que foi taxativo em levantar a hipótese de “ação orquestrada”. O motivo principal para tal afirmação foram panfletos apócrifos encontrados contra o candidato Fernando Gabeira.
A primeira questão é que os panfletos não são exatamente apócrifos, estão assinados pela Associação de Moradores do Morro São José da Pedra. Foi ouvido o presidente da associação, que negou a autoria, mas disse que poderia haver confusão com outra associação do mesmo nome, em outro lugar. Quanto ao conteúdo, o jornal afirma que se tratava de uma denúncia que vincula Gabeira a um suposto esquema de recolhimento de lixo que envolveria o prefeito Cesar Maia. Os panfletos atribuem as críticas feitas pelo candidato à vereadora Lucinha (PSDB) ao fato de o prefeito, que apóia Gabeira, ter interesse na instalação deste lixão, pois seria amigo de Julio Simões, o tubarão do transporte de lixo.
Li a lei, mas sem advogados para melhor orientação, confesso que não entendo como estas pessoas serão enquadradas. A acusação de abuso de poder econômico com o material apreendido na Kombi é piada frente ao que vimos no primeiro turno. A cidade foi inundada por bandeiras e cartazes ambulantes. Mais grave, vi candidatos a vereador em frotas de carros 0km, pintados com suas imagens, tal como os de empresas. Propagandas riquíssimas que nem em quatro anos há rendimentos de um vereador para pagar tais gastos. Desconheço que alguma fiscalização do TRE tenha se preocupado em fazer esta conta.
E o que seria “propaganda negativa”, ou “crime contra a honra”? Denunciar os reais interesses dos candidatos? Defender parte da população atingida por um projeto polêmico, que já foi noticiado pela própria imprensa? À sociedade, como participar? Ela não pode denunciar, manifestar seu descontentamento sem cair no rigor da lei? É o que me pareceu ao ver as duas propagandas hoje na TV, obra da magistral lei que transforma os dois candidatos em meros produtos, sem idéias. Músicas com letras para todos cantarem ocupando a maior parte do tempo. Nada de debate, zero de polêmica, apenas parcas idéias conhecidas, bravatas de campanha. O conteúdo se foi. Os dois candidatos conservadores tentando vender a sua marca. Algo puramente simbólico. Parece a disputa entre duas marcas de refrigerante. Para a alegria do TSE, vamos escolher entre a Coca-Cola e a Pepsi.