Terra Gramsci

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  • sábado, 30 de agosto de 2008
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  • Giorgio Baratta é professor de filosofia na Universidade de Urbino, Itália. Marxista erudito, de imaginação larga e fôlego inesgotável, dedica-se a uma batalha incansável para agitar idéias, unir experiências e produzir cultura de esquerda. Sua relação com o pensamento de Gramsci é intensa e original. Baratta não é um estudioso em busca do verdadeiro Gramsci, mas sim um teórico que deseja usar Gramsci para interpretar as urgências do presente.

    Com esta preocupação, Baratta tem girado o mundo. Uma de suas paixões é buscar os links político-culturais entre o Brasil e a Itália, mais precisamente entre Salvador e Nápoles. Seu livro Le rose e i quaderni (Roma, Gamberetti, 2000) foi traduzido e publicado no Brasil (As rosas e os Cadernos. Rio de Janeiro, DP&A, 2007). É uma excelente amostra do programa teórico, político e cultural a que se dedica Baratta.

    Seu empenho em renovar o estudo e o uso de Gramsci convergiu recentemente num movimento que está a ganhar vida na Sardegna, Itália, região onde nasceu Gramsci. Com o apoio da International Gramsci Society, Terra Gramsci (http://www.gramscitalia.it/terragramsci.html) propõe-se a ligar as terras do mundo, a constituir uma rede itinerante para promover intercâmbios tendo em vista um projeto de formação de um novo senso / imaginário comum. Realiza concertos, festivais de poesia, teatro e cinema, além de seminários e conferências.

    O “nosso Gramsci”, pode-se ler no manifesto de lançamento de Terra Gramsci, “é um grande intelectual cosmopolita internacionalista, e ao mesmo tempo um homem rico de sentimentos elementares: alguém que vivia a sua terra – pedras, plantas, animais, culturas, tradições – como fonte permanente de paixão pelo senso comum de sua gente, que ele se esforçava para levar a uma consciência mais aberta e mais madura, capaz de passar sem solução de continuidade da Sardegna à Itália, à Europa, ao Mundo”.

    No último dia 26/08, Baratta publicou amplo artigo no jornal Liberazione, de Roma, no qual reapresenta Terra Gramsci. Seu título diz tudo: “Uma rosa viva na terra de Gramsci nasce mesclando música, palavras e imagens” (http://www.liberazione.it/a_giornale_index.php?DataPubb=26/08/2008).

    Reproduzo abaixo um trecho particularmente emblemático, revelador do espírito que move este culto e dinâmico gramsciano.

    « “Gramsci morreu”, afirma um livro recentemente publicado na Itália. Se é assim, viva Gramsci!

    Outros também morreram, basta pensar em Lênin e depois em Togliatti, que usou Gramsci para construir todo um programa político. Depois da experiência togliattiana, abriu-se na Itália um vazio de presença real, que dura ainda hoje, não obstante o vivaz fermento de idéias produzido por estudiosos da “International Gramsci Society”, como documentam livros recentes de grande valor, entre os quais, em ordem inversa à da publicação, La continua crisi [A crise contínua] de Pasquale Voza, La rivoluzione necessaria [A revolução necessária], de Raul Mordenti, Tre voci nel deserto [Três vozes no deserto], de Giuseppe Prestipino, e Sentieri gramsciani de Guido Liguori [Roteiros para Gramsci, ed. bras. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 2007] .

    Como explicar esta dificuldade de impacto na realidade? Os mortos são usados pelos vivos. Mas primeiro é preciso se dar conta até o fundo de que estão mortos. Talvez ainda cultivemos algumas ilusões. Se tivermos a coragem de virar a página sem vacilação e refletirmos sobre as urgências do existente, perceberemos que usar significa traduzir, isto é, comporta a adoção de uma outra linguagem, irremediavelmente distinta da original. Uma linguagem é um mundo. Uma experiência-mãe, que demonstra a capacidade de estimular o novo, que é precisamente o legado de Gramsci e foi o ardor que nos anos 1970 teve Stuart Hall na Inglaterra de “teorizar” não tanto sobre Gramsci, mas – com Gramsci – sobre as urgências do existente. Hall buscou em Gramsci o eixo para analisar as novidades do “populismo autoritário” da senhora Thatcher, que havia sido capaz de traduzir e deformar na linguagem da direita certas necessidades, idéias e sentimentos extraídos do patrimônio político-cultural da esquerda. Para esta operação, Hall e o movimento a ele vinculado valeram-se de estudos culturais, de disciplinas e linguagens as mais diversas.

    Pouco tempo atrás, juntamente com Derek Boothman, tive a oportunidade de refletir com Hall em Londres sobre as analogias e diferenças entre a Inglaterra populista-autoritária de então e a Itália de hoje, mas também sobre as modalidades de uma estratégia cultural de “esquerda”. O pensamento de esquerda se estilhaçou diante da televisão? Vamos então dar vida a um esforço coletivo de imaginação crítica, inspirado em um autor que no último de seus Cadernos do cárcere escreveu: se se despe a gramática da língua, sobra somente um sistema de imagens. »

     
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