Espaços, atores e circunstâncias

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  • sábado, 26 de abril de 2008
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  • Não é de hoje que Aécio Neves, governador de Minas Gerais, e Fernando Pimentel, prefeito de Belo Horizonte, mantêm relações de proximidade e cooperação. Sempre que aparecem juntos em público, a interpretação é uníssona: abriu-se novo espaço para entendimentos entre o PT e o PSDB. O quadro partidário treme e se agita todo, sinal evidente de que há algo naquela aproximação que o incomoda.

    Pimentel e Aécio falam a língua do entendimento. Dizem que não agem com os olhos em interesses pessoais, que desejam armar uma aliança mineira sem a preocupação de saber que impacto nacional ela terá. Querem ampliar os espaços de intercâmbio e ganhar mais combustível para governar, mas também melhorar sua posição relativa no jogo político nacional. Andam na contramão de seus partidos, que vivem em guerra latente ou manifesta. De certa forma, atropelam-nos, superpondo-se aos planos políticos e eleitorais das cúpulas.

    Dias atrás, a direção nacional do PT endureceu com o prefeito mineiro, afirmando em nota que "não autorizará, em nenhuma hipótese, o PT a participar de qualquer coligação de que faça parte o PSDB em Minas". Alguns dirigentes petistas acreditam que não é razoável afagar o PSDB num momento em que este partido é o principal pólo da “oposição radical” ao Governo Federal. Acham que alianças localizadas entre os dois partidos terminam por levar água ao moinho de Aécio Neves.

    No caso do governador, sua movimentação também indica que ele busca consolidar um espaço de manobra exclusivo, indiferente a compromissos partidários e aberto a articulações ampliadas, que podem incluir até uma troca de legenda. No momento, o gestual político dedica-se a sinalizar, para os que disputam o espaço político tucano, que Aécio Neves tem cacife, não pode ser deixado de lado, nem minimizado. Ou seja, em poucas palavras, que é mesmo candidato à Presidência.

    Em ambos os casos, a justificativa é uma só: preencher os espaços políticos, ir além das amarras impostas por partidos que já não mais refletem a sociedade, abrir os braços para todos os que queiram construir um “grande projeto” para o Brasil. Simultaneamente, luta-se para que Minas volte ao primeiro plano.

    Espaços sempre existem em política. Raramente são desimpedidos e fáceis de ocupar. Derivam de circunstâncias objetivas e atos de vontade, de projetos e concepções, erros e fracassos. Dependem categoricamente dos atores para se converterem em espaços políticos positivos, ou seja, capazes de produzir efeitos construtivos sobre o processo social e o Estado. Caso contrário, ficam ali, vazios e inoperantes, servindo somente, quando muito, como plataformas para manobras de oposição, estocadas de adversários e sonhos mais ou menos delirantes de contestação.

    PT e PSDB nasceram de um mesmo veio, a resistência democrática à ditadura e o esforço para dar voz política aos novos personagens que surgiam na cena brasileira por volta do início dos anos 1980. Tal veio se bifurcou em um dado trecho da estrada, gerando uma esquerda social, combativa e zelosa de seus credos, e uma esquerda moderada, institucional e despojada de substância doutrinária. Lula e FHC estavam juntos nos comícios do ABC e na fundação do PT, do mesmo modo que muitos tucanos de hoje foram petistas ontem e vice-versa. Há entre eles muitos pontos em comum, amadurecidos pelos longos períodos de exercício do poder. Com o correr do tempo, a pista bifurcada convergiu para um ponto de indiferenciação, quase a se diluir em uma imponente auto-estrada de mão única. Diferenças subsistiram, é evidente, e em alguns momentos explodem com virulência. Mas já não há mais como distinguir com nitidez programática e marcas de identidade profunda um tucano de um petista. Eles estão separados somente por um estoque de interesses, algumas mágoas acumuladas e muitos cálculos eleitorais. Claro que, por baixo do que aparece, correm rios caudalosos, a carregar idéias de Estado, utopias políticas, agendas de futuro, modos de governar e compromissos sociais. Isso tudo, porém, tem pouca força para emergir, ditar condutas práticas ou modelar discursos. Está sendo sugado pela globalização capitalista e pela “vida líquida”. São coisas que flutuam sem ter onde ancorar.

    Se Fernando Pimentel e Aécio Neves acenam com alianças eleitorais de curto prazo mas têm em vista o futuro menos imediato, é porque espaços reais de entendimento existem. Ambos são políticos experientes e expressivos em suas respectivas constelações políticas. Falam, porém, sem o aval de seus partidos, o que pode indicar que estão basicamente a lançar balões de ensaio para 2010 e a demonstrar força perante seus adversários. Seus gestos e discursos não sugerem categoricamente uma aliança preferencial entre PT e PSDB, nem muito menos fusão partidária, mas sim o estabelecimento de uma base que suavize o confronto entre as duas principais organizações políticas do país e os beneficie como governantes e candidatos.

    Mas a vida é dinâmica e poderá exigir que se leve a sério a idéia de formar um bloco político que compense o vazio de lideranças efetivas que tipifica o Brasil magnetizado pelo carisma de Lula. Se vier a ser este o caso, será inaugurado um novo caminho, cujos desdobramentos poderão beneficiar a governabilidade e democratização do país, ainda que não contenham necessariamente isso. Será, porém, um caminho explosivo, pois tenderá a implicar, mais que um reencontro entre PT e PSDB, a completa diluição desses partidos em constelações políticas mais ou menos invertebradas e sem alma. Cristalizar-se-á assim uma institucionalidade política mais suscetível a personalidades e movimentos que a organizações. Não há como prever, mas dá para imaginar, que eficácia democrática teria uma institucionalidade deste tipo. (Publicado em O Estado de S. Paulo, 26/04/2008, p. A2)

     
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