* Luiza - Tom Jobim
Projetos diferentes
Por Wladimir Pomar*
Virou chavão, tanto de setores da direita quanto de esquerda, reclamar da falta de um projeto para o Brasil. Todos reclamam dessa ausência, como se isso fosse tarefa de outros. Porém, de forma aberta ou mascarada, cada um à sua maneira, colocam em pauta suas próprias propostas.
À direita, por exemplo, o que existe é a tentativa, disfarçada, de retomar o projeto neoliberal, que entrou em colapso, mas ainda mantém seus restos fazendo estragos. Propostas de choque de gestão não passam da pretensão de remodelamento neoliberal, embora isto possa impressionar alguns setores sociais. Ao centro, a burguesia liberal procura um projeto de capitalismo sustentável, de alta rentabilidade e pequena turbulência, como se o capitalismo fosse capaz de unir esses dois aspectos irreconciliáveis de sua natureza.
À esquerda, em princípio, podemos distinguir três grandes projetos. Um, que poderíamos chamar de socialista revolucionário, que pretende liquidar imediatamente o capitalismo e instaurar o socialismo pleno. Outro, de um socialismo socialdemocrata de feição europeia, que supõe possível domesticar o capitalismo, seja através da democracia liberal, ou de uma democracia mais participativa. E um terceiro, que poderíamos chamar de socialismo realista, na ausência de uma melhor classificação, que não considera esgotado o papel histórico do capitalismo no desenvolvimento das forças produtivas, mas supõe possível edificar o socialismo, na condição de possuir um Estado capaz de construir a propriedade social paralelamente à propriedade privada.
Os socialistas revolucionários não reconhecem qualquer avanço ou melhoria nas condições de vida dos trabalhadores e das grandes massas da população brasileira. Além disso, o neoliberalismo e a crise econômica e financeira do sistema capitalista norte-americano e europeu seriam uma demonstração cabal de que o capitalismo teria esgotado sua viabilidade histórica, seja nos países desenvolvidos, seja nos subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Portanto, o único projeto viável para o Brasil seria a liquidação de todos os mecanismos de funcionamento do capital e sua substituição por mecanismos sociais.
Nessa linha de raciocínio, esses socialistas se opõem a qualquer projeto governamental que represente reforçar o capitalismo, seja nas áreas energética e de transportes, seja nas áreas industrial, de construção civil e outras. Qualquer um desses projetos não somente representaria danos ao meio ambiente, como se destinaria a proporcionar maiores lucros às empresas capitalistas. Portanto, governos de esquerda que promovam tais projetos, e coloquem as empresas estatais para realizá-las em parceria com empresas privadas, estariam traindo os ideais socialistas e se transformando em capachos da burguesia.
Os socialistas da socialdemocracia acreditam que o Brasil já não está naquela fase capitalista em que a selvageria econômica era protegida pela ditadura militar. Eles se contentam com os avanços sociais por meio de políticas públicas, do aumento do salário mínimo legal, da criação de milhões de empregos com carteira assinada, da ampliação do sistema previdenciário, da expansão do crédito de consumo e do controle inflacionário. Por esse caminho, com a participação ativa do Estado, passo a passo, o capitalismo seria cada vez mais domesticado, e se tornaria um sistema capaz de suportar uma distribuição menos desigual da renda.
Os socialistas realistas supõem que a selvageria do capitalismo ainda está presente, expressando-se através dos preços administrados e lucros máximos dos oligopólios. O capitalismo selvagem continuaria sobrevivendo mesmo sem a proteção ditatorial. Mas eles reconhecem os avanços sociais das políticas públicas dos últimos anos. Constatam, porém, que nada disso mudou o capitalismo, nem criou uma força social de contenção dos aspectos destrutivos e degenerativos de funcionamento do sistema capitalista. Tal sistema continuaria acumulando, concentrando e centralizando o capital, muito mais rapidamente do que a parte da renda que pode ser apropriada pela classe trabalhadora assalariada e pela pequena burguesia.
Além disso, o sistema capitalista, por sua própria natureza, continuaria se impondo ao consumo, produzindo mais mercadorias-objetos e mercadorias-dinheiro do que a capacidade social de consumo. E corroeria constantemente tal capacidade devido à sua propensão ao avanço técnico e ao aumento da produtividade, expelindo trabalhadores das atividades produtivas. Para piorar, na busca de recursos naturais mais baratos, o capitalismo continuaria demonstrando uma sanha destrutiva sem paralelo na história, tanto na produção industrial, quanto na produção agrícola. E na busca de novas fontes de lucros, persistiria em sua tendência de abarcar setores cada vez mais amplos dos serviços públicos, privatizando-os e tornando-os inacessíveis a grandes parcelas da população.
Nesse sentido, eles se acercam dos socialistas revolucionários e se distanciam dos socialistas socialdemocratas. No entanto, ao contrário dos primeiros, eles consideram que o capitalismo, tanto nos países capitalistas desenvolvidos quanto nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, ainda não esgotou seu papel histórico de desenvolver as forças produtivas a um ponto em que a propriedade privada se torne uma excrescência ou um absurdo. E consideram que quando as forças produtivas chegarem a esse nível, tornando possível superar completamente o capitalismo, a sociedade daí resultante deverá ser uma sociedade sem classes, cooperativa, possível de suprir totalmente as necessidades de cada indivíduo.
Nessas condições, o socialismo, como tem mostrado a experiência histórica, deve ser uma sociedade de transição, na qual os diferentes aspectos do capitalismo serão paulatinamente superados, enquanto os diferentes aspectos de uma sociedade cooperativa serão reforçados. É nesse sentido que o socialismo se apresenta como uma questão atual. As mudanças sociais e políticas nem sempre esperam que o capitalismo esteja completamente maduro para que possam ocorrer. A conquista de parcelas do Estado, por via eleitoral, ou do Estado como um todo, por via de reformas políticas ou de transformações democrático-revolucionárias, pode introduzir mudanças de caráter socialista, paralelamente à presença do capitalismo, introduzindo um processo de transição.
Em geral, a luta política de classes impõe tarefas que podem ir além das condições econômicas e sociais presentes, criando uma situação em que tais condições não podem ser mudadas no mesmo ritmo das mudanças políticas, e mesmo impõem limites a estas. Sem considerar a realidade, ou as contradições do desenvolvimento capitalista, seja em termos globais, seja em termos nacionais, os socialistas parecem destinados a continuar apresentando projetos diferentes, em especial quando se apresentam situações inusitadas, como as que vivem vários países do mundo atual. O Brasil inclusive.
*Wladimir Pomar é escritor e analista político.
Fonte: http://www.correiocidadania.com.br
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*Esclarecedora entrevista realizada pelo Jornal do Terra com Carlos Cavalcanti, Diretor de Infraestrutura da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Assista na íntegra clicando no vídeo acima.
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