Por Wladimir Pomar*
Marilena Chauí está sendo criticada por haver feito uma palestra na Academia da Polícia Militar do Rio de Janeiro, onde teria declarado que os Black Blocks têm mais inclinações fascistas do que anarquistas. Segundo notícias publicadas na Folha de S. Paulo, ela teria afirmado que esses “grupos têm como foco o ataque a indivíduos”, e “não apresentam um plano de organização social futuro, em substituição à estrutura social vigente”. Eles se apresentariam como anarquistas, mas, ao contrário destes, seriam fascistas por terem as “pessoas..., tanto quanto as coisas", como alvo.
Ainda segundo a matéria da FSP, Marilena Chauí teria dito que as manifestações de junho em nada se assemelharam aos protestos de maio de 1968, na França, porque “as reivindicações atuais dialogam com o poder constituído, o Estado”. Enquanto as manifestações de 1968 não teriam reivindicado nada, as de junho, no Brasil, teriam se dirigido “ao poder, ao Estado”, e pedido “diminuição da tarifa, mais verba para educação, saúde, CPIs e auditorias contra a corrupção e contra a Copa”. Teriam feito “demandas institucionais ao poder”. A professora teria, ainda, falado sobre "o mito da não violência brasileira", descrevendo a estrutura social como "opressiva" em relação aos mais pobres.
Retornando aos "Black Blocks", ela teria considerado que eles não utilizam a “violência revolucionária”, porque esta “só se realiza se há um agente revolucionário que tem uma visão do que é inaceitável no presente e qual a institucionalidade futura que se pretende construir". Em vista disso, o modelo "Black Block" seria “uma mescla de partidos de extrema esquerda à procura de uma linguagem intempestiva de reconhecimento social e nacional" e "essa coisa anárquica". Ela teria defendido, ainda, que as manifestações previstas para setembro empunhem como bandeiras as reformas política e tributária.
Em resumo, ela está sendo criticada por haver feito, segundo alguns, uma “palestra aos 'companheiros' da PM”, sem que se saiba ao certo se ela pretendia “conscientizar os jovens oficiais relativamente aos princípios ético-políticos” que balizam os verdadeiros revolucionários, ou “simplesmente incentivar que se baixe o cacete nos cândidos mascarados”. Ainda segundo os críticos, na reportagem da FSP (cuja veracidade, acrescento eu, é sempre necessário colocar em dúvida), teria ficado evidente que Marilena Chauí apenas teria constatado o óbvio. Isto é, o que os ultraesquerdistas se recusariam a ver. Portanto, embora no conteúdo tenha estado certa, Marilena Chauí teria falado “o certo para as pessoas erradas”.
Esses críticos talvez não estejam tratando a questão como deveriam. Em relação à primeira crítica, a esquerda deve ou não travar a batalha ideológica e política no aparato do Estado, em particular no aparato que utiliza as armas? Não esqueçamos que a esquerda está à frente do governo federal e de governos estaduais e municipais, ou faz parte deles. O que há de errado em falar aos membros das corporações militares e militarizadas? Talvez filósofos, economistas, sociólogos e políticos da esquerda devessem ser criticados não por participarem de palestras e debates nas corporações militares, mas por participarem pouco, ou não participarem.
É evidente que não devem falar somente o que os homens das armas e cassetetes querem ouvir. Devem falar, justa e principalmente, o que quase certamente eles não querem ouvir. Isto é, que é antidemocrático, reacionário, opressivo e covarde baixar o cacete, espancar e atirar, mesmo que sejam balas de borracha, no povo em manifestação. E que a esquerda desconfia, e muito, que entre os Black Blocks haja policiais infiltrados, para realizarem o quebra-quebra, as depredações e saques, com a finalidade de desmoralizar as manifestações e retirar o apoio que a maior parte da população dá a elas.
Portanto, mesmo que entre os Black Blocks existam os que se intitulem anarquistas, socialistas, revolucionários, ou lá o que seja, e até carreguem cartazes com a foice e o martelo, não devemos esconder que a esquerda sabe e denuncia que eles são fascistas. E que entre eles se encontram policiais, porque foi assim que as legiões de Mussolini e Hitler se apresentaram e agiram para estabelecer o poder ditatorial de extrema-direita.
Portanto, quanto mais a PM se jogar, com balas e cassetetes, sobre os manifestantes sem máscaras ou capuzes, ao invés de utilizar seu poder investigativo para processar sem violência a minoria Black Block, mais evidente ficará sua articulação com essa facção.
A reportagem da FSP não informa se Marilena Chauí disse algo que os aspirantes a oficiais da PM não queriam ouvir. Se não disse, perdeu uma boa oportunidade que, tenho certeza, não desperdiçará de uma próxima vez.